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segunda-feira, 26 de março de 2018

Haydée — Silva Novo (1889-1970)



(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

Haidée

  • - Valsa de Silva Novo -

 Por Billy Magno

A história da obra aqui apresentada tem origem no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL. Num tempo em que encontrar papel de música era coisa rara, ainda mais numa cidade do longínquo sertão nordestino, como Pão de Açúcar, os maestros e copistas tinham por hábito reutilizar o papel, escrevendo, às vezes, uma segunda obra no verso de um dobrado, por exemplo. Considero esse processo muito parecido com os velhos discos de cera em 78 rpm onde se tinha uma música de cada lado, sendo muitas vezes a música de sucesso no lado A e a música complementar no lado B.
O processo é o mesmo no que diz respeito à música escrita, tendo-se muitas vezes um dobrado bastante executado num lado e, no outro, um dobrado ou uma valsa que, de tão pouco executada, acabava caindo no esquecimento. Foi assim, por exemplo, com o dobrado Silvino Rodrigues e a mazurca Risonha, ambos com cópia de janeiro de 1911.
Se fosse um disco, Silvino Rodrigues seria o lado A, enquanto Risonha seria o lado B. Silvino Rodrigues passou para a história como um dos dobrados mais populares do Brasil, mesmo sendo de autoria desconhecida, enquanto a mazurca Risonha, também de autoria anônima, não teve a mesma sorte, passando despercebida, e, só não se perdeu na poeira dos anos, porque os originais, ainda que em frangalhos, permitem recuperar a orquestração. Outros exemplos são os dobrados Temporada/Alonso de Oliveira (1920), Olyntho Mattos/Santa Cruz (1928), Antônio Augusto (dobrado de Manoel Leite)/Experiência (dobrado de Antônio de Castro Passinha), ambos também de 1928, o dobrado Sonhador (Osvaldo Passos Cabral) e a valsa Haidée (Silva Novo). É dela que vamos falar.
Escrita no verso do dobrado Sonhador, de Osvaldo Cabral (1900-1990), esta valsa com cópia datada de 06 de julho de 1942 por Manezinho Costa (Manoel Pereira da Costa ― possivelmente da cidade de Bom Conselho-PE), foi provavelmente pouquíssimo executada na época de Mestre Nozinho (Manoel Victorino Filho, 1895-1960) até ser completamente esquecida na época de outro maestro: Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Em compensação, Sonhador, que está escrito no verso da parte, era tão executado por Bubu nos anos 1970 e 1980 que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1.º clarinete, uma delas.
Quando comecei a trabalhar no arquivo da banda, em abril de 1994, minha primeira providência foi organizar tudo em pastas, separando parte por parte, música por música; feito isso, logo iniciei a segunda etapa do trabalho: separar obras completas das que estavam incompletas; a terceira etapa foi fazer um levantamento geral do que havia no arquivo, das primeiras décadas do século XX até o final dos anos 1980, e tentar recuperar o máximo de obras que conseguisse. Algumas, simplesmente, sumiram; muitas estavam num estado de conservação que não permitiam mais o manuseio, o que empreendeu um verdadeiro trabalho arqueológico em prol da restauração completa. Para isso, eram necessárias horas e horas de verificação, comparação de partes e identificação até resultar numa nova cópia  ainda manuscrita, pois eu ainda não dispunha dos modernos softwares para escrever música (só fui ter um em julho de 1998). Outras partituras consegui em arquivos dentro e fora da cidade (Arquivos de Antônio Melo Barbosa, o Tonho do Mestre, nascido no ano de 1932, em Pão de Açúcar), bandas de música da PM de Alagoas e 59.º BIMtz (antigo 20.º BC) em Maceió, PM de Sergipe, em Aracaju, e Base Aérea de Salvador.
Numa das conversas que tive com antigos músicos sobre o patrimônio da banda, explicando a situação, alguns deles me disseram que quando Bubu se mudou para Piranhas, levou com ele parte do arquivo, de modo que alguns dobrados e marchas, muito executados anteriormente, não mais existiam no arquivo. Combinei com Eberval Almeida Brandão de Souza (1970), na época clarinetista da banda, para irmos a Piranhas ver o que o que Bubu tinha levado para lá; ele era amigo de Damião Ferreira Lima, ex-trombonista da Guarany, que autorizou nossa viagem. No período 1997-98, Damião exerceu em Piranhas o cargo de maestro da Filarmônica Mestre Elísio. 
Uma tarde, em março de 1998, fomos encontrar Damião na banda de música e, assim que chegamos, ele nos mostrou o que tinha sido levado: os dobrados Padre Medeiros Neto/José Pinto de Barros, Ricardo Morais (Domingos Queiroz)/De Paris a Londres (1928), Mão de Luva, de Joaquim Naegele (1899-1986)  que Paulo Henrique Lima Brandão (1971), na época professor na Sociedade Musical Guarany, tinha trazido da banda da Escola Técnica Federal de Alagoas, quando passou por lá, em 1987 , a marcha de procissão Natalina (em cópia de 1917) com a valsa Nazinha Oliveira no verso, Hino Nacional, Hino Alagoano e: Sonhador. Anos depois vi que nem todas as partes de Sonhador tinham retornado comigo.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3.º clarinete, 3.º piston e 3.º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente. Nesse meio tempo, ninguém lembrava da música escrita no verso. A valsa Haidée, mais uma vez, passara despercebida.  
Em 2015, o músico e pesquisador Flávio Ventura (1978) fez uma edição da valsa com as partes de que dispunha até então, mesmo faltando algumas partes principais como a de 1.º trombone, a vontade de ver a obra restaurada era maior; porém, somente quando estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo é que se deu o grande acontecimento. Uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Na troca de correspondência, mandei para ele as partes que eu tinha da valsa Haidée e juntando com as que ele tinha, completou-se assim a orquestração.
Hoje, decorridos 20 anos, finalmente temos a bela valsa Haidée, do grande maestro santanense Euclides da Silva Novo (1889-1970), em sua 1.ª edição completa, totalmente restaurada, num trabalho de revisão realizado por Flávio Ventura, que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época, sem prejuízo do material original. Também foram acrescentadas partes de sax alto, tenor e barítono, 3.º clarinete, 3.º piston, e 3.º trombone, que não faziam parte da orquestração da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, março de 2018.


BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php).


Euclides da Silva Novo[1]

Cronologia

1889 — Nasce na cidade de Santana do Ipanema/AL, no dia 15 de agosto. Filho de Antônio da Silva Novo e Tereza Maria da Conceição.

1899 — Sua mãe falece na cidade de Bom Conselho/PE, onde residia com os filhos (Euclides e Maria Esterfânia) desde a morte do marido, Antônio da Silva Novo, havia cerca de oito anos.

1901 — Aos 12 anos, tutelado por um alfaiate/músico natural de Floresta/PE, compõe sua primeira música: uma valsa para a banda de Bom Conselho.

1907 — Senta praça no 33.º BC, em Maceió, sendo transferido para o II Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro.

1909 — Como sargento músico, faz curso de flauta no Instituto Nacional de Música, concluindo com distinção. Também conclui o curso secundário. É mestre da Banda de Realengo.

1913 — Estuda regência, harmonia, contraponto e instrumentação com o professor Antônio Francisco Braga (1868-1945), consagrado autor do Hino à Bandeira.

1916 — Recebe a medalha de ouro do concurso de melhor intérprete de instrumentos de sopro, promovido pelo Instituto Nacional de Música.

1917 — Após 10 anos de bons serviços prestados ao Exército Nacional, é condecorado com medalha de bronze.

1919 — Em Fortaleza, é nomeado mestre de música do Colégio Militar do Ceará. Convidado pelo maestro Henrique Jorge, Silva Novo leciona na recém-fundada Escola de Música Alberto Nepomuceno.

1920 — Casa-se com Maria Teixeira, natural de Itapipoca, com quem terá oito filhos: Viçoso, Euclides, Terezinha, José, Mário, Margarida, Ismênia e Maria de Lourdes.

1928 — É convidado pelo diretor Edgar Nunes Freire para lecionar na recém-inaugurada Escola de Música Carlos Gomes, onde funda uma orquestra.

1929 — Organiza, por ocasião da inauguração da estátua de José de Alencar, um orfeão de 8.309 participantes, cinco bandas com 160 músicos, além da Orquestra da Escola de Música Carlos Gomes.

1935 — Na Rádio Clube do Ceará, recebe convite para atuar como diretor artístico.

1936 — Por ocasião do Centenário de Carlos Gomes, rege no Teatro José de Alencar o Orfeão Carlos Gounod, do Colégio Cearense, fundado em 1913.

1938 — Tendo atuado com brilhantismo durante 19 anos, deixa o cargo de Mestre do Colégio Militar do Ceará.

1942 — De volta ao Rio de Janeiro, passa a lecionar na Escola Nacional de Música, dirigida pelo compositor Heitor Villa Lobos (1887-1959).

1943 — Reside em Niterói. Dedica-se às atividades de educação musical nos principais estabelecimentos de ensino do Rio de Janeiro.

1952 — Recebe a medalha de ouro "Honra ao Mérito" na Rádio Nacional.

1962 — Novamente é homenageado, recebendo a medalha de prata por ocasião do congresso de surdos e mudos, na Guanabara, como educador do respectivo instituto.

1969 — No dia 21 de agosto, recebe o título de Cidadão Cearense, outorgado pela Câmara Municipal de Fortaleza.

1970 — Falece no Rio de Janeiro, em 1.º de março, aos 80 anos de idade. Em 30 de outubro, sob patrocínio do Instituto Cylleno, é organizado um grande concerto da Banda de Música da Polícia Militar do Estado da Guanabara, em homenagem ao maestro
alagoano.

Euclides da Silva Novo
(Foto: Acervo Wilson José Lisboa Lucena)

       “O alagoano, feito cearense, torna-se um ilustre semeador e disseminador da cultura musical no Ceará. Sua operosidade expande-se, regendo bandas de música civis e coros, fundando institutos de música, organizando orquestras, exercendo cargos de direção artística e, sobremodo, dinamizando o ensino de música e canto orfeônico em inúmeros e diversificados estabelecimentos educacionais.” (LUCENA, p. 95)
        “Segundo o seu filho, Euclides Silva Novo Junior, quando numa regência daquela corporação militar [Banda de Música da Polícia Militar da Guanabara], [Silva Novo] promoveu um magistral show individual de flauta. Conta, ainda, que o pai, já aposentado, quando visitava uma filha na Bélgica, estendia a excursão à cidade de Hamburgo, na Alemanha, onde extasiava os germanos tocando cavaquinho. Produziu numerosas canções, arranjos corais e orfeônicos de melodias populares e folclóricas, peças para flauta, piano e banda de música,  além de ofícios religiosos.”  (LUCENA, p. 96)

Ed.: F. Ventura




[1] ANDRADE, F. Alves de. “Uma Rua Maestro Silva Novo”. In: Revista do Instituto Ceará, 1972. p. 300-304. PDF. Disponível em: <https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1972/1972-UmaRuaMaestroSilvaNovo.pdf> Acesso em: 20 de março de 2018.
COSTA, Marcelo Farias. Era Uma Vez Um Grêmio: O Teatro Musical de Carlos Câmara e a Construção do Teatro Cearense, 2013. PDF. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/JSSS-9GGG49/marcelo_tese_final_para_deposito_1_12.pdf?sequence=1> Acesso em: 20 de março de 2018.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Maceió: Editora Viva, 2016. vol. 2. p. 95-96.
MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Música no Ceará: Construção Intertextual à Luz do Arquivo da Banda de Música da Polícia Militar. PDF. Disponível em: <http://www.academia.edu/20202622/M%C3%BAsica_no_Cear%C3%A1_constru%C3%A7%C3%A3o_intertextual_%C3%A0_luz_do_arquivo_da_banda_de_m%C3%BAsica_da_Pol%C3%ADcia_Militar> Acesso em: 20 de março de 2018.
O POVO ON-LINE. Volteios da história, 2012. Disponível em: <https://www20.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2012/12/01/noticiasjornalvidaearte,2963725/2012-011212va01100-bb.shtml> Acesso em: 22 de março de 2018.


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

DOBRADO PROFESSOR SILVA NOVO

Homenagem de Manoel Francisco de Lyra, músico militar do 23.º Batalhão de Caçadores (Fortaleza, CE), ao maestro alagoano Euclides da Silva Novo (Santana do Ipanema, AL, 1889 - Rio de Janeiro, RJ, 1970), o dobrado Professor Silva Novo integra o acervo da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro; um trabalho de vários copistas em novembro de 1932.

(Áudio produzido no Sibelius com o Noteperformer integrado)

Dobrado Professor Silva Novo (M. F. Lyra, 1932)
Capa original do dobrado Professor Silva Novo (1932)


quinta-feira, 9 de maio de 2019

Dobrado Nº 9 ♪ Abílio Mendonça [1879-1963]

Revisto e atualizado em 14 de julho de 2021 às 19h18min.


(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

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Dobrado Nº 9

Por Abílio Mendonça (1914)

Por Billy Magno[i]

Análise musical por Flávio Ventura

 

 

Da produção musical do maestro Abílio Mendonça para banda de música pouco restou: são conhecidos apenas três dobrados descobertos até agora,  um deles sem chance de recuperação (trata-se do dobrado Aldemar de Mendonça composto em 1914 em homenagem a seu filho, então com apenas três anos), pois somente foi encontrada uma parte de percussão, sendo os outros o Dobrado nº 9, também de 1914, encontrado incompleto com apenas 8 partes mas em condições de ser recuperado e Depois do Acampamento, de 1915, estando este completo. Merece também menção o dobrado Abílio Mendonça escrito provavelmente em 1913 por ninguém menos que Benedicto Raymundo da Silva (1859-1921). É sabido que o genial compositor, ante as dificuldades financeiras que atravessava na última década de vida, possuía o hábito de ao concluir uma obra, sair imediatamente à procura de quem por ela pagasse, recebendo a composição o nome do comprador. Por essa razão, não é possível afirmar com veemência tratar-se de uma homenagem direta do compositor maceioense ao seu colega de ofício Abílio Mendonça. Por sua vez, devido a uma personalidade despretensiosa e tendendo ao desapego, é pouco provável que Mestre Abílio tenha comprado a composição. Polêmicas à parte, a homenagem (feita não se sabe por quem) existe e sobreviveu ao tempo.

Esquecido no verso do dobrado Capitão Cassulo[ii], que fora copiado posteriormente em 1919, o Dobrado nº 9 constitui o verso original produzido havia cinco anos. Sem referência aos copistas, as únicas partes restantes são as de requinta, 1º clarinete, 1º piston, 1º trombone, baixo em , baixo em si bemol, baixo em mi bemol e bombo. A de baixo em , posteriormente, foi atribuída ao bombardino por sua escrita convir a um instrumento de contracanto – tuba tenor, saxhorn barítono etc. –, portanto, com função distinta da dos baixos em si bemol e mi bemol originais.

Junto a essa instrumentação remanescente somou-se novas partes como as de flautim/flauta, 2º e 3º clarinetes, 2º e 3º pistons, 2º e 3º trombones, saxofones alto, tenor e barítono, além das trompas que foram refeitas a partir do zero pois não mais existe nenhuma parte original desse instrumento para referência, o que torna o restaurador também um arranjador, resultando num trabalho de reconstituição e ampliação da orquestração original, reabilitando esta peça para novas execuções com esta revisão que é a primeira em 105 anos.

De estrutura padrão AA-BB-A-CC na tonalidade Si bemol menor, o Dobrado nº 9 é iniciado em ritmo anacrústico sobre o intervalo de quarta justa – esquema comum a uma série de dobrados tradicionais. Após a introdução de 13 compassos, a seção A se desenvolve em breves 16 compassos e dinâmica mezzo-forte. Na seção B modula para o tom relativo maior, que inicialmente forte, conclui pianíssimo. Nos compassos 51-54 uma breve transição sobre a cadência V7-Im da tonalidade inicial antecede a reexposição do tema (seção A). A partir do compasso 56 um forte do baixo[iii] relativamente curto tanto finaliza a obra quanto, como intermezzo, prepara o Trio (seção C) no tom homônimo Si bemol maior.

Única com indicação da data completa em que foi copiada, 14 de abril de 1914, a parte de percussão do Dobrado nº 9 tem dupla notação no segundo e quarto espaços para bombo (tempo) e caixa (contratempo). Sua escrita padrão, com marcação iniciada a partir do quinto compasso da introdução, quase não se altera, exceto por rufos em dois momentos-chave: compassos 53 e 61.

Considerando o andamento em torno de 112 bpm[iv], os 96 compassos do Dobrado nº 9 (com seus ritornelos e da capo al fine) são percorridos em pouco menos de 4 minutos – portanto, uma breve amostra da produção do compositor Abílio Mendonça que, posteriormente, com o dobrado Depois do Acampamento (1915), na mesma tonalidade Si bemol menor, exigirá mais de sua capacidade criadora.

*

As obras de Mestre Abílio resultam das recentes pesquisas realizadas no final de novembro de 2018 e meados de janeiro deste ano no arquivo particular de Antônio Melo Barbosa que se dedicou à preservação da memória musical da cidade de Pão de Açúcar, conservando material original da produção dos mestres músicos do final do século XIX e primeira metade do século XX, constituindo um dos mais importantes acervos musicais do Baixo São Francisco. Seu zelo era algo de extraordinário, principalmente quando levamos em conta que muito do que se produziu nessa região não resistiu à insensibilidade dos que herdaram o acervo memorial dos personagens históricos das bandas de música. O compositor Abílio Mendonça, por exemplo, não seria hoje desvendado se não fosse esse instinto preservacionista de Antônio Melo Barbosa. Devido a sua vital importância para esta pesquisa, passarei a discorrer sobre essa nobre figura.

Filho da união do maestro Manoel Victorino Filho (1895-1960) com Florina de Carvalho Melo (1902-1951) ocorrida em 27 de novembro de 1920, Tonho do Mestre, como era conhecido, nasceu em Pão de Açúcar em 19 de março de 1932. Caçula de cinco irmãos[v], aprendeu música com o seu genitor, principiando na banda de música aos 8 anos tocando tambor. Aos 12 já tocava trompa, aos 14, trombone, aos 17, bateria e aos 24, tuba (em si bemol).


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Antônio Melo Barbosa e sua mãe Florina Melo
 no final dos anos 1940. (Acervo Antônio Melo Barbosa)


Em março de 1952 casa-se com Lúcia Menezes (nascida em 13 de novembro de 1930), desde então nasceram seus filhos Schumann, Sheyla, Sonja e Shirley. Após o falecimento de Mestre Nozinho em 18 de abril de 1960, assume a regência da Sociedade Musical Guarany, ainda que por pouco tempo, em meados dos anos 1960, quando cedeu parte do seu acervo para a referida banda de música tendo antes o cuidado de na maioria dos casos guardar uma cópia do material para si.

Afastou-se da música, mas nunca completamente pois mesmo vivendo do ofício de alfaiate também aprendido com o pai e assumindo a Alfaiataria Oriente a partir de 1960, nunca deixou de escrever música, refazendo partes faltantes dos arranjos e mesmo copiando peças inteiras para seu acervo pessoal, hábito que continuou mesmo depois de ter encerrado as atividades da sua alfaiataria no início dos anos 1990. Graças a isso, quando trabalhei no arquivo da Guarany entre 1994 e 2000, pude repor muitas obras que não constavam mais no arquivo e estavam perdidas. Seu acervo pode ser considerado um dos mais importantes do estado de Alagoas, pois nele é possível encontrar obras raras de determinados compositores como o penedense Francisco Paixão (1855-1926), cuja única obra conhecida até agora, o dobrado Adail (de 1911), foi cedida a Guarany a partir do seu acervo.

Também nele ou a partir dele ainda foi possível encontrar duas obras do compositor camaragibano Agérico Lins (1862-1935), três obras originais e completas de Lauro Carmo (1876-1941) ­– pão-de-açucarense que dividiu suas atividades entre Penedo, no lado alagoano, e Propriá, no lado sergipano, onde faleceu; mais algumas do traipuense Ranulfo (Nô) Carmo (1900-1955), do  santanense Euclides da Silva Novo (1889-1970), do maceioense Benedicto Silva (1859-1921) ­– cujas obras originais encontradas no acervo (em torno de sete, excetuando-se os arranjos) não constam do inventário oficial da obra do compositor; dos palmarinos Manoel Leandro Simplício (1904-1995), conhecido por Mestre Manuca, e Antônio Arecippo de Barros Teixeira (1868-1928) – magistrado por profissão e músico por diletantismo; e até do pianista (ele que não costumava escrever para banda de música) Antônio Paurílio, outro maceioense;  além dos pão-de-açucarenses Livino de Paiva Mazoni (1880-1940),  Álvaro Pereira Simas (1881-1961), Emídio Bezerra Lima (1865-1931), Antônio Francisco dos Santos (nascido em 1892), os irmãos Antônio Passinha (1894-1936) e Manoel Passinha (1908-1993); Américo de Castro Barbosa (1903-1967), seu tio; Mestre Nozinho e Abílio Mendonça, pão-de-açucarenses por adoção, visto que um era sergipano e o outro pernambucano que chegaram à cidade ainda pequenos.

 

Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Jazz Band e Banda Pão de Assucarense sob a batuta de Mestre Nozinho, ao centro. Pão de Açúcar, 1946.
(Acervo Antônio Melo Barbosa)

Tonho também guardou um importante acervo fotográfico que documenta não só a música, mas o modus vivendi de Pão de Açúcar e seus personagens desde a primeira década do século XX, preservados ao longo dos anos. Sua casa era uma espécie de museu particular a quem invariavelmente recorreram todos os que pesquisaram sobre o passado da cidade, documentado em partituras e fotografias cuja legenda na maioria das vezes só ele sabia.

Estive com ele pela última vez num domingo, 2 de dezembro de 2018, em Maceió, quando fui entrevistá-lo para o trabalho sobre os compositores alagoanos que escreveram para Banda de Música, na casa onde vivia aos cuidados de sua filha Sheyla. Não sabia que seria a última vez que veria um amigo de longa data. Até almoçamos juntos e descontando as limitações impostas pela idade a sua memória continuava fabulosa. Um mês depois, ao regressar à cidade, fui informado por sua filha Shirley que seu estado de saúde não era bom e que estava internado desde o ano novo.

Com o coração cada vez mais fraco e vencido pelo tempo, em 14 de fevereiro, as 12:40, na Santa Casa de Misericórdia de Maceió, falecia Antônio Melo Barbosa, cuja vida foi devotada a família, trabalho e à música, que conservou dentro de si durante toda a existência. Finalmente, encontraria sua amada esposa Lúcia, companheira de toda uma vida, que havia partido em 18 de fevereiro de 2016.

Foi-se e levou com ele parte considerável da história, pois ainda tinha muito a dizer[vi].

                        

Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Tonho do Mestre com as filhas Sheyla, Shirley e Sonja.
Maceió, ago.2018. (Foto: Shirley Menezes)


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Tonho do Mestre numa de suas últimas fotos, aqui com Billy Magno.
 Maceió, 2 dez. 2018. (Foto: Shirley Menezes)


                                                                 
  

           


Abílio de Carvalho Mendonça

O maestro boêmio

 

Poucos encarnaram tão bem o espírito libertário da arte e mantiveram acesa tanto tempo a chama sagrada da melodia como Abílio Ignacio de Carvalho Mendonça. De natureza boêmia e alma inquieta, rompeu com as convenções sociais de seu tempo, vivendo de forma livre e independente. Se a sua vida pudesse ser descrita pelo nome de uma música, esta certamente seria a valsa do famoso compositor austríaco Johann Strauss II (1825-1899) chamada Vinho, Mulheres e Música (Wein Wueib und Gesang, no original em alemão), as coisas que mais amou em sua existência.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Maestro Abílio Mendonça (1922)
(Acervo Lygia Maciel Mendonça)


Terceiro dos quatro filhos[1] do casal Manoel Joaquim Ignácio de Carvalho Mendonça de origem portuguesa (nascido em 1847 em Pernambuco) e Maria Constância das Dores (nascida em 1845 na freguesia de Tapera, estado da Bahia), de origem indígena, nasceu Abílio Ignacio[2] a 2 de junho de 1879 em Floresta do Navio, na época uma pequena vila em solo pernambucano localizada na região da bacia do rio São Francisco, distante 433 km da capital Recife.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Manoel Joaquim Ignácio de Carvalho Mendonça, 
em 4 maio 1877. (Acervo Lygia Maciel Mendonça)


Manoel fora renegado pela família que, não aceitando seu casamento, o abandonara, voltando para Portugal, deixando-o sem aporte financeiro. Devido a precariedade dos arquivos não foi possível saber como ele sustentou a família durante toda a década de 1870, supondo-se que viviam de modo precário, mas com o decreto imperial nº 6.918 baixado em 1º de junho de 1878 determinando a construção de uma via férrea ligando as partes navegáveis do rio São Francisco entre a povoação de Piranhas na província de Alagoas e a localidade de Jatobá no vizinho estado de Pernambuco, a situação melhoraria.  A Estrada de Ferro Paulo Afonso começou a se tornar realidade quando teve suas obras iniciadas em 23 de outubro do mesmo ano, empregando na sua construção principalmente emigrantes fugindo da seca que assolava o norte-nordeste desde o ano anterior e se prolongaria até o ano seguinte. Esse foi o destino de Manoel e sua família que parecem ter chegado à vila de Piranhas em fins de 1879 ou início de 1880, indo trabalhar na construção da ferrovia. Trabalhava no primeiro trecho com 28 km de extensão entre Piranhas e Olho D'Água, todo ele em território alagoano quando em 17 de julho de 1880 no local chamado passagem do Cipó[vii], entre as onze horas e o meio-dia, deu-se o terrível acidente que deixou um saldo de 13 vítimas fatais, 2 feridas em estado grave e 5 contusas. Uma das pessoas feridas em estado grave foi o major João Marinho de Novaes e Mello, que fraturou uma perna pela coxa e recebeu outras contusões; faleceria pouco tempo depois, em 1º de maio de 1883. Entre os mortos estavam seu irmão o Dr. Antônio Ferreira de Novaes e Mello[viii], o comerciante pernambucano Maturino Barrozo de Mello e 11 trabalhadores, dentre estes, Manoel com apenas 33 anos de idade.[ix]


Pesquisa: Billy Magno, 2018
Passagem do Cipó -- local do acidente, em 1880. (Foto: Ignácio Mendo)


Após o ocorrido, sua viúva Maria Constância fixa residência em Pão de Açúcar. Chega em 1882[3], com os quatro filhos: Maria Emília (de 11 anos), Joaquim (5), Abílio (3) e Manoel com apenas 2 anos de idade[4]. Na nova cidade, para prover o sustento da família, trabalha arduamente como costureira.

Órfão de pai com apenas 1 ano, aos 11 também perderia a mãe. Maria Constância faleceria aos 45 anos em 13 de outubro de 1890. Foi declarante do óbito sua filha Maria Emília que, aos 19 anos, ainda não era alfabetizada (assim como os outros) e por isso não pôde assinar a certidão – assinou-a Francisco Antônio de Amorim.


Pesquisa: Billy Magno, 2018
Pão de Açúcar em 1888: Rua da Frente, atual Avenida Ferreira de Novaes. (Foto:  Adolpho Lindemann)


A partir desse momento supõe-se que a responsabilidade de cuidar dos menores recaiu sobre Maria Emília. Não é difícil imaginar toda a sorte de dificuldades que passariam os quatro, pelo menos por um período, e isso marcaria Abílio tão profundamente que ele praticamente não abordava o assunto, como se quisesse abafar esse início complicado de sua passagem por este mundo, mas que influenciaria para sempre a sua postura e conduta perante a vida.

Quis a sorte que numa curva da sua estrada o seu destino cruzasse com o de uma figura que tudo indica seria determinante na sua formação como homem e artista: José Emiliano de Souza[x] era um homem ligado a área jurídica, maestro e professor de primeiras letras na Pão de Açúcar da última década do século XIX e foi talvez o primeiro a perceber e incentivar o seu talento tornando-se mais que um tutor, praticamente um pai, responsável por alfabetizá-lo (já adolescente) e desenvolver sua aptidão musical, lhe ensinando os segredos da arte de Carlos Gomes (1836-1896), como conclui esta pesquisa. Passado esse período preparatório, surge Abílio aos 21 anos como músico na banda de música regida pelo maestro José Emiliano e mantida pelo Sr. Lucas Evangelista da Silva (nascido em 1852), a qual fora abrilhantar o assentamento do cruzeiro de madeira no morro do cavalete em 1º de janeiro de 1900 pela passagem do século. Não é possível determinar qual instrumento ele tocava nessa banda, mas há indícios de que fosse executante de bombardino.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
A banda de música da Sociedade União e Perseverança recepciona o governador Euclides Malta 
na sua visita a Pão de Açúcar em 30/07/1907. (Acervo Etevaldo Amorim)


Novas evidências sobre sua trajetória musical surgem no ano de 1910 quando é citado pelo jornal A Ideia já como maestro da banda de música da Sociedade União e Perseverança (SUP)[xi] por ocasião da visita do maestro José Emiliano, então radicado em Piranhas, “chamado a funcionar na 6ª noite da brilhante festividade do S.S. Coração de Jesus, cuja noite estava no encargo do corpo commercial desta cidade” – conforme carta datada de 8 de junho de 1910. Entre os vários agradecimentos do maestro, um é especialmente destinado à “destinta corporação musical regida pelo hábil maestro Abílio Mendonça” (A IDEIA, nº 31/1910).


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Maestro José Emiliano de Souza (à esquerda) e Abílio na banda regida pelo J. Emiliano em 1900.


Em 15 de abril de 1911 regeu o primeiro concerto da Euterpe de Pão de Açúcar, com instrumentos adquiridos em Recife, em cerimônia realizada no Politheama J. M. Goulart de Andrade[xii], onde discursaram Bráulio Cavalcante (1887-1912) e o promotor público Dr. Luiz Medeiros, “que em vibrantes palavras fez a apologia da música” (A IDEIA, nº 70/1911). Esta banda de música, que pertenceu ao velho teatro Politheama, ao que tudo indica teve vida efêmera, porém menos que a permanência de Abílio como seu regente, já que em setembro ele transferiu sua residência para a vila de Sant’Anna (atual cidade de Santana do Ipanema), a fim de reger uma banda de música naquela localidade (A IDEIA, nº 91/1911).

Não se sabe o que ocorreu, mas de volta a Pão de Açúcar um mês depois, em 18 de outubro, alegando motivo de força maior como justificativa, escreve uma carta endereçada aos santanenses publicada no dia 22 pelo jornal A Ideia na coluna chamada Ineditoriaes:


“Abilio Mendonça e Carolina Maciel Mendonça[5] tendo se retirado, por motivo de força maior do vosso centro social vem de longe agradecer a maneira cavalheirosa como os acolhestes, o beneficios e carinhos que lhes prodigalisastes, fazendo penhora das mais innolvidaveis, o da sua mais sincera amisade”. (A IDEIA, nº 97/1911)

 Parece ser desse período ou pouco depois a alcunha de “Mestre”, que carregaria até o fim da vida.

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Banda de música da Sociedade União e Perseverança sob a regência do maestro Abílio Mendonça,
 em Belo Monte (atual município de Batalha ), 8 set.1919. (Acervo Antônio Melo Barbosa)


Apesar de ter sido nos primeiros tempos músico de banda de música, compositor de peças para tal formação e eventualmente professor e maestro entre a primeira e quarta década do século XX, Mestre Abílio hoje é mais lembrado e admirado pela sua bela voz de tenor que, segundo seu filho, o escritor Aldemar de Mendonça[xiii], “educada em conservatório teria a consagração de um cantor de fama nacional”, além do violão, que executava com maestria, sendo na opinião do lendário violonista Adail Simas (1912-1995)[xiv] – ele que era filho do clarinetista e maestro Álvaro Pereira Simas (1881-1961), amigo e contemporâneo de Mestre Abílio na banda ainda no início do século XX – o maior violonista que conhecera depois de Manoel Bezerra Lima, o genial Nezinho Cego (1883-1945)[xv].  Assim, ele participou a partir de 1919 de uma reunião de músicos que culminou na formação do conjunto chamado A Batuta, ainda existente em 1926. Deste conjunto fizeram parte o maestro Manoel Victorino Filho (o Mestre Nozinho, 1895-1960) e seu irmão Américo Castro (1903-1967) – violinos, o clarinetista José Bento Lima (1899-1965)[xvi] e os violões de Josué Duarte de Albuquerque (1893-1975)[xvii], do poeta José Mendes Guimarães (1899-1968)[xviii], de Elpídio Fonseca, Antônio Marsiglia (1894-1927)[xix], o ganzá de Álvaro Melo (1891-1963) e a voz de Darcy Gomes da Silva (1907-1941), entre outros, como o na época trombonista José Castro Barbosa (conhecido por Duda)[xx], que não está no registro fotográfico do conjunto feito em 20 de junho de 1922 mas é citado pelo escritor Gervásio Francisco dos Santos (1916-1981) em seu livro Um lugar no passado.

Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Conjunto musical A Batuta, em 20 de junho de 1922. (Acervo Antônio Melo Barbosa)

Gervásio menciona também uma República (residência coletiva) formada por “jovens que trabalhavam no comércio e que representavam a elite de então. O prédio que marcou época como República, tornando-se um símbolo de Pão de Açúcar, foi um pequeno sobrado de parede amarela, portas e janelas verdes, que existia na Rua Ferreira de Novais, que era mais conhecido como sobradinho da Rua da Frente”. E continua em outro trecho: “Os dias de maior frequência eram os domingos por ser o dia em que todos estavam de folga, além disso o ambiente constituía um ótimo passatempo, não só pelas palestras agradáveis, como pelas execuções dos chorinhos brejeiros do Conjunto Batuta, complementadas pela voz do tenor e seresteiro Abílio de Carvalho Mendonça”.

Entre os que lá residiam, estavam Carlos Serafim dos Anjos  (1905-1994) — que seria prefeito entre 1948 e 1950 —, José Gonçalves de Andrade Filho (Nozinho Andrade, 1910-1997), José Tavares Filho (Zuza Tavares), João Marques de Albuquerque, Manoel Pastor da Veiga Filho (Nequito, 1904-1969), Mário Soares Vieira, João Pires de Carvalho (1906-1963) e Darcy Gomes, estes dois, colegas do maestro no referido conjunto musical.

Não poderia ele, boêmio como era, deixar de comparecer aos festejos de Momo, tomando parte no bloco carnavalesco Filhos da Candinha, onde estavam quase todos os seus companheiros que faziam parte da Batuta: Mestre Nozinho, Zequinha Guimarães, João Pires de Carvalho, Mathias Pires de Carvalho (1902-1931), Josué Duarte e Darcy Gomes e ainda outros representantes da elite da sociedade local: Odilon Pires de Carvalho (1901-1961), João Damasceno Lisboa (1900-1990)[xxi], Otaviano Oliveira (1908-1993), João Damasceno Souza (João Barateiro), Augusto de Freitas Machado (1895-1987)[xxii], Antônio de Freitas Machado (1895-1970)[xxiii], Gervásio Francisco dos Santos, Lauro Marques de Albuquerque[xxiv], João Marques de Albuquerque, Júlio de Freitas Machado[xxv], Afonso Lisboa, Francisco Ferreira (Mestre Chico)[xxvi], Mario Soares Vieira[xxvii], entre tantos, além de seus filhos Agenor e Dema (como era chamado Aldemar).

Mestre Abílio ainda retornaria a Santana do Ipanema (agora uma cidade) quando em meados de 1935 por iniciativa de Nicodemos Nobre os músicos remanescentes das duas antigas bandas de música Aratanha (1918-1924) e Carapeba (1914-1926) se reuniram sob sua regência para formarem a banda de música Santa Cecília. Como ele não esquentava lugar, logo esta banda passou a ser dirigida por Miguel Rodrigues Bulhões (1903-1995) –  um dos músicos fundadores da Aratanha, que por sua vez em 1940 passou a batuta para o lendário José Ricardo Sobrinho[xxviii] (1919-1947), que a dirigiu até 1943 – com a volta de Abílio para Neópolis, cidade sergipana, talvez vindo daí a amizade com Sabino Romariz (1873-1913) dada a proximidade de Neópolis com Penedo em Alagoas, terra do poeta ou porque este também andara por Pão de Açúcar em 1910.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
O poeta Sabino Romariz, em 1910.
(Foto: Revista O Malho Nº 418, 17 set. 1910)


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
      Cel. Antônio Rodrigues de Souza, o primogênito.
(Acervo Lygia Maciel Mendonça)


Como todo boêmio que se preza, viveu sempre envolto às mulheres, deixando vários filhos. Do seu breve relacionamento com Cecília Maria de Souza nasceu seu primeiro filho: Antônio Rodrigues de Souza (1902-1965), coronel da Polícia Militar da Bahia. Do seu casamento em 30 de maio de 1903 com América Maciel Mendonça (nascida em 13 de abril de 1884), a quem chamava carinhosamente de Sinhazinha nasceram 24 e desses criaram-se 9: Agenor de Carvalho Mendonça (1906-1987), Ancila Maciel Brabo (1909-1947), Aldemar de Mendonça (1911-1983), Fernando Maciel Mendonça (1913-1974), Elisa Maciel Tavares (1914-1975), Alayde Pires de Carvalho (Lalá, 1916-2014 – que depois do desquite passou a assinar Maciel de Carvalho), Durval Maciel Mendonça (Vavá, 1918-1988), Maria Amélia Maciel Mendonça (1923-2001) e Alano Maciel Mendonça (1928-1945); e com Adalgiza dos Santos Borges nasceram Maria de Lourdes dos Santos Mendonça (1941-2005), Neide dos Santos Mendonça (1943-2014), Ary Santos Mendonça (1948-2016)[xxix] e a última de todos os filhos: Graciene Ancila Mendonça Porto, a única que está viva e atualmente se divide entre a cidade de Propriá, no vizinho estado de Sergipe e a capital Aracaju. Vê-se no nome da última filha uma singela homenagem prestada por Mestre Abílio a sua primeira filha – Ancila, nascida a 2 de fevereiro de 1909 – havia falecido em 4 de junho de 1947 com apenas 38 anos deixando o marido, o militar (e primeiro instrutor do Tiro de Guerra nº 656vinte anos antes) José Ferreira Brabo e os três filhos: Waldeck e os gêmeos José Ney e Maria Lúcia, que na ocasião tinham pouco mais de dois anos (nasceram em janeiro de 1945).


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
A família Maciel Mendonça, em 1946 -- 1ª fila da esq. para dir.: Dema, Fernando é o 3º seguido por Vavá e Ancila,
Maria Amélia é a 7ª, Sinhasinha é a 6º da segunda fila. (Acervo Lygia Maciel Mendonça)


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Agenor (anos 50), Elisa (anos 70) e Alayde "Lalá" (anos 90). 


Por um breve período, provavelmente entre meados e fim dos anos 1950, acompanhado da nova família que formou com Adalgiza, passa a residir em Propriá, cidade próxima a Neópolis onde havia ele regido a banda de música muitos anos atrás. Não deu certo. Com mais de 70 anos, o velho Abílio já não tinha mais condições de cuidar da família e decidiu voltar à Pão de Açúcar, sozinho. Adalgiza ficara e anos depois partiria para o Rio de Janeiro onde viveria com os filhos durante alguns anos, regressando à Propriá definitivamente, onde faleceu em meados dos anos 1980 (possivelmente 1987).


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Adalgiza (3ª companheira de Mestre Abílio Mendonça) e seus filhos Maria, Neide, Ary e Graciene.


Avesso ao convívio familiar, não dava importância aos que lhe censuravam o comportamento distante, bastando-lhe apenas a cumplicidade dos que, assim como ele, encontravam satisfação nas madrugadas.

Apesar do modo como viveu, para o também maestro Petrúcio Ramos de Souza[xxx], que o conheceu quando era adolescente, Mestre Abílio foi antes de tudo um romântico.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Marcus Vinícius nos anos 60. (Acervo Billy Magno)


Seu temperamento, em parte, foi herdado pelo neto Marcus Vinícius[xxxi], que além da boemia, herdou a bela voz, o violão e o gosto pela poesia. Num de seus poemas, intitulado Pão de Açúcar, Marcus, que como literato assinava Ícaro, homenageia vultos históricos de elevada importância para a cultura pão-de-açucarense tais como poetas, escritores, músicos e artistas plásticos.

 


PÃO DE AÇÚCAR

Por Marcus Vinícius Maciel Mendonça (Ícaro)


Meu mundo bom
De mandacarus
E Xique-xiques;
Minha distante carícia
Onde o São Francisco
Provoca sempre
Uma mensagem de saudade.

Jaciobá,
De Manoel Rego, a exponência;
De Bráulio Cavalcante, o mártir;
De Nezinho (o Cego), a música.

Jaciobá,
Da poesia romântica
De Vinícius Ligianus;
Da parnasiana de Bem Gum.

Jaciobá,
Das regências dos maestros
Abílio e Nozinho.

Pão de Açúcar,
Vejo o exagero do violão
De Adail Simas;
Vejo acordes tão belos
De Paulo Alves e Zequinha.
O cavaquinho harmonioso
De João de Santa,
Que beleza!
O pandeiro inquieto
De Zé Negão
Naquele ritmo de extasiar;
Saudade infinita
De Agobar Feitosa
(não é bom lembrar...)

Pão de Açúcar
Dos emigrantes
Roberto Alvim,
Eraldo Lacet,
Zé Amaral...
Verdadeiros jaciobenses.
E mais:
As peixadas de Evenus Luz,
Aquele que tem a “estrela”
Sem conhecê-la.

Pão de Açúcar
Dos que saíram:
Zaluar Santana,
Américo Castro,
Darras Nóia,
Manoel Passinha.

Pão de Açúcar
Dos que ficaram:
Luizinho Machado
(a educação personificada)
E João Lisboa
(do Cristo Redentor)
A grandiosa joia.

Pão de Açúcar,
Meu mundo distante
De Cáctus
E águas santas.

______________

Publicado no livro Pão de Açúcar, cem anos de poesia (1999).

*

Foi numa noite enluarada, como tantas que amou, que o romântico seresteiro partiu. Era 30 de dezembro de 1963 quando às 21:00 horas, em sua residência na rua Professora Rosália Sampaio Bezerra em Pão de Açúcar, despediu-se deste mundo aos 84 anos de idade sem deixar riqueza material. Sinhazinha, com quem fora casado por cerca de 30 anos entre idas e vindas havia partido pouco antes em 5 de outubro e ele, por uma dessas coincidências da vida, nasceu e morreu numa segunda-feira.


Pesquisa: Billy Magno, 2018.
Adherbal de Arecippo
(Acervo Etevaldo Amorim)


Segundo Adherbal de Arecippo[xxxii], que o conheceu e foi seu aluno de música quando vivia em Pão de Açúcar, Mestre Abílio também era um artista na confecção de calçados para homens e mulheres, “Dos mais lindos, dos mais aprimorados” nas suas próprias palavras. Este ofício era o seu ganha-pão[xxxiii], assim como foi a função de secretário municipal que exerceria na administração do prefeito (e clarinetista nas horas vagas) João Damasceno Souza (João Barateiro), entre 1923 e 1925, e deixaria devido a pífia remuneração, razão pela qual retornaria à antiga profissão de sapateiro, pois na época e ainda hoje no Brasil o artista muitas vezes se vê obrigado a ter uma segunda forma de ganho para sobreviver (e nisso, como em muitas outras coisas também não evoluímos).

O próprio Adherbal o relembrou numa crônica para o Jornal de Alagoas publicada em 24 de julho de 1974 onde escreveu: “Viveu cantando, sempre cantando. E sem crimes nem pecados, sem ambições nem egoísmo, sem inveja nem ciúmes, deve ele ter entrado no céu a solfejar: Eu tenho uma estrela radiante de artista e nem por impérios tal estrela eu dou.”[xxxiv]

Estes versos são a sua melhor definição.

 

 São Paulo, março de 2019[6]

  

  


[1] Os outros eram Maria Emília (n. 1871), Joaquim Ignácio (n. 1877) e Manoel Ignácio (n. 1880).

[2] Abílio Ignácio de Carvalho Mendonça é o nome encontrado na certidão de óbito de sua mãe em 1890. Não se sabe quando ele deixou de assinar o Ignácio, mas documentos encontrados recentemente dão conta de que não mais se assinava assim já em 1902.

[3] Segundo Aldemar de Mendonça. Porém, é provável que tenha mudado para Pão de Açúcar ainda em 1880.

[4] Maria Emília de Carvalho Mendonça e Joaquim Ignácio de Carvalho Mendonça nasceram em Pernambuco, provavelmente também em Floresta do Navio, assim como Abílio, enquanto Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça, registrado com o mesmo nome do pai, nasceu na vila de Piranhas-AL, provavelmente em março ou abril de 1880. Mané Medonho, como ficou conhecido, de medonho não tinha nada; ao contrário disso, era um rapaz considerado bonito, segundo sua sobrinha-neta Lygia Maciel Mendonça (n. 1944), filha de Aldemar de Mendonça. Era soldado de polícia quando se casou com Maria da Glória Maranduba (nascida em 1881) em Pão de Açúcar-AL na tarde de 27/07/1901. Em 15/08/1903 nasceria sua filha Adalgiza, falecida com dois meses e dez dias. Algum tempo depois mudou-se para Traipu-AL, onde fixou residência. Não há registro sobre Maria Emília e Joaquim Ignácio após 1890; supõe-se que haviam deixado Pão de Açúcar.

[5] Cremos tratar-se de um engano do redator pois sua esposa chamava-se América (Sinhazinha) e ele não teve nenhuma filha com o nome de Carolina.

[6] À luz de novas evidências, este texto foi revisto e atualizado em abril de 2021. (N. do E.)



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: <http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php>) 

[ii] Também conhecido por Capitão CaçulaCanção do Soldado e Canção do Exército, foi composto em 1909 pelo músico militar pernambucano Euclides da Costa Maranhão em homenagem ao capitão Cassulo de Melo. A maioria das fontes e gravações atribuem a autoria desse dobrado ao compositor paraense Theóphilo Dolor Monteiro de Magalhães (1885-1968) que afirmava tê-lo composto em 1911 sem, no entanto, jamais ter apresentado documentos comprobatórios. Com a descoberta em Recife da partitura original escrita de próprio punho pelo autor, além da publicação de um artigo em maio de 1949 na Revista do Clube Militar sob o título Erro Legislativo pelo autor dos versos da conhecida Canção do Soldado, o curitibano Alberto Augusto Martins (que os escreveu por volta de 1915), é que se esclareceu a polêmica e se chegou a verdadeira autoria desse famoso dobrado. (Fonte: Jornal de Poesia. Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/rricupero2.html> Acesso em: 13 de março de 2019. 

[iii] Forte do Baixo é uma melodia solo associada aos instrumentos de timbres graves (baixos, trombones e bombardinos). Este solo, vibrante, grave e fortíssimo (...) é acompanhado por todos os instrumentos de percussão, com forte marcação dos bombos e dos pratos, e pela harmonia executada pelas trompas, trompetes, flautas e clarinetes. [Fonte: http://bandasinfonicaufmg.blogspot.com/2011/04/o-dobrado-breve-estudo-de-um-genero.html] 

[iv] Batidas por minuto (bpm) é uma velocidade rítmica usada para medição do andamento musical. O BPM de uma música pode ser identificado com o auxílio de um metrônomo. 

[v] Os outros irmãos eram Humberto (1924-2002), Edir (1925-1995), Lucy (1926-2002) e Gilda (1927-1960). Todos tiveram instrução musical. Humberto estudou violino enquanto Edir, Gilda e Lucy foram excelentes copistas.

 [vi] Tal como o maestro Racine Bezerra Lima (Pão de Açúcar AL, 19-03-1926 – Salvador BA, 05-08-2018), aluno de Mestre Nozinho, testemunha ocular de muitos fatos sobre a banda de música e seus personagens e que, como o diz o seu sobrenome, era parente do violonista Manoelito Bezerra Lima (o Nezinho Cego, 1883-1945) e também do maestro e professor Emídio Bezerra Lima, sendo talvez a última pessoa que pudesse esclarecer e desvendar sua história. 

[vii] A passagem do Cipó aparece numa carta datada de 21/07/1880 publicada na seção Correspondência, do Jornal do Penedo, assinada por um certo Fontenelle, correspondente do jornal na cidade de Pão de Açúcar. Já o Correio Paulistano e o Jornal de Recife, que repercutiram o artigo publicado originalmente em 18/07/1880 no pequeno periódico A Locomotiva, da cidade de Piranhas, referem-se a um lugar denominado Nova Olinda, distante 5 km de Piranhas. 

[viii] Nasceu em Pão de Açúcar 05/12/1856, filho do Major João Machado de Novaes e Mello (1820-1892) e de D. Maria José Leite Sampaio. Aos 23 anos, já era Deputado Provincial em Alagoas, integrando as hostes do Partido Liberal. Seu pai, que em 05/10/1889 foi agraciado com o título de Barão de Piaçabuçu, era destacado líder do Partido Liberal e chefe político daquela Região. Ao morrer era promotor público da comarca de Capivari, na província de São Paulo. Em 24/07/1880 na igreja da Sé em São Paulo as 8:00 h, a mando do também alagoano José Francisco Soares, uma missa foi celebrada em sufrágio da sua alma.

 [ix] O acidente teve repercussão nacional. Jornais nos mais diferentes pontos do país a exemplo do Correio Paulistano e Jornal da Tarde, de São Paulo (SP), Gazeta da Tarde, do Rio de Janeiro (RJ), Gazeta do Norte, de Fortaleza (CE), Jornal do Recife (PE), O Iniciador, de Corumbá (MT) e do Baependyano, de Baependi (MG) repercutia os artigos produzidos pelos alagoanos Jornal do Penedo e A Locomotiva – este da cidade de Piranhas além dos inúmeros telegramas enviados às autoridades a partir de Maceió. Divulgou-se inicialmente 30 e depois 35 vítimas, somente depois se conheceria o número real.  O maquinista alemão, responsabilizado pelo desastre foi imediatamente detido para averiguações. Dias depois, o presidente da província recomendou ao juiz de direito da comarca de Pão de Açúcar Dr. Jovino Antero, que procedesse inquérito sobre o desastre e nomeou uma comissão composta por Theophilo Fernandes dos Santos, tenente-coronel Agapito de Lemos Medeiros e o engenheiro mecânico Eduardo Lima, todos residentes em Penedo.

[x] JOSÉ EMILIANO DE SOUZA (Pão de Açúcar - AL, 1858 - ?) ― Professor, juiz de paz e músico (regente e compositor). Filho de Antônio Bernardes de Souza e Izabel Maria de Jesus Souza, casou-se em 18 de agosto de 1894 com Emília do Amaral Canuto (n. 1867), natural de Lagoa Funda (PE). Tiveram dois filhos: Izabel (n. 1892) e José (1899-1901). Pertenceu ao conselho municipal na gestão do intendente Serafim Soares Pinto (1858-1943), o qual foi testemunha de seu casamento. Foi juiz de paz em Palmeira dos Índios (1895) e suplente de juiz substituto em Água Branca (1916). Tinha um irmão, também professor de música em 1880, chamado Joaquim. Radicado em Piranhas, provavelmente a partir de 1903, foi professor de ensino primário e mestre de banda também nesse município.

[xi] Inexistem maiores informações sobre esta sociedade e sua banda de música tais como ano de fundação ou extinção, mas evidências deixadas nas partituras dão conta que ela já existia em 1905 e seguia existindo em 1919 quando é citada pela última vez. Outras informações citam os maestros Livino Paiva Mazoni (1905), Abílio Mendonça (1910) e Emídio Bezerra Lima (1915) se alternando na regência bem como os músicos Antônio Francisco dos Santos (nascido em 1892, alcançaria o posto de maestro da banda de música da PM no Rio de Janeiro em 1918 e mesmo aposentado continuava a compor em 1970) ao bombardino em 1905, Manoel Victorino Filho que dela fazia parte em 1911 como pistonista e é apontado como maestro em 1917, Manoel Ferreira (2º clarinetista) e Lourival Simas (1889-1969), tubista, atuantes em 1915 e Américo Castro Barbosa que constava como executante de requinta em 1919.

 [xii] Inaugurado em 09/10/1910, seu nome era uma homenagem ao engenheiro, geógrafo, jornalista, poeta, cronista, romancista e teatrólogo José Maria Goulart de Andrade (1881-1936). Tinha lotação de 500 lugares (apenas 200 foram ocupados na inauguração) e teve Bráulio Cavalcante como primeiro diretor artístico. Situava-se na rua Aurora (atual rua Antônio de Freitas Machado) nº 130, onde hoje estão as ruínas do Cine Palace (que funcionou até 1992).

 [xiii] Nascido em 21/05/1911, também cantava, tocava violão e fazia versos. Aos 15 anos em 1926 chega a Santos-SP levado pelo tio Segismundo Maciel (1889-1951) que lá chegara em 1910 e se dedicava a fotografia e a pintura. Não resistindo a saudade, regressa à terra natal e toma parte no Tiro de Guerra nº 656 mesmo sem “apreciar a farda” como ele mesmo dizia. Foi por muitos anos agente do IBGE em Pão de Açúcar e a partir de dezembro de 1955 em Maceió, depois retornou a Pão de Açúcar como conta sua filha Lygia: “Ele achava ruim cumprir horário e usar gravata e em Pão de Açúcar era mais informal. Ficou vindo (à Maceió) todo mês e Mocinha (sua esposa) ia (a Pão de Açúcar) de vez em quando e isso durou um bom tempo”. O fato de trabalhar no IBGE (onde se aposentou) lhe facilitou o trabalho de intensa pesquisa que desenvolveu a partir de 1944 sobre a origem e formação da Terra de Jaciobá e seus personagens, inclusive com valiosas informações sobre solo, fauna e flora que culminaria no lançamento 30 anos depois do livro Pão de Açúcar - História e Efemérides e a sua continuação com a Monografia de Pão de Açúcar, concluída em 1975. Com a morte de seu filho Marcus Vinícius em 1976 o lançamento foi prorrogado e feita nova revisão para o lançamento em 1977 que não ocorreu. Dema faleceu aos 71 anos numa terça-feira de carnaval 15/02/1983 vítima de diabetes.  A sua monografia só seria publicada postumamente em 2010 por iniciativa de Lygia, que bancou a prensagem e do escritor Etevaldo Amorim (nascido em 1957) que em 2004 também reeditou “Pão de Açúcar - História e Efemérides”. Graças ao seu trabalho pioneiro, hoje nos é possível saber sobre nossas origens, numa contribuição cultural importantíssima e de valor incalculável.

[xiv] Em depoimento a Flavio Almeida registrado em vídeo em 1992. 

[xv] Por vezes creditado como Manoelito Bezerra Lima (assim virou nome de rua em Pão de Açúcar), Manoel Lima ou Manoel de Lima – este último nome mais comum nos jornais e nos Turunas da Mauricéia, onde tomaram parte, dentre outros, o cantor Augusto Calheiros (1891-1956), alagoano nascido em Murici, e o pernambucano virtuose do bandolim Luperce Miranda (1905-1977). 

[xvi] Filho de Roza Izabel de Lima e pai ignorado, José Bento Lima, mais conhecido por Bentinho, nasceu em 1899 em local incerto. Algumas fontes se referem a ele como sendo baiano, enquanto outras afirmam que nasceu em Pão de Açúcar-AL. Sua esposa era Maria da Soledade Ribeiro Lima (1903-1970). Em 01-03-1922, nasce em Pão de Açúcar sua primeira filha, Beatriz Lima da Silva (falecida em Porto Alegre/RS, em 28-04-2001), casada com Etelvino Vieira da Silva (Boquim/SE, 1922 – Canoas/RS, 2004). Parece que a partir de meados da década de 1920 dividiu seus afazeres entre os estados de Alagoas e Bahia pois, em 30-07-1927 nasce em Salvador a sua segunda filha, Miriam Ribeiro Lima, lá falecida em 11-03-2019. Bentinho, além de músico, foi funcionário público e comerciante, mantendo (em Pão de Açúcar) uma loja de tecidos na Rua Silva Maia, antigo Beco de “seu” Aprígio. Em meados dos anos 1930, passa a ministrar aulas de música em São Miguel dos Campos — município do leste alagoano —, concorrendo em 1939 para o aperfeiçoamento musical do futuro maestro Bráulio Pimentel (n. 1926). Na segunda metade dos anos 1950, está na cidade baiana de Paulo Afonso, onde compõe em 1957 a valsa Alma Dóris. Em 1958, visita Pão de Açúcar, reencontrando o maestro Manoel Victorino Filho pela última vez. Faleceu na capital baiana em 1965. Deixou algumas composições entre os gêneros valsa, dobrado, choro e marcha carnavalesca.

[xvii] Trabalhou durante anos como tabelião no cartório de registro civil de Pão de Açúcar até se aposentar, quando passou a função para sua filha Lúcia de Castro Duarte. 

[xviii]  Comerciante. Como poeta se assinava Bem Gun. Teve algumas de suas poesias editadas no livro Pão de Açúcar-Cem anos de poesia, coletânea de poemas pão-de-açucarenses organizada por Etevaldo Amorim em 1999. 

[xix]  Faleceu de moléstia cardíaca. Dado ao humorismo, conta Aldemar de Mendonça que "quando lhe punham a vela na mão, sentindo os estertores da morte, coerente à vida que levava, solfejou ainda as primeiras notas do hino nacional".

 [xx] Nasceu em 9 de outubro de 1901 e era irmão do maestro Manoel Victorino Filho (Mestre Nozinho), de Geny Castro Barbosa e de Américo de Castro Barbosa. Executava o trombone e assim como seus irmãos o violino. Por motivos políticos deixa Pão de Açúcar em 1921 indo viver no Rio de Janeiro. Como músico percorreu a Europa liderando orquestras em navios transatlânticos. Em 1945 formou -se em direito abandonando a profissão de músico e passando a exercer a advocacia até falecer em 18-06-1969.

 [xxi] Conhecido como Joãozinho de Sia Marica ou Joãozinho retratista, foi uma espécie de Leonardo Da Vinci sertanejo, pois dominava a arte em suas várias formas, tais como pintura, escultura, fotografia e música, além de ser um pioneiro do cinema em Pão de Açúcar ao abrir em 1933 o cinema São José (que funcionava na esquina da Rua Aurora – hoje Antônio de Freitas Machado – com a Rua Silva Maia) em sociedade com Antônio da Silva Pereira. 

[xxii]  De tradicional família pão-de-açucarense, iniciou-se na vida política em 1932 como prefeito de Pão de Açúcar, cargo que exerceria ainda mais três vezes até 1977. Foi ainda deputado em três legislaturas e ministro do tribunal de contas de Alagoas. 

[xxiii] Industrial e farmacêutico, é hoje mais lembrado como educador, jornalista e poeta sob o pseudônimo Vinícius Ligianus. Era primo de Augusto Machado. 

[xxiv] Nascido em 25/07/1905, não é sabida a data de seu falecimento. Poeta primoroso, usava o pseudônimo João Villa-Baixa e posteriormente Décio Nestal. 

[xxv] Nasceu em 1896. Em 27/06/1918 casa-se com Tercilia de Freitas Machado (1897-1961). Pioneiro do futebol em Pão de Açúcar sendo o primeiro presidente do Ypiranga Sport Club em 1930. Era irmão de Augusto Machado e primo de Antônio de Freitas Machado. 

[xxvi] Músico clarinetista, foi aluno de Mestre Nozinho integrando a banda de música em 1927 como executante de requinta. Fez parte do Tiro de Guerra nº 656 e anos depois serviu como músico e maestro a Força Aérea Brasileira (FAB) na Base Aérea do Galeão no Rio de janeiro onde faleceu. 

[xxvii] Ferido por um tiro disparado por um soldado da PM em 25/01/1936 na vila Alecrim, faleceria dois dias depois. 

[xxviii] Nascido em Santana do Ipanema, foi um dos alunos de Miguel Bulhões e seu sucessor na regência da banda de música Santa Cecília. Em 1947, quando animava um baile de carnaval na cidade alagoana de São Miguel dos Campos foi, junto com seus músicos, vítima de envenenamento por adversários do prefeito que o contratara. Faleceu na cidade natal dois meses depois contando apenas 28 anos de idade. 

[xxix] Ary Mendonça como se tornou conhecido nasceu em Pão de Açúcar-AL em 30/06/1948. Também herdou o talento musical do pai e aprendeu com ele as primeiras notas musicais chegando a tocar trompa na banda de música, passando depois para o trompete até decidir-se pelo violão, instrumento muito identificado com o velho Abílio. Com a morte do pai em 1963, mudou-se com a família para a cidade de Propriá no vizinho estado de Sergipe e depois para o Rio de Janeiro, onde revelou-se compositor participando em 1968 do festival “O Brasil canta no Rio”, considerado o primeiro festival nacional de MPB com produção e transmissão da TV Excelsior com a música “Aparecida”, defendida por Carminha Mascarenhas e uma das dez classificadas, tendo sido gravada também na Europa. Em 1970, no V Festival Internacional da Canção (FIC), transmitido pela Rede Globo de Televisão, teve a composição “Anonimato” selecionada, porém, não pôde defendê-la por estar viajando. Em 1974 compôs “O russo da camisa seis” dedicada ao jogador Marinho que havia sido convocado pela seleção para a Copa do Mundo daquele ano. Em 1980 compôs “Salve o campeão brasileiro - Mengão”, aproveitando a boa campanha do Flamengo no Campeonato Brasileiro daquele ano, mesmo sendo Torcedor do Botafogo. Em 1982 participou da mostra “SEIS E MEIA LUBRAX” de música popular na categoria de compositores, concorrendo com nomes importantes do cenário musical como os cariocas Darcy da Serrinha e Darcy de Paulo, o paraibano Pedro Osmar e o também carioca Mario Adnet – hoje reconhecido por seu trabalho junto ao maestro Moacir Santos (1926-2006). Ary estudou harmonia superior no Instituto Villa Lobos no final dos anos 1970 e numa entrevista concedida ao Jornal dos Sports em 1980 revelou que pretendia estudar improvisação jazzística com o guitarrista Hélio Delmiro (nascido em 1947).  Após breve período no hospital faleceu em 09/03/2016. 

[xxx] Nasceu em Pão de Açúcar em 27/09/1946. Quinto de sete irmãos todos músicos, foi outro dos alunos de Mestre Nozinho, principiando na banda de música em 1954 como percussionista. Em 1956 era trompista passando em 1957 para o trompete, instrumento que adotou em caráter definitivo. Em 1965 na capital baiana, senta praça no 19º B.C. como clarinetista e em 1966 passa a integrar o quadro de músicos da banda de música da Base Aérea de Salvador, assumindo a regência em 1985, sucedendo o maestro Anacleto José de Souza (nascido em 1939), seu irmão. Passa à reserva remunerada em 1996 no posto de Tenente após destacada e brilhante atuação. Retornando à terra natal, inicia em 1999 a revitalização da Sociedade Musical Guarany com um trabalho primoroso que em pouco tempo renderá bons frutos, alçando a banda ao patamar de uma das melhores do estado de Alagoas, destacando-se pela disciplina, afinação e qualidade de repertório. Esse trabalho duraria até 2009, quando, alegando motivos pessoais decide se afastar da direção da Guarany. O maestro Petrúcio continua hoje em plena atividade musical à frente da sua Orquestra de Baile da Bahia e agora conduzindo a banda de música da PM baiana do mesmo tablado que um dia fora ocupado por seu irmão, o também trompetista José César Ramos de Souza (1949-2006). 

[xxxi] Marcus Vinícius Maciel Mendonça nasceu em Pão de Açúcar em 14/02/1937. Filho de Aldemar de Mendonça e Zelina Maciel Mendonça conhecida como Mocinha (1919-1999). Em 1949 transferiu-se para Maceió. Desenhista, jornalista, poeta e compositor, passou à posteridade como poeta, jornalista e cantor. Como desenhista em 1955, conquistou seu primeiro emprego no extinto Fomento Agrícola, órgão ligado ao Ministério da Agricultura. Como jornalista, escreveu nos jornais Diário de Alagoas (1959-1964) e Gazeta de Alagoas (1964-1970) como editor encarregado da coluna social (na época chamada de Sociedade). Foi um dos colunistas mais influentes de seu tempo e figura requisitada em eventos sociais, reuniões, festas e bailes nos melhores clubes da capital alagoana. Dona de bela voz e violão afinado, Teve como parceiros de boemia figuras do quilate de Setton Neto (1920-1994), Juvenal Lopes (1930-1999), Aldemar Paiva (1925-2014) e Nelson Almeida (1912-1982), entre tantos outros. Faleceu ainda jovem, vitimado por um câncer aos 39 anos, as onze horas da noite de 07/05/1976 em Maceió. Em 1981 seria homenageado com o frevo-canção Lembrança de Marcus Vinícius, composto por Claudio Jucá Santos (nascido em 1933) e gravado por Dydha Lyra (nascido em 1951). Num dos versos, uma emblemática descrição: “Dentro da noite escura, lembrava a figura do velho Noel“ (citando outro boêmio inveterado: Noel Rosa, nascido no Rio de Janeiro em 1910 e lá falecido em 1937, coincidentemente o ano de nascimento de Marcus). 

[xxxii] Nasceu em São José da Laje em 15/04/1904 e viveu em Pão de Açúcar entre 1910 e 1922, período em que seu pai, o Dr. Antônio Arecippo de Barros Teixeira, que também era músico (flautista), pontificou como juiz de direito. Formou-se em comércio em 1926 e direito em 1956. Escreveu em diversos jornais como: O Semeador, O Estado, A Província, Correio de Maceió, Diário de Maceió, Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas. Nesses dois manteve por muito tempo a coluna "Gente do meu tempo", onde relembrava personagens do período de sua infância e adolescência vividos na cidade. Faleceu em Maceió em 24/02/1994. 

[xxxiii] Antigamente e principalmente em cidades do interior, os músicos mantinham uma segunda profissão usada como meio de subsistência. As mais comuns entre a classe eram profissões humildes como as de alfaiate e sapateiro, tendo ainda em cidades ribeirinhas a opção pelo ofício de pescador. 

[xxxiv] Versos do poema Minha Estrela de Sabino Romariz.