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sábado, 2 de março de 2024

MARIA ROSA E O CENTENÁRIO DOS TROVADORES



ORIGENS

"A história é um campo de disputa onde diferentes grupos sociais lutam para impor sua própria versão do passado." - E. P. Thompson


Única partitura remanescente do bloco carnavalesco Os Trovadores, Maria Rosa tem autoria atribuída a Bianor Soares, conforme escreve Mestre Nemésio três dias depois do Carnaval de 1945, sexta-feira, 16 de fevereiro. É uma das catorze marchas ainda hoje cantadas pelo bloco que tem seu centenário comemorado este ano.

Não se tem certeza que essa composição tenha sido criada para Os Trovadores. Seria mais uma das várias marchas dos carnavais antigos incorporadas ao repertório. São poucas as exclusivas da folia piranhense. 

Juntam-se a ela mais treze marchas no repertório fixo: Bota-foraCabrocha baianaCarnaval é reiEra um notórioMarianaMorcegoNa praia do LemeQuem pode com eleSeu DiretorTerceiro anoTrovadoresVelho e Vira.

Nas cores verde, vermelho e branco, o bloco se compõe de cerca de 60 passistas, porta-estandarte e mestre-sala (diretor ou puxador de bloco), 5 tocadores (sanfoneiro, saxofonista, zabumbeiro, pandeirista e triangulista) com cavaquinhista eventual, mais 2 personagens cômicos: o velho e o morcego.

Tradicionalmente percorrem o centro histórico do Sábado de Aleluia à Terça-feira Gorda, pousando em casas de família ou comerciais que lhes oferecem bebidas típicas.

A origem do bloco é controversa e evidencia a disputa pelo protagonismo das famílias históricas.

Duas versões prevalecem sobre a constituição do bloco em 1924. A primeira dá conta que o filho mais velho do deputado coronel José Rodrigues de Lima, Antônio Rodrigues de Lima, trouxe para Piranhas a folia de Salvador, de onde copiou fantasia, enredo e alegoria. Ele estudava Medicina na capital baiana. Nas férias, viabilizou a folia.

Formado por vinte e três jovens da elite piranhense, como os Rodrigues de Lima e os Porfírio de Britto, esse bloco estrearia no domingo de Carnaval, 2 de março de 1924, partindo do Cabrobó, na entrada da cidade.

Ao mesmo tempo, outro bloco foi formado. Dessa vez, com populares, homens e mulheres, liderados pelo coletor estadual Manoel Silva. Eram As Borboletas. Aqui os jovens Zé Nego e Liquinha se destacavam.

No dia da apresentação, Os Trovadores desceram a ladeira do Cabrobó enquanto que As Borboletas subiam a partir do Canto.

No encontro dos blocos no recinto ferroviário houve confusão desenfreada, evidenciando mais do que a rivalidade comum de foliões, mas uma luta de classes, já que era a elite luxuosa e perfumada sendo desbancada na preferência popular por um rival periférico.

Resultado: os blocos deixaram de se apresentar por quarenta anos, só retornando na década de 1960, agora recriados sob a liderança de Zé Nego (Os Trovadores) e Mané Cego (As Borboletas), apresentando-se não mais no Carnaval anterior à Quaresma, mas no período da Páscoa, chamado Micareme (palavra de origem francesa que designa o carnaval fora de época).

Assim é o que descreve o primeiro estudioso¹ da folia piranhense em 1995, 71 anos depois da criação dos Trovadores.

Por outro lado, a família herdeira de Zé Nego, mantenedora do bloco, conta história totalmente diferente.

Segundo ela, o bloco teve origem pelos portuários e trabalhadores da ferrovia sob a liderança de Zé Nego, um cearense do Crato radicado em Piranhas. O Bloco As Borboletas seria uma dissidência daquele primeiro bloco, sendo criado três anos depois, em 1927, por Manoel Leandro dos Santos, o Mané Cego.

Ao contrário do que registra o pesquisador pioneiro, o bloco teria sido criado não para o Carnaval (pré Quaresma), mas para a Micareme (pós Semana Santa).

Independentemente da versão que se considere mais, são fatos:

  1. Antônio Rodrigues de Lima foi eleito mais tarde prefeito de Piranhas, e não consta que tenha se interessado em reorganizar o bloco após o primeiro ano;
  2. Historicamente, a Micareme, tal como a percebemos hoje, estabeleceu-se no Brasil na década de 1930 no estado da Bahia;
  3. O bloco piranhense guarda em seu figurino e formação semelhanças a outros folguedos;
  4. José Filgueira da Silva "Zé Nego" e Maria dos Santos "dona Liquinha" foram lideranças incontestes por décadas até as suas mortes. Sob eles, o bloco obteve status de patrimônio regional por aclamação popular;
  5. A família Filgueira da Silva até hoje organiza a folia, e criou em 5 de fevereiro de 2017 a Associação Bloco Carnavalesco Os Trovadores.


F. Ventura
Fev.2024


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¹BRITO, Luciano J. R. A Ordem e a Malandragem. [Trabalho na disciplina História Urbana, sob a orientação do Prof. Robert Moses Pechman, do Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro -- Novembro de 1995]. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.