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sexta-feira, 28 de março de 2025

ERA UM NOTÓRIO O CENTENÁRIO DAS BORBOLETAS


Era um notório que nós não saía
Nesses três dias de carnaval :||
A nossa fantasia é de admirar
Saímos nós para encabular
Eu quero é alegria
É alegria, meu pessoal
Saímos todos no passo
Que a vida só é boa
Quando chega o Carnaval


Marchinha surgida de uma controvérsia na folia piranhense, Era um notório integra o repertório tanto dos Trovadores (1924) quanto das Borboletas (1927). De autor desconhecido, expõe o dilema do bloco tradicional ao ter sua apresentação anual ameaçada.

Enquanto que nos Trovadores remanescem catorze marchas, nas Borboletas são apenas cinco, duas das quais compartilham com o bloco rival: Era um notório e Cabrocha Baiana. As demais são Borboletas somos nós, Tirolesa e Revestindo de saudade.

Quando, no início dos anos 2000, eu e o Maestro Cafau contatamos dona Julinha dos Santos  ̶ cunhada do fundador e diretora herdeira do bloco  ̶  para escrever as partituras, ela fez questão de destacar que as exclusivas eram poucas, que a maioria era do repertório comum dos antigos carnavais (de Recife, Salvador ou Rio de Janeiro), entre as décadas de 1930 e 1960.

Último porto do Baixo São Francisco para quem subia o rio, Piranhas acolhia os músicos em trânsito que atualizavam o repertório seresteiro e carnavalesco do sertão.

O Bloco As Borboletas foi fundado por Manoel Leandro dos Santos (1907-1982), o Mané Cego, antes parceiro de Zé Nego n'Os Trovadores.

Luciano Brito (1995), pesquisador da folia piranhense, registra que As Borboletas foi a contrapartida popular ao bloco da elite (Os Trovadores) nos anos 1920. No entanto, os herdeiros relatam sua origem como uma iniciativa limpa de controvérsias enquanto que o bloco rival chama-o de dissidência.

O fato é que o convívio pacífico da atualidade contrasta com as histórias dos embates públicos nas ruas estreitas do centro histórico.

A três semanas da Micareme Piranhense, que ocorre sempre no final da Quaresma, este ano de 19 a 22 de abril, atualmente importa menos a polêmica e mais a história de resistência que ambos os blocos compartilham heroicamente.

F. Ventura (2025)

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sábado, 2 de março de 2024

MARIA ROSA E O CENTENÁRIO DOS TROVADORES



ORIGENS

"A história é um campo de disputa onde diferentes grupos sociais lutam para impor sua própria versão do passado." - E. P. Thompson


Única partitura remanescente do bloco carnavalesco Os Trovadores, Maria Rosa tem autoria atribuída a Bianor Soares, conforme escreve Mestre Nemésio três dias depois do Carnaval de 1945, sexta-feira, 16 de fevereiro. É uma das catorze marchas ainda hoje cantadas pelo bloco que tem seu centenário comemorado este ano.

Não se tem certeza que essa composição tenha sido criada para Os Trovadores. Seria mais uma das várias marchas dos carnavais antigos incorporadas ao repertório. São poucas as exclusivas da folia piranhense. 

Juntam-se a ela mais treze marchas no repertório fixo: Bota-foraCabrocha baianaCarnaval é reiEra um notórioMarianaMorcegoNa praia do LemeQuem pode com eleSeu DiretorTerceiro anoTrovadoresVelho e Vira.

Nas cores verde, vermelho e branco, o bloco se compõe de cerca de 60 passistas, porta-estandarte e mestre-sala (diretor ou puxador de bloco), 5 tocadores (sanfoneiro, saxofonista, zabumbeiro, pandeirista e triangulista) com cavaquinhista eventual, mais 2 personagens cômicos: o velho e o morcego.

Tradicionalmente percorrem o centro histórico do Sábado de Aleluia à Terça-feira Gorda, pousando em casas de família ou comerciais que lhes oferecem bebidas típicas.

A origem do bloco é controversa e evidencia a disputa pelo protagonismo das famílias históricas.

Duas versões prevalecem sobre a constituição do bloco em 1924. A primeira dá conta que o filho mais velho do deputado coronel José Rodrigues de Lima, Antônio Rodrigues de Lima, trouxe para Piranhas a folia de Salvador, de onde copiou fantasia, enredo e alegoria. Ele estudava Medicina na capital baiana. Nas férias, viabilizou a folia.

Formado por vinte e três jovens da elite piranhense, como os Rodrigues de Lima e os Porfírio de Britto, esse bloco estrearia no domingo de Carnaval, 2 de março de 1924, partindo do Cabrobó, na entrada da cidade.

Ao mesmo tempo, outro bloco foi formado. Dessa vez, com populares, homens e mulheres, liderados pelo coletor estadual Manoel Silva. Eram As Borboletas. Aqui os jovens Zé Nego e Liquinha se destacavam.

No dia da apresentação, Os Trovadores desceram a ladeira do Cabrobó enquanto que As Borboletas subiam a partir do Canto.

No encontro dos blocos no recinto ferroviário houve confusão desenfreada, evidenciando mais do que a rivalidade comum de foliões, mas uma luta de classes, já que era a elite luxuosa e perfumada sendo desbancada na preferência popular por um rival periférico.

Resultado: os blocos deixaram de se apresentar por quarenta anos, só retornando na década de 1960, agora recriados sob a liderança de Zé Nego (Os Trovadores) e Mané Cego (As Borboletas), apresentando-se não mais no Carnaval anterior à Quaresma, mas no período da Páscoa, chamado Micareme (palavra de origem francesa que designa o carnaval fora de época).

Assim é o que descreve o primeiro estudioso¹ da folia piranhense em 1995, 71 anos depois da criação dos Trovadores.

Por outro lado, a família herdeira de Zé Nego, mantenedora do bloco, conta história totalmente diferente.

Segundo ela, o bloco teve origem pelos portuários e trabalhadores da ferrovia sob a liderança de Zé Nego, um cearense do Crato radicado em Piranhas. O Bloco As Borboletas seria uma dissidência daquele primeiro bloco, sendo criado três anos depois, em 1927, por Manoel Leandro dos Santos, o Mané Cego.

Ao contrário do que registra o pesquisador pioneiro, o bloco teria sido criado não para o Carnaval (pré Quaresma), mas para a Micareme (pós Semana Santa).

Independentemente da versão que se considere mais, são fatos:

  1. Antônio Rodrigues de Lima foi eleito mais tarde prefeito de Piranhas, e não consta que tenha se interessado em reorganizar o bloco após o primeiro ano;
  2. Historicamente, a Micareme, tal como a percebemos hoje, estabeleceu-se no Brasil na década de 1930 no estado da Bahia;
  3. O bloco piranhense guarda em seu figurino e formação semelhanças a outros folguedos;
  4. José Filgueira da Silva "Zé Nego" e Maria dos Santos "dona Liquinha" foram lideranças incontestes por décadas até as suas mortes. Sob eles, o bloco obteve status de patrimônio regional por aclamação popular;
  5. A família Filgueira da Silva até hoje organiza a folia, e criou em 5 de fevereiro de 2017 a Associação Bloco Carnavalesco Os Trovadores.


F. Ventura
Fev.2024


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¹BRITO, Luciano J. R. A Ordem e a Malandragem. [Trabalho na disciplina História Urbana, sob a orientação do Prof. Robert Moses Pechman, do Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro -- Novembro de 1995]. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.