segunda-feira, 25 de julho de 2016

GMAP (Grupo Musical Armorial de Piranhas) – Origens

Revisto e atualizado em 23/Jul/2019


Egildo Vieira e o GMAP

Maceió (2013)
Convidado para atuar como “coordenador de cultura” da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo da Cidade de Piranhas/AL no ano de 2009, Egildo Vieira, renomado músico piranhense, observou durante meses os integrantes da Filarmônica Mestre Elísio na intenção de encontrar entre eles potenciais talentos para a implantação de projetos musicais como, por exemplo, uma orquestra armorial.
Constituída essencialmente por instrumentos de corda, percussão e pífanos, essa orquestra armorial na cidade de Piranhas com músicos piranhenses seria para ele a realização de um sonho. Aliás, define sua música armorial como música nordestina com um tratamento erudito. Exemplos bem significativos deste conceito são as peças Dança da Noite, Romance e Galope e Lamento do São Francisco.
Como luthier, realizou oficinas de confecção artesanal (e iniciação musical à técnica) de pífanos em junho desse ano. Antes, como “agitador cultural”, viabilizou (com repertório próprio e os saxofones, trompetes, trombones e percussão da Filarmônica) a criação do bloco carnavalesco Cheiro de Saudade. Promovido pela Prefeitura Municipal, o Bloco Cheiro de Saudade fez vários ensaios públicos, tanto no bar A Fornalha quanto no CSEP (Clube Social e Esportivo Piranhense). A saída do Cheiro de Saudade foi no sábado de zé-pereira em 2009 e bisadas até 2012.
As oficinas de pífano, cavaquinho e pandeiro foram um sucesso. Revelaram talentos que precipitariam a criação do grupo armorial um ano e meio depois.
Trazidos para o Conservatório Municipal – inaugurado em 18 de outubro no antigo prédio da Cadeia Pública, recentemente reconstruído –, seus instrumentos exóticos logo chamaram a atenção. Ariano, Cabaixo, Violão Basso, Pirrabecaço, Marimpífano, Cano-cegonha, além de uma infinidade de pífanos de vários tamanhos e afinação despertaram a curiosidade de muitos. Todos eles da lavra de Egildo Vieira que lhes conferia versatilidade musical e valor artístico.
(...)

Na primeira semana de agosto de 2010 Egildo nos disse que a reitoria da UFAL tinha lhe convidado para se apresentar na aula inaugural do Campus Delmiro Gouveia. Sem ainda estar certo de reunir um Regional para acompanhá-lo na apresentação, pensou então mobilizar aqueles músicos iniciados nos seus instrumentos e repertório – a saber: Romário (cabaixo) e Roniel (flauta e pífano), Giso (trombone) e Flávio (trompete), a estes se uniriam dois ou três percussionistas da Filarmônica Mestre Elísio – e projetar algo, para aquele evento específico, que fosse musicalmente original, por oposição à “manjada” formação do regional popular.
Definidos os músicos, esboçou rapidamente o arranjo para a sua música Cavalo de Flecha – essencialmente percussiva – tendo o ariano, sob sua condução, como solista. A segunda música (No Balanço da Cana) logo se realizou com o duo de metais introduzindo e Egildo no violão e cantando. Na terceira (o xote Escovando Caranguejo) o duo de flautas seguia acompanhado pelo duo de metais que ora trabalhava na base harmônica, ora sucedia como solista. Para encerrar, Egildo apresentaria o marimpífano com toda a sua versatilidade percussiva e melódica; o trompete introduzia a Coco na Bahia seguido pelos pífanos em uníssono e os metais em resposta.

Compúnhamos o Grupo naquele momento: Laércio Ferreira e Ronildo Silveira (percussão), Romário Monteiro (cabaixo), Gisfle Fernando (trombone), Flávio Ventura (copista/trompete) e Paulo Roniel (flauta e pífano).
Chegado o dia do evento – segunda-feira, dia 9 de agosto – nos dirigimos a Delmiro Gouveia, alguns um tanto ansiosos por não imaginarmos como seria a recepção da plateia àquele conjunto musical sui generis. No entanto, quem nos conduzia era Egildo Vieira. Sua autoconfiança inabalável de profissional calejado contagiaria a todos nós no momento em que os acordes iniciais do Armorial soassem.
Apesar de uma contrariação momentânea – um carro bateu em nossa van numa avenida movimentada de Delmiro –, não nos atrasamos. No momento oportuno a apresentação foi iniciada e ocorreu na mais completa tranquilidade, e por ser tranquila não quer dizer que não tivesse vigor, muito pelo contrário chegou a causar frisson naqueles não iniciados na estética armorial. Ao final, a Coco na Bahia coroou o episódio; seu swing irresistível – com Egildo no marimpífano – levantou, literalmente, a plateia. 

Assim, nasceu o Grupo Musical Armorial de Piranhas (GMAP) que naquele momento foi apresentado com o nome provisório de “Tabocas e Cabaças”.
Por causa dessa apresentação inaugural, o grupo foi convidado para a solenidade na UFAL em Maceió que laureou o grande escritor Ariano Suassuna (idealizador do movimento armorial) com o título de doutor honoris causa, no dia 24 de agosto. Esse evento se deu no Museu Théo Brandão e o Conjunto (ampliado com a participação de mais um percussionista da Filarmônica, Dalvo Lima, e o violonista José Cícero da Silva) se apresentou com seu nome definitivo: GMAP. Na entrada de Ariano Suassuna, tocamos o Romance da Bela Infanta (obra de domínio público que Egildo disse lhe fora transmitida pelo próprio Ariano); entre uma e outra fala, Romance e Galope e, ao final, Coco na Bahia – obras de Egildo Vieira.
Ariano Suassuna se referiu favoravelmente a nossa apresentação, inclusive por atestar a qualidade intrínseca e o valor permanente da música que Egildo Vieira produzia, principalmente quando comparada ao sucesso “artificial” e “descartável” de certa banda famosa naqueles dias que fora objeto de estudo em artigo publicado na Folha de São Paulo. Ariano ficou perplexo ao ler o artigo. “Com que adjetivo posso me referir a Beethoven agora depois que alguém ousou chamar Chimbinha de gênio? ” – expressou-se, indignado.



Graças ao nome de Egildo Vieira, o GMAP se tornou um patrimônio da cultura piranhense, tendo se apresentado nos principais centros culturais alagoanos: Maceió, Marechal Deodoro e Penedo. Em 2011, apresentou-se na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. No ano seguinte, mais três músicos da Filarmônica Mestre Elísio foram integrados. Daniel Santos (trompete) e Farney Gomes (flauta e pífano) substituíram, respectivamente, a mim (Flávio) e a Roniel; e Marcelo Caldeira, percussionista, foi também admitido ao elenco. Mais recentemente Maciel (trompete), Rui (percussão), Jadeilton (flauta/pífano) e Clerisvaldo (violão) integram o grupo – estes dois últimos faziam parte do Gmapinho, extensão infanto-juvenil do Armorial. 


Em dezembro de 2013, gravou com o renomado artista alagoano Eliezer Setton o clip Alagoas Minha Gente, Alagoas Meu Lugar para o Governo do Estado.




Comentar sobre o Grupo Armorial, sua criação e desenvolvimento, no contexto das atividades da Filarmônica Mestre Elísio, desde outubro de 2009, é relevante tendo em vista que no ano de sua criação (2010) todos os integrantes, com exceção do violonista Cícero, eram da Filarmônica Mestre Elísio. Mesmo Egildo, que não a integrou, fez parte de toda a história da Filarmônica porque influenciou na criação da Escola de Música Mestre Elísio, em 1989; inclusive, enviando material didático de apoio, quando ainda residia em Recife. Não só isso, ao mesmo tempo em que é* (junto com Bujão/Augusto José Neto, João Gilberto Cordeiro Folha, Joãozinho Batista, Divacy Pereira, Dorinho/Isidoro Cordeiro, Zé Norberto “Boca Rica”, Norberto Barbosa, entre outros) a história viva da Banda de Música do mestre Elísio, no período 1958/62, nele (Egildo Vieira) toda a tradição converge.



GMAP em Penedo/AL (2011)




*Texto originalmente escrito em julho de 2013


quarta-feira, 6 de julho de 2016

Mestre Bubu

1989 à 1991


Mestre Bubu - Fevereiro de 1991
Criada em 1989, a Escola de Música Mestre Elísio desempenhou um trabalho imprescindível no sentido de constituir músicos (inclusive mobilizando os veteranos de grupos anteriores e, futuramente, aqueles provenientes de outras cidades) para a banda de música que meses mais tarde desse mesmo ano viria a estrear.
Seu primeiro maestro foi Afrânio Menezes Silva[1] (ou mestre Bubu, como era comumente conhecido).
Natural de Pão de Açúcar, cidade pródiga na produção de músicos talentosos, Bubu iniciou as aulas em maio daquele ano. A Escola de Música era no Centro Social e Esportivo Piranhense (CSEP), precisamente onde hoje (2013) se instala o Auditório Miguel Arcanjo de Medeiros. As aulas de iniciação ocorriam a partir de 8 horas e se estendiam por toda a manhã. As primeiras inscrições eram feitas no prédio da prefeitura. Setenta e oito alunos se matricularam. Em sua maioria crianças, as quais se juntaram um número expressivo de jovens (homens e mulheres já “adiantados” em idade) também animados com a novidade que se lhes foi apresentada: a formação da Banda de Música.
No tempo oportuno, quando a Escola de Música começou a revelar seus primeiros talentos, os aprendizes músicos mais adiantados estudavam dobrados, que é o tipo de música mais comum nas bandas interioranas.
A primeira apresentação da Banda foi no dia 7 de setembro daquele ano. Apesar do pouco tempo empregado para viabilizar a formação de uma banda, o compromisso firmado pelo maestro de fazer a Banda atuar ainda naquele primeiro ano era imperativo: devia-se apresentar. Para esse primeiro evento compunham a Banda: Zilvan e Jaime (clarinetas); Jorge e Zé Carlos (trompetes); Bujão (bombardino) e “Seu” Elias Balaio (trombone); estes dois últimos, remanescentes da antiga banda do mestre Elísio no período 1958/62. Além deles, se juntavam ao grupo: Zé Broinha – trompetista renomado – e Damião, trombonista instrutor de fanfarras; e os percussionistas convocados (da Fanfarra da Escola Cenecista Coronel José Rodrigues): Negão, Iara e Evaldo (caixa); mais os veteranos Tonho de Inês (bombo) e Natalício (surdo).
Após essa primeira apresentação outros talentos iniciados ou convocados por Bubu se revelaram ao longo dos meses seguintes e foram devidamente integrados à Banda.
Belo (tuba) e Robinho Teixeira (clarinete/sax-alto); Flavinho (pistom) e Cristóvão (pistom); Mô/Ivanise (trombone) e Fia/Maria José Galdino (trompa); Tilo/Maria de Fátima Capela (pistom) e sua irmã Bel/Isabel Capela Bezerra (arquivista); Karine (pistom) e Ana (surdo), ambas as filhas de Fá e Bujão; Cri (aos seis anos de idade, prodígio na caixa-tarol) irmão dos trompetistas Jorge e Zé Carlos, filhos de Elias Balaio; Pepê/Jackson da Silva (tarol), Tiquinho/Francisco Fernandes Guerra (arquivista/pratos), entre outros, vieram a fazer parte da Banda de Música Mestre Elísio (BMME) dos primeiros anos.


Fevereiro de 1991

A Banda tocava principalmente dobrados. Quando as festividades eram religiosas, ao repertório eram acrescentados hinos. Depois passou a se apresentar nas datas cívicas – emancipação política do Município no dia 3 de junho, etc. – além de outras atividades da comunidade. A principal dessas festas era a da Padroeira que se dá em fins de janeiro ao dia 2 de fevereiro quando músicos de outras cidades eram convidados para “reforçar” a Banda. Como os de Petrolândia: Miguel, Jardiel e Seu Tico (trompetistas); Etinho (trombonista); e Divacy (saxofone tenor) – natural de Piranhas e “sobrevivente” da banda do mestre Elísio, mas radicado há muito em Petrolândia; mais os já citados Brandão e Damião, naturais de Pão de Açúcar e residentes em Piranhas. Possivelmente outros músicos de Pão de Açúcar, de onde viera o maestro, sem que se possa nominá-los com segurança.
É preciso registrar que Zé Broinha (José Brandão de Souza), grande trompetista, era figura quase onipresente nas principais festas religiosas da cidade. Tocando na Igreja de Nossa Senhora da Saúde regularmente, impressionava a todos os iniciados da Banda pela expressividade altamente pessoal de seus acompanhamentos. Foi grande inspirador daquela geração. Pelo menos para os trompetistas ele era referência e modelo.
A sede da Banda foi inaugurada no dia 4 de fevereiro de 1990 na Praça Padre Cícero, no Cabrobó – parte do Centro Histórico nas imediações da Prefeitura que abrange a Rua José Nunes Araújo em direção à subida da ladeira até a entrada do Sacão* e o Alto do Cemitério, em Piranhas de Cima.
Ao longo de sua história, a BMME[2] teve várias sedes, todas provisórias, segundo a disponibilidade dos imóveis da prefeitura na sucessão de seus diversos governos, tendo encontrado sua sede definitiva no dia 18 de outubro de 2009 nas dependências do Conservatório Municipal de Música Cacilda Damasceno Freitas, recém fundado.
Do Centro Social e Esportivo Piranhense (CSEP) à Praça Padre Cícero; depois a uma das salas da Escola Estadual Manoel Porfírio de Brito, na Praça Dr. Itabira de Brito; à antiga Estação Ferroviária, onde hoje se instala a Biblioteca Pública; à casa onde abrigou a Delegacia, na Rua Tiradentes (ou Rua do Cartório); ao CSEP outra vez; numa casa entre a Oficina (Centro de Artesanatos) e o prédio do IPHAN; no segundo pavimento da Estação Ferroviária, hoje Secretaria de Cultura e Turismo; ao casarão central da Rua do Comércio; e, finalmente, 20 anos depois, no prédio da antiga Cadeia Pública, reconstruído em 2009 para abrigar o Conservatório.
...Um momento histórico para a Banda de Música Mestre Elísio sob a batuta do mestre Bubu foi uma apresentação no dia 13 de junho de 1991, ocasião em que o Presidente da República Fernando Collor de Melo viera às obras da Usina Hidrelétrica de Xingó para a solenidade oficial em que o curso do Rio São Francisco seria mudado. Nesse dia, uma missa em ação de graças foi realizada no povoado Piau, distrito de Piranhas, que contou com a presença do Presidente e autoridades diversas (federais, estaduais e municipais) na modesta – porém, não desimportante – Igreja do Senhor do Bonfim.  A imprensa cobriu intensamente esse evento, o que fez com que naquele dia os olhos do Brasil se voltassem para a Lapinha do Sertão[3]; e a BMME no máximo se contentou em ser mais uma figurante como tantos outros que figuravam naquele dia caloroso (em todos os sentidos). Por falar nisso, Bujão (Augusto José Neto) relembra que a Banda ensaiou dias a fio o Hino Nacional Brasileiro para tocar naquela cerimônia, mas, no momento oportuno, foi impedida de tocá-lo, advertida pelo cerimonial de que somente as Bandas do Exército e da Marinha poderiam fazê-lo. Contentamo-nos, assim, em tocar nosso “humilde” repertório básico.
Nesse mesmo ano (1991), em dezembro, veio a falecer o mestre Bubu (Afrânio Menezes Silva). Antes, em maio, Seu Elias Balaio tinha sido vítima de um acidente fatal de automóvel.
Após três anos de trabalho à frente da Banda de Música Mestre Elísio, Bubu se despede da vida no dia 8 de dezembro. A BMME, no dia seguinte (segunda-feira), vai ao sepultamento do seu maestro. Todos os músicos em Pão de Açúcar se solidarizam e tocam no cortejo fúnebre até o Cemitério Municipal. No momento final é tocado o dobrado Saudades de Minha Terra. Apesar da comoção, havia um clima de confraternização musical jamais visto pelos músicos da jovem Banda de Música Mestre Elísio, então com dois anos de idade. Mestre Bubu plantara uma semente musical que germinando, cresceu e deu frutos para colhê-los aquele que veio consolidar a Banda: Cícero Francisco de Brito – o Maestro Cafau.




[1] Segundo Seu Aroldo, o irmão mais velho, Bubu começou a estudar música e tocar com dez ou doze anos – entre 1946 e 1948. No início, mestre Nozinho o levava junto com outros iniciados para tocar em Belém, Caiçara e Ilha de São Pedro. Bubu era um hábil contrabaixista. Naquele tempo, os músicos de Pão de Açúcar quando vinham para a festa da padroeira em Piranhas, começavam a tocar ainda na embarcação, quando avistavam de longe os monumentos característicos da cidade: “a Igrejinha, o Mirante, a Estação” – tal como descrito pela doutora Rosiane no Hino de Piranhas. Diz-se que era a melhor banda de música do Baixo São Francisco. Conforme o testemunho de Bujão, os músicos do mestre Nozinho eram práticos em outros ofícios. Bubu e Zé Broinha, por exemplo, eram alfaiates; Cafau, sapateiro.
[2] Banda de Música Mestre Elísio.
[3] Lapinha do Sertão é o nome pelo qual a cidade de Piranhas é também conhecida. Esse  nome deve-se ao fato de a cidade estar localizada entre serras, assemelhando-se a um presépio estilizado. Alguém teria notado tal semelhança e deu o nome de “lapinha” que passou para a posteridade.