— Vá ao “porto da piranha” e traga o meu cutelo!
Essa frase não poderia ser mais trivial; porém, é dotada do senso de localização geográfica que torna os nomes célebres.
Ao chegar em casa com a pescaria do dia, o pescador, por óbvio, lembrou-se da faca que havia deixado na margem do rio e pediu ao filho que a buscasse.
Não se sabe em que data isso teria acontecido. Do tempo em que se chamou Tapera, nome de origem tupi-guarani para qualquer lugarejo constituído por habitações precárias, como as de taipa, o fato é que no início do século XIX esse local se chamava Porto de Piranhas; em 1885, Freguesia de Piranhas; em 1887, Vila de Piranhas; e em 1891, distrito-sede do município de Piranhas; cidade na década de 1930.
Em 1939, um decreto-lei federal mudou seu nome para Marechal Floriano, em reverência ao cinquentenário da Proclamação da República e ao centenário de nascimento do alagoano Marechal Floriano Vieira Peixoto (1839-1895), segundo presidente do Brasil. Essa mesma lei mudou o nome da cidade de Alagoas, primeira capital do estado, para Marechal Deodoro.
Dez anos depois, o novo nome ainda não havia se consolidado e o “marechal de ferro” — cognome adquirido pela repressão à Revolta da Armada (1893-1894) e à Revolução Federalista (1893-1895) — perdeu seu laurel sertanejo, legado pela política ufanista, retornando o lugar por força de nova lei à antiga denominação: Piranhas.
Em termos de resistência cultural toponímica, Deodoro triunfou no litoral (pudera! em sua terra natal), Floriano fracassou no sertão, a cerca de 300 km da Vila de Ipioca, no entorno de Maceió, onde nasceu. Mas seu nome resiste na toponímia nacional, como nos estados de Santa Catarina (Florianópolis), Rio Grande do Sul (Floriano Peixoto) e Espírito Santo (Marechal Floriano), além de dezenas de logradouros país afora.
Por aqui, venceu o costume indígena de dar nome de fenômenos, bichos e coisas aos lugares. Piranha, do tupi pi’rãya ou pi’rãi, o voraz peixe-diabo de dentes afiados capaz de em pouco tempo descarnar animais muito maiores, figuradamente dos tipos ditos “marechais” também.
E assim, debitados os fatos precisamente datados a partir da década de 1850, à posteridade é legado o mito fundador dessa cidade no sertão das Alagoas com uma narrativa transmitida pela tradição de um evento considerado histórico, mas cuja autenticidade é improvável.
Alguém inspirado no simbolismo das associações geográficas evocadas pelos seus morros mais tarde a chamou poeticamente de “lapinha”, qual imagem de presépio: a Lapinha do Sertão.
F. Ventura (2024)