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domingo, 25 de agosto de 2019

Dobrado Capitão Cassulo/Canção do Soldado — um caso de autoria controversa

Atualizado em 27 de agosto de 2019


No acervo da FME havia pelo menos três versões do dobrado Capitão Cassulo: Canção do Soldado, Capitão Caçula (das Edições Abreu) e uma legada pelo maestro Walmir Fonseca de Souza, à época dirigente da Filarmônica Santa Cecília (de Água Branca - AL) e eventual tubista da Filarmônica Mestre Elísio, em meados dos anos 1990. Recentemente, o maestro Luiz Carlos Sandes Paranhos nos enviou uma quarta versão, intitulada Canção do Exército, única em que o compositor Ismael Euclides da Costa Maranhão é atribuído. A cópia do maestro Walmir indica T. de Magalhães como o autor
A versão conferida no vídeo acima tem origem na cidade de Pão de Açúcar. É a mais antiga, com data aproximada ao ano de composição. Foi-nos disponibilizada para edição por Billy Magno, multi-instrumentista e pesquisador, que teve acesso irrestrito ao valioso acervo de Antônio Melo Barbosa (1932-2019), o Tonho do Mestre, no final do ano passado, do qual extraiu o arranjo que motiva esta postagem, além de várias peças musicais raras e exclusivas.
 Em 1919, entre os dias 6 e 13 de maio, um copista de 15 anos de idade chamado Américo Castro Barbosa[1], irmão do mestre da banda (Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho), incumbiu-se de copiar o dobrado Capitão Cassulo, produzindo partes cavadas do arranjo na tonalidade de Lá bemol maior para clarinetes, pistons, trompas, trombones e tubas. De suas práticas, que observamos em outras cópias de material original, reconhecemos o zelo do copista em notar o nome do compositor da obra. Não é o caso de Capitão Cassulo, que fez fama sem que o autor fosse considerado. (Somente na década de 1940 um músico paraense viria reclamar para si a autoria, conseguindo registro e uma pensão vitalícia do governo federal)
Seis anos antes da cópia de Américo, a Casa A Elétrica do Rio de Janeiro produziu um 78 rpm do dobrado que, em 1916, receberia letra com o título “Da Pátria Guardas” e, mais tarde, seria conhecido pelos nomes de Amor febril, Capitão Caçula, Canção do Soldado ou Canção do Exército.
Em 1949, o autor dos versos Da Pátria Guardas, o tenente coronel Alberto Augusto Martins, revoltou-se com a apropriação indevida feita pelo maestro paraense Teófilo de Magalhães (24.07.1885 – 25.06.1968)[2] e publicou artigo na Revista Militar em que expôs o caso do dobrado original do músico militar pernambucano Ismael Euclides da Costa Maranhão dedicado ao capitão Antônio Cassulo de Melo, ajudante de ordens do governo do estado do Pará no início do século 20.
A partitura autógrafa de Euclides Maranhão foi encontrada em Pernambuco com data de 1909, enquanto que Teófilo indicava 1911 como ano certo da composição.
Apesar dos protestos da família do pernambucano quanto à pensão dada pelo Governo Federal ao compositor paraense pelo mérito de ter produzido a canção do Exército brasileiro, nada mudou e 70 anos depois ainda se considera Teófilo Dolor Monteiro de Magalhães, patrono da Academia Paraense de Música, cadeira n.º 21, como o autor original de Capitão Cassulo — confirmado inclusive pelo importante escritor e musicólogo Vicente Salles[3]vide: Retreta Paraense - Coleção Vicente Salles - Bandas de Músicas do Pará -Vol. I.
Tal como o tradicional dobrado Saudades de Minha Terra — ora atribuído ao sargento gaúcho Luiz Evaristo Bastos, ora ao paraense Isidoro de Castro —, o dobrado Capitão Cassulo é mais um exemplo de como o processo contínuo de cópia, assimilação do repertório e compartilhamento indiscriminado vai ao longo do tempo negligenciando a autoria de forma a perder-se sua referência mais importante: a origem.
A seguir, arquivo anexado com texto do escritor e pesquisador Ciro Correia França[4]  sobre a controversa origem do dobrado Capitão Cassulo. Publicado originalmente na Gazeta do Povo de Curitiba, foi reproduzido no site Jornal de Poesia como réplica ao excelente texto de Rubens Ricupero na Folha de São Paulo (de 21/11/2004). Dizia Ricupero do seu entusiasmo com a apresentação da Banda Mantiqueira no SESC Pinheiros (SP) que naquela oportunidade introduzira o show com a Canção do Soldado
Antes, vejamos a transcrição de matéria publicada no jornal O Dia de 10 de julho de 1949, intitulada “Apropriou-se indevidamente da música da Canção do Soldado — Declaração do cel. Alberto Augusto Martins, autor da letra”:

Mais um escândalo musical. Este importa, porém, no recebimento indevido de uma pensão de Estado, concedida ao autor da música da “Canção do Soldado”. O fato chegou-nos ao conhecimento por intermédio de um leitor prestimoso, seguido de informação que coronel Alberto Augusto Martins autor da letra da conhecida canção militar, talvez, pudesse-nos adiantar algo sobre tão discutida autoria.

O AUTOR É OUTRO

De posse dos dados e da residência do tenente coronel Alberto Augusto Martins rumou a reportagem carioca para lá, tendo sido atendido pelo ilustre poeta, da época da campanha dos tiros militares e do recrutamento.
Esclarecida a razão da nossa visita, o coronel Augusto Martins disse-nos que a “Canção do Soldado” foi composta pelo falecido sargento Ismael Maranhão, da Polícia Militar de Pernambuco. Entretanto, acrescentou, o sr. Teófilo de Magalhães, depois de muitos anos, conseguiu registrá-la como de sua autoria, recebendo por isso uma pensão de mil cruzeiros que lhe foi concedida pelo Congresso Nacional.

HISTÓRIA DA CANÇÃO

Historiando o aparecimento da “Canção do Soldado”, o coronel Alberto Martins cita a campanha desenvolvida em prol da instituição do serviço militar obrigatório para todos os brasileiros, que foi iniciada em 1916, e que contou com a colaboração dos mais destacados intelectuais, jornalistas e poetas da época, inclusive do grande bardo Olavo Bilac. Nessa ocasião, nos diversos corpos de tropa do Exército surgiram as canções sobre motivos patrióticos que empolgavam os jovens conscritos.
Uma dessas canções, a hoje denominada “Canção do Soldado”, tornou-se famosa em todo o país e é de autoria do tenente Alberto Augusto Martins, que a publicou em 1916, e que foi musicada pelo sargento Ismael.

ESBULHO À OBRA DO FALECIDO COMPOSITOR

O tenente coronel Augusto Martins estranha que o sr. Teófilo Magalhães esteja usufruindo uma situação a que não faz jus, pois, até o presente momento não apresentou provas suficientes que convençam ser de sua autoria a composição musical “Canção do Soldado”, e mesmo porque, os herdeiros do falecido Ismael emprestaram uma ação contra o ato de registro concedido ao sr. Teófilo.
As canções militares surgiram em 1916, e eram executadas por ocasião da incorporação dos conscritos. Todos os corpos de tropa procuravam receber condignamente os novos soldados, que atendendo a voz do grande poeta Olavo Bilac acorriam entusiasmados ao apelo da Pátria. Nessa época, servindo na qualidade de 2º sargento do 1º Batalhão de Engenharia da Vila Militar, compus três canções, sendo uma delas a “Da Pátria a Guarda”, hoje denominada de “Canção do Soldado”, cuja parte musical foi realizada pelo sargento Ismael Maranhão, da Polícia de Pernambuco.
“Ultimamente, num dos programas da Rádio Clube do Brasil, com o fim de obter prêmios, o sr. Teófilo de Magalhães apresentou-se como sendo o autor da música que acompanha a canção. Convidado a apresentar provas, prometeu fazer em outra oportunidade, e não mais voltou àquela emissora.
Em consequência do fato, os filhos e parentes de Ismael Maranhão, que foi o autor da música, protestaram durante os seguintes programas da referida emissora. Em face do sucesso alcançado pela patriótica canção, visando interesse pecuniário, Teófilo Magalhães, no período 1944-1946, registrou a canção em seu nome, e desenvolveu tal campanha em seu benefício que conseguiu obter uma pensão de mil cruzeiros, votada pelo Congresso. É de se estranhar que essa pensão tenha sido concedida na ocasião em que o filho de Ismael havia encaminhado um protesto ao presidente da República, que mandou abrir o competente inquérito e cujo resultado ainda está pendente de conclusão”. (O DIA, 1949)









[1] Américo Castro Barbosa (1903-1967) nasceu na cidade Pão de Açúcar (AL). Mais tarde, revelou-se grande músico de projeção nacional como contrabaixista da orquestra do maestro Fon-Fon.
[2] Theophilo Dolor Monteiro de Magalhães ou simplesmente “Theóphilo de Magalhães” (Belém do Pará, 1885-1968) era pianista e flautista exímio, tornando-se extremamente popular nos salões da “gostosa Belém”, porque gostava de improvisar Tangos, Polkas, Valsas, Marchas e Dobrados. (REINATO, José Campos. Música Ao Seu Alcance. Campinas: Edição do Autor, 2014. Vol. 2. p. 175.
[3] Vicente Juarimbu Salles foi um dos maiores pesquisadores e difusores da história e da cultura amazônicas. Nascido em 1931, na Vila de Caripi, Município de Igarapé-Açu, a 117 km de Belém, capital do Pará, formou-se em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia. Destacou-se pelos estudos da presença negra na Amazônia e publicou vinte e dois livros e cinquenta e uma micro edições (livretos artesanais feitos por ele) em diversas áreas — música, folclore, literatura, teatro. (Fonte: Fonte: MORIM, Júlia. Vicente Salles. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 20 ago. 2019)
[4] Ciro Correia França nasceu em Ponta Grossa, no Paraná, em 7 de maio de 1944. Contribuiu com resenhas e críticas literárias em jornais de Curitiba, nas décadas de 60 e 70. (...). Contribuiu com resenhas e críticas literárias em jornais de Curitiba, nas décadas de 60 e 70. Foi pintor e desenhista (...). Apaixonado por literatura, poesia e linguística, tinha estreita ligação com a música e a poesia popular. (...) Faleceu em Curitiba, em 14 de julho de 2011. (In: O Gaúcho Martin Fierro <http://www.ogauchomartinfierro.com.br/team/ciro-correia-franca/)





domingo, 30 de dezembro de 2018

João e Jorge (Maxixe ♪ 1919)



(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

JOÃO & JORGE

Maxixe de autor anônimo
Por Billy Magno[i]

Quase no final da Belle Époque, em 1919, na cidade de Pão de Açúcar-AL, o clarinetista, violinista, futuro contrabaixista e compositor Américo Castro Barbosa (1903-1967), na época executante de requinta e copista na banda de música da Sociedade União e Perseverança (cujo maestro na época era o seu irmão Manoel Victorino Filho[ii]) eterniza na pauta, no dia 3 de outubro, os compassos do maxixe João e Jorge.
Américo Castro Barbosa
De autoria não creditada (talvez por descuido do copista, o que não era incomum na época) e escrito no verso (outra prática comum daquele  período) da valsa Guiomar  (1915) do compositor e maestro Agérico Lins (1862-1935), esse maxixe ao que parece teve pouca repercussão na época e por isso mesmo acabou se tornando um autêntico lado B. Só seria lembrado 25 anos depois, em 1944 na sua primeira revisão quando no dia 7 de junho Mestre Nozinho adiciona uma parte para saxofone alto (inexistente na orquestração original), já a parte do piston seria refeita no dia 30 do mesmo mês.
É de se observar que das partes originais de 1919 as únicas não localizadas foram as de 1º e 2º piston, sendo que na parte refeita encontra-se grafado somente Piston, sem designação de posição, dando a entender que não existia parte para o 2º piston na orquestração original. Logicamente se existisse, teria sido automaticamente refeita em 44.
Nesta segunda revisão feita em dezembro deste ano de 2018 por Flavio Ventura[iii] sob minha supervisão, pela primeira vez temos as terceiras vozes com o acréscimo do 3º clarinete, 3º trombone e 3ª trompa, 2º e 3º pistons, sax tenor, sax barítono e flautim/flauta (que não constam da instrumentação original), assim como foram revisadas as partes de sax alto e (1º) piston da revisão de 1944 e todas as primitivas de 1919. Foram eliminados os erros costumazes dos copistas, principalmente de harmonia, sem prejuízo da intenção original do compositor.
Em linhas gerais, o maxixe João e Jorge é uma obra muito bem acabada, cumprindo muito bem o papel a que se presta: a dança.
Com uma introdução forte e primeira parte em dó menor, já na segunda parte temos uma modulação para mi bemol com um breve retorno ao primeiro tema seguindo depois para o trio agora em dó maior com uma parte mais calma para retornar ao primeiro tema, concluindo a obra em modo menor. Obra que une beleza melódica com pujança rítmica atestada na forma sacudida com que o baixo conduz toda a peça, amparando a melodia e sugerindo todos os requebros do maxixe. Prestes a completar 100 anos e graças ao sr. Antônio Melo Barbosa[iv], que tão bem preservou esta e outras obras em seu acervo particular, temos a primeira edição do maxixe João e Jorge, totalmente revista e ampliada, livre dos preconceitos que tanto tolheram a criatividade de seus autores (ao ponto de muitos deles se esconderem sob o manto do anonimato), hoje tão injustamente esquecidos e a quem procuramos, com a edição deste trabalho, fazer justiça.

São Paulo, dezembro de 2018



Pequena história do maxixe em Alagoas
                                                                
                                                      
Na definição do pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão (*1928) o maxixe é uma “forma malandra e exagerada de dançar a polca-tango, que acabaria por fazer surgir o maxixe como gênero musical autônomo”.
La Matchiche (Edouard Stebbing)
No livro Maxixe – A Dança Excomungada, de 1974, Jota Efegê (1902-1987) afirma que a primeira citação ao ritmo apareceu na propaganda de um baile de carnaval que iria acontecer no Clube dos Democráticos no Rio de Janeiro, publicada no Jornal do Brasil, em fevereiro de 1883. O nome, tomado emprestado da hortaliça, faz uma associação irônica a seu pouco valor. (MACHADO, 2015)
O teatro de revista, que fazia uma crítica acirrada aos costumes durante o período da Belle Époque, em breve se apropriaria do gênero. Escrita por Arthur Azevedo, A República estreou em 26 de março de 1890 e foi responsável por popularizar o primeiro grande sucesso do maxixe, intitulado As Laranjas da Sabina(MACHADO, 2015)
Apesar de as poucas músicas que chegaram a ser editadas se encontrarem sempre em forma de redução para piano, foi na Banda de Música que o maxixe encontrou o seu mais expressivo meio de execução. Antes mesmo das primeiras gravações e bem antes do rádio, eram as bandas (civis e militares) a forma mais popular de divulgação deste gênero, além de ser em muitos lugares o único meio disponível para se ouvir música. É certo que existiam os saraus com pequenas orquestras ou música executada ao piano, porém, eram formas restritas à elite da época, estando os coretos das praças para o povo como os teatros para os endinheirados.         
Teatro Maceioense (1846-1911)
 O maxixe parece ter chegado a Alagoas em meados da última década do século XIX. Uma das primeiras citações ao gênero, mas se referindo à dança e não à música – esta chegaria pouco depois e mesmo assim disfarçada de tango –, aparece em 07/12/1898 na edição nº 107 do jornal O Orbe, num conto denominado A cartola do tio: “Uma das bandas federaes executava um maxixe, e, em tudo que alli estacionava – cousas ou individuos, real ou apparentemente, havia um saracoteamento languido e voluptuoso ao passo d'aquella adoravel e diabolica tentação acustica”.
Seria ele colocado em prática no ano seguinte e, acredite se quiser, numa encenação de Fausto, de Goethe, como narra o crítico Aristobulo, do jornal Gutenberg: “Notamos o correcto valsar de Josephina Ely[v] e Delphica de Araujo[vi] que n'um desmanchamento por demais dengoso machucaram n'uns requebros de maxixe, inadmissiveis no entrecho da obra de Goethe”.
Josephina Ely em 1922.
          É na virada do século, bem dentro da chamada Belle Époque alagoana que surgem ou se firmam compositores que cultivam o gênero em todo o estado, como veremos mais adiante, estando esses à altura dos melhores compositores da matriz carioca.
         Por ser sua dança considerada lasciva e de forte apelo sexual, logo o maxixe seria taxado de vulgar e chulo, considerado de mau gosto, despachado como música das classes mais baixas, perseguido e atacado pela elite moralista da época tendo a igreja católica na linha de frente, não sendo diferente em Alagoas como atesta o artigo intitulado Companhia Molasso, publicado na edição nº 165 de 01/12/1916 do jornal O Semeador:

Por mais que sem nenhum outro interesse, como é claro, que não pela moralidade dos nossos costumes, brademos contra os maus theatros, cada dia, num despreso e revolta, num desrespeito formal pelas nossas tradições de povo simples e honesto, os theatros como que de proposito procuram offender a dignidade da nossa gente. Assim é que hoje a Companhia Molasso vae apresentar espectaculos de maxixe e tango, e no grande theatro da terra. É muito triste! Dizem que quando a imprensa catholica protesta contra os maus theatros, a enchente é maior. Pouco nos importa isso. Cumprimos com o nosso dever. Demais conhecemos bem as nossas familias e por isso temos a certeza de que a apregoada enchente não será de pessoas pouco escrupulosas no que diz os bons costumes. O theatro Deodoro, hoje não deve ser frequentado, principalmente pelas nossas dignas familias tão respeitaveis pelas suas conhecidas virtudes, que não devem ser expostas aos perigos evidentes dos maus theatros.

 Os compositores, patrulhados, foram obrigados a escondê-lo sob a forma de outros gêneros sendo o mais comum o tango, que na sua forma brasileira parece ter como única semelhança com o irmão argentino o compasso binário. Outros que assinaram o gênero se esconderam sob pseudônimo ou ficaram propositadamente no anonimato e somente pouquíssimos assumiram o gênero e a identidade. As primeiras partituras a assumir o gênero só aparecem por volta de 1902/1903.
Jornais da época, como o Gutenberg, divulgavam espetáculos teatrais que tinham o ritmo como trilha sonora.
De cima para baixo:
os atores João de Deus e
Esther Bergerat;
o autor teatral Rodrigues de Melo;
a atriz chilena Aminta Circe e
o ator Brandão Sobrinho
Os atores João de Deus[vii] e Esther Bergerat[viii] cantam em dueto a cançoneta "O Maxixe", na peça apresentada em 3 atos, com tradução de Lucio Pires, "Os maridos da viuva" de C. Grenet e Dancourt, apresentada em 1910 no recém inaugurado Theatro Deodoro e tendo a orquestra regida por Benedicto Silva (1859-1921), o versátil compositor alagoano.
O maestro Benedicto, aliás, musicara as revistas de costumes de Manoel Rodrigues de Mello (1876-1946) "Maceió na rua" (1908)[ix], encenada com grande sucesso no velho e modesto teatro Maceioense[x] e uma das primeiras peças encenadas no Theatro Deodoro: "Maceió moderno" (1911), do mesmo autor cujo score estava repleto de maxixes.
De 1911 é também o espetáculo Bella Zazá, que estreara em abril no cinema Helvética – inaugurado menos de dois meses antes do Deodoro – onde (como noticiado pelo Gutenberg de 12 de abril) na última cena era dançado o famoso maxixe "O corta-jaca", de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), em que a dançarina “com muita graça erguia os folhos[xi] do saiote para que com maior liberdade os seus travessos pés dessem nas táboas do palco os ameudados[xii] talhos característicos da cançoneta”.
Um ano antes, em março e também no Helvética, num programa que exibia em sua primeira parte três filmes (comédias curtas) e na segunda parte números musicais, os atores Brandão Sobrinho[xiii] e Aminta Circe[xiv] cantam em dueto um número chamado "Maxixe Aristocrata".
A Maceió da Belle Époque não ficaria imune ao maxixe, nascido pelas mãos dos negros na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro, logo se espalhando por todo o país e depois pelo mundo.
Em Alagoas, os principais compositores incorporam o maxixe ao seu repertório: Valério de Farias Pinheiro, Benedicto Silva e Agérico Lins contribuem significativamente para a música brasileira ao comporem também o seu próprio material original.
A partir de meados da década de 1920, o maxixe gradativamente vai perdendo terreno para o samba que se popularizava desde o carnaval de 1917 com a gravação de Pelo Telefone (de Donga[xv] e Mauro de Almeida[xvi]) e já na década seguinte era considerado coisa do passado. Saia de cena o que hoje é considerado o nosso primeiro ritmo urbano.




REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO CRAVO ALBIN (edição on-line). Maxixe. Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/maxixe/dados-artisticos> Acesso em: 28 de dezembro de 2018.
LIMA JUNIOR, Félix. Maceió Antigo. Diário de Pernambuco, Recife, 10 fev. 1952. 2ª seção, nº 00035.
Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/029033_13/9704> Acesso em: 2 de dezembro de 2018.
MACHADO, Sandra. O excomungado maxixe, 2015. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/1047-o-excomungado-maxixe> Acesso em: 11 de setembro de 2018.
SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Benedito Silva e sua época. Maceió: Arquivo Público de Alagoas/SENEC, 1966.
TICIANELI. Rodrigues de Melo, negro triunfante num mundo de hegemonia branca. In: História de Alagoas (on-line), 2016. Disponível em: <https://www.historiadealagoas.com.br/rodrigues-de-melo-negro-triunfante-num-mundo-de-hegemonia-branca.html> Acesso em: 27 de dezembro de 2018.

JORNAIS E PERIÓDICOS:

Cidade do Rio nº 181 de 13-08-1889.
Correio da Manhã. (RJ) nº 20031 de 16-07-1958.
Gazeta de Noticias  (RJ) nº 208 de 05-09-1911.
Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), O. edição nº 181 de 26-08-1899, nº 244 de 03-11-1907, nº 87 de 21-04-1908, nº 259 de 01-12-1910, nº 51 de 10-03-1911 e nº 78 de 12-04-1911.
Imprensa, A. nº 202 de 28-06-1908.
Jornal, O. (RJ) nº 3564 de 27-06-1930.
Jornal do Brasil nº 89 de 30-03-1902 e nº 199 de 18-07-1911.
Jornal do Commercio (RJ) nº 264 de 23-09-1919.
Jornal de Theatro e Sports nº 255 de 27-09-1919.
Noite, A. (RJ) nº 3720 de 14-04-1922 e nº 8803 de 23-07-1936.
Noticia, A. (RJ) nº 70 de 25-11-1894 e nº 199 de 25-08-1911.
Orbe, O. nº 107 de 07-12-1898.
Paiz, O. (RJ) nº 16685 de 27-06-1930.
Republica, A. (RJ) nº 90 de 21-04-1891.
Semeador, O. nº 165 de 01-12-1916



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: ABC das Alagoas on-line. http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)  
[ii] O Mestre Nozinho (1895-1960) – executante de piston, violão e violino e que em 1917 assumira a regência da banda de música.
[iii] Trompetista e pesquisador nascido em 1978 na cidade de Paulo Afonso (BA).
[iv] Nascido em 19 de março de 1932, Tonho do Mestre (como é conhecido), é filho de Mestre Nozinho e sobrinho de Américo, iniciou-se musicalmente com o seu genitor aos 12 anos de idade. Na banda tocou tambor, trompa, trombone e tuba em si bemol.  Em paralelo, assim como seu pai, também viveu do ofício de alfaiate. É detentor de grande e importante acervo musical e fotográfico herdado de seu pai. Hoje aos 86 anos, reside em Maceió.
[v] Josephina Ely foi uma atriz pioneira do teatro brasileiro, atuando a partir de meados da década de 1880. Em 1889, no Theatro Eldorado, interpretou o tango baiano "Muqueca", da revista Bendegó, tendo que retornar ao palco cinco vezes, aplaudidíssima. Consta que em 1921 estava desempregada e sobrevivia com dificuldade quando no ano seguinte foi vítima de agressão física por um casal estrangeiro que era seu vizinho. Por muitos anos cultivou o hábito de desejar boas festas aos jornais e revistas que sempre divulgaram seus espetáculos. Não foi possível apurar quando faleceu, mas ainda vivia em 1936, fazendo-se supor que faleceu bem idosa.
[vi] Delphica de Araújo foi uma atriz muito atuante desde as últimas décadas do século XIX, tendo formado em 1891 a sua própria companhia teatral chamada Companhia Dramática. Trabalhou longos anos na empresa Dias Braga e no Theatro Recreio dentre outros. Manteve-se ativa até a sua morte em 22 de setembro de 1919, sendo enterrada no cemitério São João Baptista, no Rio de Janeiro. Teve seu funeral pago pela "Casa dos Artistas", visto que mesmo trabalhando, se encontrava em situação financeira delicada.
[vii] João de Deus foi um dos mais importantes atores e diretores teatrais do Brasil na primeira metade do século XX. Iniciou-se na carreira ainda na primeira década do século, trabalhando em várias companhias teatrais e em diversas peças do teatro de revista.
[viii] Esther Bergerat foi estrela da Cia. do Teatro São José na época áurea dos espetáculos de revista da praça Tiradentes no Rio de Janeiro. Registros de suas atuações foram encontrados desde 1902 e em 1958 ainda vivia, indicando que faleceu idosa.
[ix] Com a atriz Cândida Palácio no elenco. Sobre esta atriz, conseguiu-se apurar que iniciou a carreira no Rio de Janeiro no início década de 1890. Em 1894, depois de retornar de Lisboa em Portugal, é contrata pela companhia do Theatro Lucinda (chamada "Liga Theatral"), onde estreia em 5 de dezembro, sob a direção de Joaquim de Almeida na opereta "O burro do senhor Alcaide", no papel de Affonso, criado por ela. Muito atuante até a primeira metade do século XX, retornaria a Maceió em junho de 1930 como artista contratada da companhia teatral de Palmeirim Silva para uma série de espetáculos no Theatro Deodoro, graças ao antigo empresário teatral coronel Américo Rêgo. Na época, a atriz já era tratada pela imprensa como "a decana das artistas brasileiras".
[x] Localizado na Rua do Sol cujo prédio serviria depois ao cinema Delícia, sendo demolido em fins da década de 1940.
[xi] Segundo o Aurélio, folhos “são adornos pregueados com que se guarnecem vestidos, toalhas, colchas etc.’’
[xii] Ameudados: antiga grafia de “amiudados” = frequentes.
[xiii] Franco Soares Brandão Sobrinho (Portugal 21/08/1880 – Recife-PE 26/06/1930), chegou ao Brasil ainda pequeno com os pais Francisco Soares Brandão e Maria Soares Brandão. Sobrinho de Brandão, o popularíssimo (João Augusto Soares Brandão, 1844-1921) e primo do ator Brandão Filho (1910-1998), estreou em 1902 no drama A revolta do mal. Fértil em recursos de improvisação era dotado de uma veia cômica inesgotável bem como grande versatilidade indo do drama ao teatro musicado. Foi um dos mais populares cômicos de sua geração, trabalhando em 1925 ao lado de Bibi Ferreira (então com 3 anos de idade) na peça Folha caída. Sua última atuação na revista Amor sem dinheiro, de Rubens Gil e Alfredo Breda em 1926. Estava numa tournée pelo Nordeste quando faleceu no Hospital Centenário vitimado por uma febre tifoide depois de ter se submetido a uma cirurgia.
[xiv] As informações sobre Aminta Circe são escassas. Sabe-se apenas que era chilena. Os registros sobre ela na imprensa restringem-se aos anos de 1908 e 1911. Atriz e cantora, atuou em diversos espetáculos cantando canções (internacionais inclusive). Trabalhou no Palace-Theatre, no Theatro Royal com a ópera em 1 ato "A Raiz", criação dela e do ator Brandão Sobrinho e foi estrela do Cine-Theatro Rio Branco onde atuava sob direção de Antônio Serra no espetáculo "Tim-Tim", tendo como colega de elenco a atriz Pepa Ruiz”.
[xv] Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1891-1974) foi junto com Pixinguinha (1897-1973) e João da Baiana (1887-1974) um pioneiro da música popular brasileira. Violonista, foi cofundador de “Os Oito Batutas”.
[xvi] João Mauro de Almeida (1882-1956) foi um jornalista que entrou para a história da Música Popular Brasileira por ter escrito parte da letra de "Pelo telefone", uma das composições mais polêmicas de todos os tempos desde o seu lançamento, em dezembro de 1916.


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