Atualizado em 27 de agosto de 2019
No acervo da FME havia pelo menos três versões do dobrado Capitão
Cassulo: Canção do Soldado, Capitão Caçula (das Edições Abreu) e uma legada pelo
maestro Walmir Fonseca de Souza, à época dirigente da Filarmônica Santa Cecília
(de Água Branca - AL) e eventual tubista da Filarmônica Mestre Elísio, em
meados dos anos 1990. Recentemente, o maestro Luiz Carlos Sandes Paranhos nos
enviou uma quarta versão, intitulada Canção
do Exército, única em que o compositor Ismael Euclides da Costa Maranhão é atribuído. A cópia do
maestro Walmir indica T. de Magalhães como o autor.
A versão conferida no vídeo acima tem origem na cidade de Pão de Açúcar. É a mais antiga, com data aproximada ao ano de composição. Foi-nos disponibilizada para edição por Billy Magno, multi-instrumentista e pesquisador, que teve acesso irrestrito ao valioso acervo de Antônio Melo Barbosa (1932-2019), o Tonho do Mestre, no final do ano passado, do qual extraiu o arranjo que motiva esta postagem, além de várias peças musicais raras e exclusivas.
Em 1919, entre os dias
6 e 13 de maio, um copista de 15 anos de idade chamado Américo Castro Barbosa[1],
irmão do mestre da banda (Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho),
incumbiu-se de copiar o dobrado Capitão
Cassulo, produzindo partes cavadas do arranjo na tonalidade de Lá bemol
maior para clarinetes, pistons, trompas, trombones e tubas. De suas práticas,
que observamos em outras cópias de material original, reconhecemos o zelo do
copista em notar o nome do compositor da obra. Não é o caso de Capitão Cassulo, que fez fama sem que o
autor fosse considerado. (Somente na década de 1940 um músico paraense viria
reclamar para si a autoria, conseguindo registro e uma pensão vitalícia do
governo federal)
Seis anos antes da cópia de Américo, a Casa A Elétrica do Rio
de Janeiro produziu um 78 rpm do dobrado que, em 1916, receberia letra com o título “Da Pátria Guardas” e, mais tarde, seria conhecido pelos nomes de Amor
febril, Capitão Caçula, Canção do Soldado ou Canção do Exército.
Em 1949, o autor dos versos Da Pátria Guardas, o tenente coronel Alberto Augusto Martins,
revoltou-se com a apropriação indevida feita pelo maestro paraense Teófilo de
Magalhães (24.07.1885 – 25.06.1968)[2] e
publicou artigo na Revista Militar em que expôs o caso do dobrado original do
músico militar pernambucano Ismael Euclides da Costa Maranhão dedicado ao
capitão Antônio Cassulo de Melo, ajudante de ordens do governo do estado do
Pará no início do século 20.
A partitura autógrafa de Euclides Maranhão foi encontrada em
Pernambuco com data de 1909, enquanto que Teófilo indicava 1911 como ano certo
da composição.
Apesar dos protestos da família do pernambucano quanto à pensão
dada pelo Governo Federal ao compositor paraense pelo mérito de ter produzido a canção do Exército
brasileiro, nada mudou e 70 anos depois ainda se considera Teófilo Dolor Monteiro de Magalhães, patrono da Academia Paraense de Música, cadeira n.º 21, como o
autor original de Capitão Cassulo — confirmado inclusive pelo importante escritor e musicólogo Vicente Salles[3] — vide: Retreta Paraense - Coleção Vicente Salles - Bandas de Músicas do Pará -Vol. I.
Tal como o tradicional dobrado Saudades de Minha Terra — ora atribuído ao sargento gaúcho Luiz Evaristo
Bastos, ora ao paraense Isidoro de Castro —, o dobrado Capitão Cassulo é mais um exemplo de como o processo contínuo de
cópia, assimilação do repertório e compartilhamento indiscriminado vai ao longo
do tempo negligenciando a autoria de forma a perder-se sua referência mais
importante: a origem.
A seguir, arquivo anexado com texto do escritor e pesquisador Ciro Correia
França[4] sobre a controversa origem do dobrado Capitão Cassulo. Publicado originalmente na Gazeta do Povo de Curitiba, foi reproduzido no site
Jornal de Poesia como réplica ao excelente texto de Rubens Ricupero na Folha de São Paulo (de 21/11/2004). Dizia Ricupero do seu entusiasmo com a apresentação da Banda Mantiqueira no SESC
Pinheiros (SP) que naquela oportunidade introduzira o show com a Canção do Soldado.
Antes, vejamos a transcrição de matéria publicada no jornal O
Dia de 10 de julho de 1949, intitulada “Apropriou-se indevidamente da música da
Canção do Soldado — Declaração do cel. Alberto Augusto Martins, autor da letra”:
Mais um
escândalo musical. Este importa, porém, no recebimento indevido de uma pensão
de Estado, concedida ao autor da música da “Canção do Soldado”. O fato
chegou-nos ao conhecimento por intermédio de um leitor prestimoso, seguido de
informação que coronel Alberto Augusto Martins autor da letra da conhecida
canção militar, talvez, pudesse-nos adiantar algo sobre tão discutida autoria.
O AUTOR É
OUTRO
De posse
dos dados e da residência do tenente coronel Alberto Augusto Martins rumou a
reportagem carioca para lá, tendo sido atendido pelo ilustre poeta, da época da
campanha dos tiros militares e do recrutamento.
Esclarecida
a razão da nossa visita, o coronel Augusto Martins disse-nos que a “Canção do
Soldado” foi composta pelo falecido sargento Ismael Maranhão, da Polícia
Militar de Pernambuco. Entretanto, acrescentou, o sr. Teófilo de Magalhães,
depois de muitos anos, conseguiu registrá-la como de sua autoria, recebendo por
isso uma pensão de mil cruzeiros que lhe foi concedida pelo Congresso Nacional.
HISTÓRIA DA CANÇÃO
Historiando
o aparecimento da “Canção do Soldado”, o coronel Alberto Martins cita a
campanha desenvolvida em prol da instituição do serviço militar obrigatório
para todos os brasileiros, que foi iniciada em 1916, e que contou com a colaboração
dos mais destacados intelectuais, jornalistas e poetas da época, inclusive do
grande bardo Olavo Bilac. Nessa ocasião, nos diversos corpos de tropa do
Exército surgiram as canções sobre motivos patrióticos que empolgavam os jovens
conscritos.
Uma
dessas canções, a hoje denominada “Canção do Soldado”, tornou-se famosa em todo
o país e é de autoria do tenente Alberto Augusto Martins, que a publicou em
1916, e que foi musicada pelo sargento Ismael.
ESBULHO À OBRA DO
FALECIDO COMPOSITOR
O
tenente coronel Augusto Martins estranha que o sr. Teófilo Magalhães esteja
usufruindo uma situação a que não faz jus, pois, até o presente momento não
apresentou provas suficientes que convençam ser de sua autoria a composição
musical “Canção do Soldado”, e mesmo porque, os herdeiros do falecido Ismael emprestaram
uma ação contra o ato de registro concedido ao sr. Teófilo.
“As
canções militares surgiram em 1916, e eram executadas por ocasião da
incorporação dos conscritos. Todos os corpos de tropa procuravam receber
condignamente os novos soldados, que atendendo a voz do grande poeta Olavo
Bilac acorriam entusiasmados ao apelo da Pátria. Nessa época, servindo na
qualidade de 2º sargento do 1º Batalhão de Engenharia da Vila Militar, compus
três canções, sendo uma delas a “Da Pátria a Guarda”, hoje denominada de “Canção
do Soldado”, cuja parte musical foi realizada pelo sargento Ismael Maranhão, da
Polícia de Pernambuco.
“Ultimamente,
num dos programas da Rádio Clube do Brasil, com o fim de obter prêmios, o sr.
Teófilo de Magalhães apresentou-se como sendo o autor da música que acompanha a
canção. Convidado a apresentar provas, prometeu fazer em outra oportunidade, e
não mais voltou àquela emissora.
Em
consequência do fato, os filhos e parentes de Ismael Maranhão, que foi o autor
da música, protestaram durante os seguintes programas da referida emissora. Em
face do sucesso alcançado pela patriótica canção, visando interesse pecuniário,
Teófilo Magalhães, no período 1944-1946, registrou a canção em seu nome, e
desenvolveu tal campanha em seu benefício que conseguiu obter uma pensão de mil
cruzeiros, votada pelo Congresso. É de se estranhar que essa pensão tenha sido
concedida na ocasião em que o filho de Ismael havia encaminhado um protesto ao
presidente da República, que mandou abrir o competente inquérito e cujo
resultado ainda está pendente de conclusão”. (O DIA, 1949)
[1] Américo Castro Barbosa (1903-1967)
nasceu na cidade Pão de Açúcar (AL). Mais tarde, revelou-se grande músico de
projeção nacional como contrabaixista da orquestra do maestro Fon-Fon.
[2] Theophilo Dolor Monteiro de Magalhães
ou simplesmente “Theóphilo de Magalhães” (Belém do Pará, 1885-1968) era
pianista e flautista exímio, tornando-se extremamente popular nos salões da
“gostosa Belém”, porque gostava de improvisar Tangos, Polkas, Valsas, Marchas e
Dobrados. (REINATO, José Campos. Música
Ao Seu Alcance. Campinas: Edição do Autor, 2014. Vol. 2. p. 175.
[3] Vicente Juarimbu Salles foi um dos
maiores pesquisadores e difusores da história e da cultura amazônicas. Nascido
em 1931, na Vila de Caripi, Município de Igarapé-Açu, a 117 km de Belém,
capital do Pará, formou-se em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia.
Destacou-se pelos estudos da presença negra na Amazônia e publicou vinte e dois
livros e cinquenta e uma micro edições (livretos artesanais feitos por ele) em
diversas áreas — música, folclore, literatura, teatro. (Fonte: Fonte: MORIM,
Júlia. Vicente Salles. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco,
Recife. Disponível em:<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>.
Acesso em: 20 ago. 2019)
[4] Ciro Correia França nasceu em Ponta Grossa, no Paraná, em 7 de maio de 1944.
Contribuiu com resenhas e críticas literárias em jornais de Curitiba, nas
décadas de 60 e 70. (...). Contribuiu com resenhas e críticas literárias em
jornais de Curitiba, nas décadas de 60 e 70. Foi pintor e desenhista (...).
Apaixonado por literatura, poesia e linguística, tinha estreita ligação com a
música e a poesia popular. (...) Faleceu em Curitiba, em 14 de julho de 2011. (In: O Gaúcho Martin Fierro <http://www.ogauchomartinfierro.com.br/team/ciro-correia-franca/)
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