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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Centenário de Luiz Gonzaga da Silva (1919-2006)


Comemoramos nesta semana o centenário de Luiz Gonzaga da Silva, notável violonista alagoano nascido na cidade de Piranhas em 9 de agosto de 1919. Egresso da cultura de bandas de música — foi bombardinista na banda do maestro João Ribeiro da Companhia Agro Fabril Mercantil na cidade de Delmiro Gouveia —, mais tarde, ao trocar o sertão de Alagoas pelo ambiente profissionalmente próspero da metrópole, elevou sua arte para outro patamar, tornando-se destacado violonista, radicado no Rio de Janeiro a partir de 1945.


Postamos há dois anos matéria sobre nosso ilustre conterrâneo e complementamos agora com textos de autoria do pesquisador, mestre em práticas interpretativas, bacharel em violão com licenciatura plena em música, professor e camerista Wagner Meirelles Silveira (1973), que extraímos de publicação original no blog O Violão do Gonzaga.
Wagner tem se dedicado há mais de 20 anos em manter viva a memória de Gonzaga da Silva na história do violão nacional, editando, gravando e difundindo sua obra. Em 2016, publicou o livro Gonzaga e o violão - Do cangaço à universidade. Antes, em 1998, gravou pelo selo Niterói Discos o CD Wagner Meirelles - O Violão Brasileiro com 5 faixas dedicadas às composições de L. Gonzaga da Silva: Aprazível, Choromingo III, Orangotango, Samba Sincopado Nº 1 e Samba Sincopado Nº 2. Em 2000, integrou o disco Fazendo Música - 8 violonistas interpretam Luiz Gonzaga da Silva com as 2 primeiras faixas Sonata Brasil-Espanha e Aprazível.




No ano de 2008, a EdUFF publicou o álbum Luiz Gonzaga da Silva - 20 peças para violão solodo qual extraímos a seguinte avaliação assinada pelo Prof. Francisco Frias (Coordenador do Laboratório de Produção e Investigação Cultural ProMusic UFF):

“A diversidade cultural de nosso país construiu um universo de significados e expressões particulares de grande força, que se traduzem na essência de nossa própria brasilidade. A riqueza das migrações internas no Brasil, no momento histórico da cidade do Rio de Janeiro como capital federal, proporcionou o desenvolvimento de diversas manifestações estéticas e culturais singulares, num cenário intercultural. Nesse contexto surge a figura do músico alagoano Luiz Gonzaga da Silva, que escolhe o Grande Rio como foco do desenvolvimento de uma trajetória iniciada na infância e adolescência no coração do interior do Nordeste, que exerceu fortes influências sociológicas e antropológicas que enriqueceram seu trabalho como compositor, professor e artesão. Luiz Gonzaga se estabelece no Rio de Janeiro, onde expande o seu fazer musical através de estudos de harmonia e contraponto, de performances em diferentes formações e do ensino do violão em diversas instâncias acadêmicas. Nesse caldeirão de forças, influências e miscigenações, desenvolve uma linguagem particular na composição para o instrumento, que se soma a todo um movimento de enriquecimento da tradição brasileira, que tem o violão como símbolo primeiro de sua expressão musical. A Universidade Federal Fluminense faz no alvorecer do terceiro milênio o resgate histórico da constituição dessa expressão de nossa nacionalidade. A presente edição oferece vinte peças selecionadas de um acervo de mais de quinhentas obras, na certeza de estar contribuindo para a difusão de um dos criadores e instrumentistas mais representativos da história musical brasileira contemporânea".

(...)


— A Fábrica de "Pedra"

Por Wagner Meirelles

Aos 9 anos [Luiz Gonzaga da Silva] teve as primeiras noções de música, com o maestro João Ribeiro, que era freguês de sua mãe, uma das lavadeiras do local. No ano seguinte ganhou um violão e começou a tocá-lo sozinho. Seu pai, que era marceneiro, ensinou-lhe o trabalho com madeira. Assim, aos 12, além de ajudar a construir móveis, já tocava violão popular, tuba e bombardino na banda da cidade, banda esta patrocinada pela fábrica de linhas Agro Fabril Mercantil que usava a marca Padre Cícero.
Participou como violonista-mirim nas apresentações do grupo teatral Marquise Branca, que passou pela cidade; convidado a seguir com o grupo, não pode fazê-lo, devido a sua pouca idade.
Em uma das festas da companhia, estando o menino Luiz perto da banca da roleta, um homem de roupa cinza e chapéu azul pediu-lhe para comprar cigarros e, pra isto, lhe deu gorjeta. Quando chegou à casa, ouviu de seu pai que aquele homem era o cangaceiro Lampião, que por ali passava, acompanhado dos comparsas Corisco e Gato.
Em toda a sua adolescência observava os músicos locais tocando frevos, baiões, maracatus etc. e tentava imitá-los. Aos 15 anos iniciou-se na arte da luthieria com o construtor José Peba, que fazia violinos, violas e rabecas.
Gonzaga contava que, quando descobriu o artesão, começou a rodear-lhe a oficina; ao luthier não agradava a presença daquele garoto curioso que gostava tanto de madeiras e de instrumentos de cordas; mas, com o tempo o menino adquiriu-lhe a confiança e foi convidado a entrar para aprender o ofício. Depois de dominar os rudimentos do que viria a ser uma de suas paixões na vida, fez o primeiro violão, que não deu muito certo; mas em uma segunda tentativa o resultado foi razoável.
Fez também um cavaquinho para o cavaquinista Índio, seu futuro companheiro de trabalho no conjunto de música popular Seis Diabos, grupo formado por Gonzaga ao violão, Índio ao cavaquinho, um trombonista, um percussionista e o cantor/comediante Gordurinha. O grupo se apresentou em muitas cidades, como Mata Grande, Sobralzinho, Água Branca, Floriano Peixoto (antiga Piranhas), Jatobá (atualmente Petrolândia).
No fim de 1944, estando em Pedra, Gonzaga adoeceu: suas pernas começaram estranhamente a ganhar volume e a doer. Procurou tratamento no Hospital de Aracaju. Mas os médicos trataram a doença como se fosse sífilis, e, não se obteve resultado no tratamento. Gonzaga pensou até que iria morrer por causa da enfermidade, depois identificada como uma infecção causada por um micróbio da carne de porco. 
Este fato provocou uma guinada em sua vida: vendeu o pouco que tinha, dividiu o dinheiro com a família, e viajou para o Rio de Janeiro, hospedando-se inicialmente na Gávea, na casa de parentes de um amigo com quem viajou de Alagoas para o Rio de Janeiro. Durante três meses tratou-se no Hospital Miguel Couto. Curado, resolveu ficar no Rio, e foi morar em Inhaúma.
A partir de então, começa a história de Luiz Gonzaga da Silva e sua música, no Rio de Janeiro.


Fábrica da Pedra, Delmiro Gouveia (AL).














Playlist:





sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Luiz Gonzaga da Silva [Piranhas/AL, 1919; Niterói/RJ, 2006]



Luiz Gonzaga da Silva
Radicado no Rio de Janeiro, a partir do ano de 1945, Luiz Gonzaga da Silva (*1919+2006) foi violonista, compositor, luthier e professor, com passagem pelo Conservatório de Niterói e várias outras instituições, membro da Associação Brasileira de Violões (ABV), diretor musical da Sociedade Artística e Musical do Brasil (S.A.M.B.) e membro do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil — aliás, foi um dos primeiros professores de violão licenciados por essa instituição.

Nascido em Piranhas, Alagoas, há exatamente (09 de agosto) 98 anos, mudou-se ainda criança com os pais para a cidade de Delmiro Gouveia, onde iniciou seus estudos musicais aos 9 anos de idade. Aos 12, já tocava, além de violão, tuba e bombardino na banda de música da Companhia Agro Fabril Mercantil, do maestro João Ribeiro.

Atua musicalmente nesta região do alto sertão alagoano, além de cidades circunvizinhas na Bahia e Pernambuco até os 25 anos quando, acometido de doença “intratável” para a medicina local, vai em busca de melhoras em Aracaju e de lá para o Rio de Janeiro, onde encontrou a cura, estudos aprofundados na arte do violão, trabalho e reconhecimento por parte da comunidade violonística fluminense.


Banda de Música da Cia. Agro-Fabril Mercantil, Delmiro Gouveia/AL.

No ano de 1998, o músico Wagner Meirelles gravou pela primeira vez músicas do Luiz Gonzaga alagoano e a partir daí desenvolveu todo um trabalho de divulgação da história e obras do compositor, inclusive transformando essa pesquisa em sua tese de mestrado (2009), orientada por Turíbio Santos.

Em 2000, produziu o CD Fazendo Música, pelo selo Niterói, com 16 peças de Luiz Gonzaga da Silva, interpretadas por Célio Silveira (Choro “A” e Choro “B”), Marcos Llerena (Choramingo nº 14 e Um Falso Amor), Arthur Gouveia (Capelinha e Gingando), Sérgio Knust (Candura e Lealdade), Francisco Frias (Choramingo nº 9 e Saudade), Edgar de Oliveira (Ilda Cristina e Capricho n° 1) e Graça Alan (Colibri e Samba Sincopado). Além de produzir, Wagner ainda toca as duas primeiras faixas: Brasil-Espanha e Aprazível.




Em 2008,  a editora da Universidade Federal Fluminense (EDUFF) publicou o álbum Luiz Gonzaga da Silva — 20 peças para violão solo. O editor assim define a obra e o artista:


"Esta edição oferece 20 peças selecionadas de um acervo de mais de 500 obras, contribuindo para a difusão de um dos criadores e instrumentistas mais representativos da história musical brasileira contemporânea. Alagoano, Luiz Gonzaga escolheu o Grande Rio como foco do desenvolvimento de uma trajetória, iniciada na infância e adolescência no coração do interior do Nordeste, que exerceu fortes influências sociológicas e antropológicas, enriquecendo seu trabalho como compositor, professor e artesão".


Não obstante sua origem piranhense, identifico Luiz Gonzaga da Silva mais com a cultura musical de bandas da cidade de Delmiro Gouveia por ter ele “nascido para a música” em terras delmirenses através do maestro João Ribeiro, da banda de música da Companhia Agro-Fabril Mercantil, quando ainda muito jovem foi com a família lá residir.

Interessante notar que nas passagens em que o pesquisador Wagner Meirelles cita entrevista (p. 20) concedida, por exemplo, à AABB de Niterói, em 1994, Luiz Gonzaga da Silva refere-se à cidade natal como “antiga cidade de Piranhas, ‘hoje’ [1994] Floriano Peixoto”. Isto realmente ocorreu em 17 de outubro de 1939, através do decreto-lei federal nº 1686 que mudava o nome da cidade para Floriano Peixoto. Em 17 de setembro de 1949 pela lei nº 1473, portanto, cerca de 4 anos depois de Luiz Gonzaga da Silva trocar a cidade de Delmiro Gouveia pelo Rio de Janeiro, Floriano Peixoto voltou à antiga denominação: Piranhas. E assim permanece.

Concluindo, retransmito as palavras abalizadas de Fábio Zanon, outro grande violonista brasileiro, transcritas no livro do Wagner Meirelles Gonzaga e o Violão — Do cangaço à universidade:

"Personagens dos mais fascinantes que produziram música, enriqueceram o ambiente violonístico e alimentaram o anedotário da música carioca vieram do Nordeste; o fato não é de se estranhar, já que, na primeira metade do século XX, o Rio oferecia um mercado incomparável, não só no rádio e na noite, mas também na instrução musical e na formação de músicos. Assim, muito do sotaque inconfundível do samba, do choro e do violão-solo carioca foi mimetizado com a bagagem criativa trazida por migrantes nordestinos, como os cearenses Satyro Bilhar e José Menezes, os pernambucanos Quincas Laranjeiras e João Pernambuco, os maranhenses Turíbio Santos e João Pedro Borges, os baianos Nicanor Teixeira e Décio Arapiraca e o alagoano Luiz Gonzaga da Silva".


Por F. Ventura, agosto de 2017