sexta-feira, 27 de abril de 2018

Sonhador (Dobrado) — Oswaldo P. Cabral




(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)


Sonhador

Dobrado de Oswaldo Cabral (1900-1991)

Por Billy Magno[i]

Uma das composições de Oswaldo Cabral da chamada 1ª fase, anterior a 1942, quando o maestro se dedicava a compor obras de caráter unicamente militar. Vemos nesta peça um compositor já maduro, utilizando elementos típicos da marcha militar, mas flertando com outras formas como a habanera, o pasodoble espanhol e a música erudita, criando assim uma peça rica em textura e variedade timbrística e de concepção pessoal. Diferente do dobrado tradicional, onde a percussão desempenha um importante papel de impulso à marcha da tropa nos quartéis, em Sonhador isso não acontece, permanecendo ela calada por 32 compassos que repetidos se transformam em 64, tornando esse dobrado mais apropriado às salas de concerto, devendo também a isso ser chamado de dobrado sinfônico.
Este dobrado já existia no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL desde a época do maestro Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho (1895-1960), sendo sua filha, Gilda Melo Castro, uma dos copistas, escrevendo praticamente todo o dobrado, pois encontramos sua caligrafia nas seguintes partes: requinta, 1º clarinete (em 28/12/1943), 2º clarinete, sax soprano, barítono, bombardino, 1º e 2º trombones, 1ª trompa, 2ª trompa (em 05/01/1944), tuba Bb, tuba Eb e a parte de bombo e pratos (em 06/01/1944). O segundo copista é Manoel Pereira da Costa, o Manezinho Pereira (provavelmente, de Bom Conselho-PE), que também copiou as mesmas partes, sendo a de bombardino a única onde assinou nome, data e procedência[1]. Nas suas cópias não foram encontradas as partes de sax soprano, barítono, tuba Bb e bombo e pratos, mas existem partes que não constam das cópias de Gilda como: 1º e 2º pistons, 3ª trompa e um guia de regência em si bemol, que foram reconhecidos pela análise da sua caligrafia, assim como as cópias de Gilda, que também não assinou seu nome em todas.
No arquivo da Filarmônica Mestre Elísio, em Piranhas, ainda foram encontradas as partes de tuba Bb e barítono (essa constando o nome do autor) copiadas por Mestre Nozinho, que mesmo sem assiná-las foi reconhecido pelo mesmo processo. Sem data, as duas partes parecem ter sido escritas posteriormente, já na década de 1950.
Como dito anteriormente, o dobrado Sonhador seria o lado A de um 78 rpm, pois era sempre lembrado, ao contrário do seu verso, a valsa Haidée, do maestro Silva Novo (1889-1970). Este dobrado esteve por mais de 10 anos no repertório da Sociedade Musical Guarany na época do maestro Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Não havia solenidade entre o começo dos anos 1970 e fim dos anos 1980 em que não fosse ouvido nas ruas. O dobrado Sonhador foi tão executado por Bubu que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1º clarinete, uma delas.
Ele só seria resgatado em março de 1998, quando da minha viagem a Piranhas, ocasião em que também "repatriei” algumas outras peças do antigo repertório da Guarany.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente.
No início deste ano estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo para ir restaurando aos poucos sempre que houvesse tempo, quando, uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura[2]. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele, que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Mandei para ele as partes originais de Sonhador (com Haidée no verso) e a minha revisão de 1998 para que finalmente editasse o material.
Decorridos exatos 20 anos desde a minha ida à Piranhas, temos hoje a 1ª edição oficial desta obra do maestro, compositor e professor Oswaldo Passos Cabral. A obra foi totalmente restaurada e revisada pelo próprio Flávio, sob minha supervisão, num trabalho que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época sem prejuízo do material original. Também foram revisadas e mantidas as partes de sax alto (da revisão de 1979), sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone (da revisão de 1998), assim como foram acrescentadas na presente edição partes para flautim, flauta, oboé e clarone, reforçando o caráter sinfônico da peça e que não faziam parte da orquestração original da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, abril de 2018.

Oswaldo Passos Cabral

[Professor, Compositor e Maestro]



Nascido em Taperoá, pequena cidade ao sul do estado da Bahia, em 05 de fevereiro de 1900, inicia sua trajetória musical aos 8 anos de idade tocando trompa na Filarmônica Braz, na sua cidade natal.
Aos 18 anos, integrando as fileiras da Banda do 1º Corpo da Força Pública da Bahia, já se distinguia como auxiliar direto do regente, o Capitão Vanderlei, conceituado maestro de seu tempo.
Buscando ampliar sua experiência, muda-se para o Rio de Janeiro em 1925 e logo se matricula na Escola Nacional de Música, tendo o maestro José Siqueira (1907-1985) como professor de Harmonia, Contraponto e Fuga[3]. Seus estudos lhe dão aprovação nos exames finais dessas matérias e lhe abrem as portas para o ingresso na Universidade do Brasil na mesma escola, diplomando-se nos cursos de Regência, Composição, Instrumentação, História da Música e Folclore.
Em 1929, como violetista[4], entra para a Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro[5]. Anos depois seria membro da diretoria e bibliotecário, estabelecendo os primeiros contatos com Antônio Francisco Braga (1868-1945), à época também professor de música das bandas militares da Marinha.
Em 1933, por ato do ministro da Marinha Protógenes Pereira Guimarães, depois de obter o primeiro lugar em disputado concurso, sob selecionada banca que reunia os maiores valores musicais da época, como os maestros Nicolino Milano (1876-1962), Agostinho de Gouveia (?-1941), Orlando Frederico, Lorenzo Fernández (1897-1948) e Antão Soares (1894-1948); nas funções de professor e ensaiador,  assume Cabral o cargo que antes fora de Francisco Braga, realizando o primeiro concerto a 28 de julho e permanecendo na função por 37 anos[6].
Consolida a sua experiência com o magistério e regência em uma instituição militar, sendo, neste caso, um funcionário civil e já com tarefas relacionadas não só à preservação do patrimônio musical como também de culto aos símbolos e à identidade nacional, como indicado no Diário Oficial de 19 de fevereiro de 1937, ao designá-lo membro da Comissão de Hinos, para fixar os diversos hinos, entre os quais o da Independência e o da Bandeira. (DIÁRIO OFICIAL, 1937, p.3281).
Em 1942, sua trajetória musical dá uma nova guinada. É um ano considerado divisor de águas, onde ele volta sua produção à música erudita, iniciando com o poema sinfônico Riachuelo.
Entre 1958 e 1971 grava vários discos com a Banda dos Fuzileiros Navais, registrando neles algumas de suas composições, deixando a regência da instituição em 1970.
Em 1972, continuava ele ativo, como professor de Canto Coral e Teoria Musical, com aulas ministradas na sede da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Marinha, no bairro do Méier.
Em 1980, sob sua regência, finalmente estreia no Rio de Janeiro sua ópera Siloé, escrita em 1943, com libreto de Leôncio Correia e Silveira Neto, baseado em A Aia de Eça de Queirós, permanecendo mais de um ano em cartaz no Teatro João Caetano. Segue ativo até o fim dos anos 1980, tendo apresentado de 1979 a 1987 o oratório O Mártir do Calvário, no salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, no então Teatro do BNH (extinto Banco Nacional de Habitação) e, parcialmente, na Igreja dos Sagrados Corações, no bairro da Tijuca.
Falece a 1º de agosto de 1991, sendo sepultado no Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, deixando viúva sua esposa Maria da Glória Pinheiro Santos Cabral e vultosa obra que vai de (cerca de 160) hinos, marchas e dobrados a peças eruditas, exercitando formas como poema sinfônico, oratório e ópera. Iza Queiroz Santos[7] dizia de Cabral: "Oswaldo Cabral, modesto e tímido, de uma timidez que chega a parecer humildade".
Entre suas composições conhecidas estão os dobrados Alvorada, Flamengo, Salve Fuzileiros, Sebastopol, Exaltação à Pátria, Batuta e Sonhador, a canção Como é bom sonhar, os poemas sinfônicos Riachuelo (1942) e Exaltação à Vida (1955); o oratório O Mártir do Calvário (de 1929, mas reformulado e concluído anos depois) e a ópera em três atos Siloé (1943).
Era detentor das medalhas do Mérito Tamandaré e do Mérito Naval. Na Academia Nacional de Música ocupou a cadeira nº 41 (admitido em 07/04/1970) cujo patrono é Antônio Assis Republicano (1897-1960). Em 1977, inspirou a criação da Sociedade Oswaldo Cabral.





[1] “Manoel Pereira da Costa – Bom Concelho, 2 de setembro de 1945.” Nota: Concelho = grafia primitiva da palavra “conselho”, oficialmente em vigor até 1943.
[2] Nascido em Paulo Afonso-BA (1978), é músico da Filarmônica Mestre Elísio desde o ano de fundação. Atualmente realiza trabalho de recuperação e divulgação dessa história com a editoração do acervo da banda e pesquisa para a publicação do Álbum Histórico da Filarmônica Mestre Elísio.
[3] Revista Marítima Brasileira vol. 121 nº 10/11 Out./Dez./2001 (Rio de Janeiro: Centro de Documentação da Marinha).
[4] Executante de Violeta, outra denominação para viola de arco ou sinfônica (mais comum em Portugal).
[5] Fundada em 1912 pelo professor Francisco Nunes, catedrático de clarinete do Instituto Nacional de Música, chegou a ter 120 figuras e foi regida até 1935 pelo maestro Francisco Braga, apresentando mais de 200 concertos.
[6] Anderson de Rieti Santa Clara dos Santos - Pós-graduando em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduando em História Militar Brasileira pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
[7] (1890-1965) Professora, pianista e biógrafa de Francisco Braga



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)