Atualizada em 23/05/2019.
(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)
RISONHA
Mazurca de autor desconhecido (1911)
Por Billy Magno[i]
Originária da Polônia, Mazurca
designa uma dança feita por pares formando desenhos e figuras diferentes,
música tocada em ritmo vivo e compasso ternário (3/4 ou 3/8) com acentuação
característica no 2º e 3º tempo; “coreograficamente complexa, (...) mais
aristocrática do que a polca, afirmou-se como forma musical no século XIX através
de Frédéric Chopin [1810-1849] e outros compositores românticos”[1],
como Stanislaw Moniuszko (1819-1872).
A Mazurca
originou-se, aproximadamente, no século XVI na região da Mazóvia na Polônia
(...) e foi rapidamente adotada na corte polonesa, mas permaneceu como uma
dança folclórica. Espalhou-se eventualmente aos salões de baile russos e
alemães e, a partir de 1830, tinha alcançado a Inglaterra e a França. Como uma
dança de salão para quatro ou oito casais, a Mazurca mantém espaço para a improvisação.
O volume de Mazurcas composta para piano por Frédéric Chopin (cerca de 57)
reflete seu interesse na música de sua pátria, bem como a popularidade da dança
em seu dia.
A mazurca chega ao Brasil entre 1837
e 1851, a princípio como dança teatral no Rio de Janeiro, logo se espalhando
para todos os recantos do país, tendo seu auge durante a Belle Époque e
perdendo força ao final desta, na década de 1920, caindo em desuso até ser
praticamente declarada extinta tanto na Europa como no Brasil, sendo as
exceções Cabo Verde, onde ainda é praticada principalmente nas ilhas de Santo
Antão, São Nicolau e Boa Vista, e o condado de Nice na França.
Datada de janeiro de 1911, quando o gênero
vivia o seu auge, a obra aqui apresentada foi encontrada no antigo arquivo da
Sociedade Musical Guarany, na cidade de Pão de Açúcar-AL, e foi escrita no
verso do dobrado Silvino Rodrigues (em uma de suas primeiras versões).
Assim como o famoso dobrado, a mazurca
Risonha também não tem autoria conhecida. Neste caso, graças ao copista
da época que não creditou o compositor nas partes, se é que o reconhecia. Curiosamente,
em boa parte dessas peças anônimas, eles (os copistas), conscientes ou não da
importância de se legar o mínimo de referência sobre o uso desse material a
qualquer que no futuro se interesse pela história da formação do acervo de sua
instituição musical, apunham suas próprias assinaturas ou iniciais com alguma
indicação de local e data – o que não é o caso aqui.
Encontrada incompleta, faltando as
partes de 1º clarinete, 1º piston, 2º trombone, 2ª trompa em mi bemol,
bombardino, tuba em si bemol, tuba em mi bemol e percussão, esta peça estava
parcialmente preservada e sua recuperação tornou-se possível graças ao tipo de
orquestração empregado na época.
No início do século XX a instrumentação de uma banda de música comum do interior era composta em pares: requinta, 2 clarinetes, 2 pistons, 2 trombones, 2 trompas em mi bemol, tuba em si bemol, tuba em mi bemol (na época uma espécie de tuba chamada helicon, hoje em desuso) e percussão, sendo ainda possível algumas variações como o acréscimo do flautim em mi bemol, saxofones soprano e alto, bugle (hoje chamado de flugelhorn), tuba em dó e oficleide (em desuso desde os anos 1930, substituído pelo sax tenor).
Crianças polonesas dançam mazurca, cerca de 1900. (Acervo Tamara Kasavina) |
No início do século XX a instrumentação de uma banda de música comum do interior era composta em pares: requinta, 2 clarinetes, 2 pistons, 2 trombones, 2 trompas em mi bemol, tuba em si bemol, tuba em mi bemol (na época uma espécie de tuba chamada helicon, hoje em desuso) e percussão, sendo ainda possível algumas variações como o acréscimo do flautim em mi bemol, saxofones soprano e alto, bugle (hoje chamado de flugelhorn), tuba em dó e oficleide (em desuso desde os anos 1930, substituído pelo sax tenor).
O tipo de orquestração empregada na
maioria das peças dessa época era muito simples e funcionava da seguinte forma:
a banda era dividida em instrumentos de canto (normalmente as madeiras:
requinta, flautim, clarinetes, saxofones alto e soprano e metais, como os
pistons); contraponto (sax tenor, bombardino e barítono em si bemol); harmonia
(trompas em mi bemol e as vezes, os trombones, reforçando e ampliando a
harmonia quando não estavam dobrando a melodia dos pistons uma oitava abaixo);
e o baixo (feito pelas tubas). Quase não havia abertura de vozes na melodia
(quando havia era em terças paralelas), o que facilitava o trabalho do maestro
quando alguma parte se perdia e precisava ser refeita.
É por essa forma de orquestrar que
mesmo estando a obra incompleta ainda assim sua recuperação se torna possível,
bastando apenas que exista uma parte de canto, outra de contraponto, uma com a
harmonia e outra com o baixo. Em resumo, são necessárias uma parte de clarinete
ou piston (canto), bombardino ou barítono em si bemol (contraponto), trompa
(harmonia) e tuba (baixo) para que a peça possa ser recuperada. É este o caso
desta mazurca que apresenta das originais apenas sete partes remanescentes:
requinta, 2º clarinete, bugle, 1º saxhorn, 1º trombone, barítono e baixo em dó.
Maestro Abílio Mendonça |
Conduzia, então, a Banda de Música
Sociedade União e Perseverança quando da visita, em junho de 1910, do maestro da
“Philarmonica” piranhense José Emiliano de Souza que havia sido "chamado a
funcionar na 6ª noite da brilhante festividade do S.S. Coração de Jesus, cuja
noite estava no encargo do corpo commercial desta cidade" – conforme carta
datada de 8 de junho de 1910[3]. Entre
os vários agradecimentos do maestro José Emiliano, um é especialmente destinado
a "destinta corporação musical regida pelo hábil maestro Abílio
Mendonça" (A IDEIA, 1910).
Maestro José Emiliano de Souza
(Acervo Etevaldo Amorim)
|
Segundo Aldemar de Mendonça (1911-1983)[4],
em 15 de abril de 1911 é fundada a Banda de Música Euterpe de Pão de Açúcar,
tendo como maestro Abílio Mendonça e instrumentos comprados em Recife. Na
ocasião, um dos oradores foi o Dr. Bráulio Cavalcante (1887-1912)[5], sendo a cerimônia realizada no Politheama J. M. Goulart de Andrade[6].
Como fica claro, no ano em que a
mazurca Risonha foi copiada – e este é o termo, pois 1911 pode não ser o
ano original da composição – Pão de Açúcar dispunha de duas Bandas de Música, a
já citada Sociedade União e Perseverança (cujas pistas e citações encontradas
vão de 1905 a 1919) e a Euterpe de Pão de Açúcar, que ao que tudo indica teve
vida efêmera.
No tocante a peça musical em si há
uma curiosidade: apesar de se chamar "Risonha", ela foi escrita em
tom menor (Fá menor), o que sugere, a princípio, uma certa melancolia que se
dissipa na 2ª parte quando a melodia passa para o tom de Lá bemol maior, estabelecendo
a alegria que se mantém na 3ª parte, já na tonalidade de Fá maior para, em
seguida, retornar ao clima melancólico de Fá menor concluindo assim esta peça
musical.
Tem-se, portanto, uma peça escrita em
forma rondó: três partes com reexposição da primeira, cujo esquema formal seria
aproveitado e muito utilizado no choro dos primeiros tempos por vários autores
– entre eles, Pixinguinha (1897-1973)[7].
Na época, por escassez de papel
pentagramado, principalmente em cidades do interior, era comum o hábito de se
aproveitar o verso de uma música escrevendo outra, ficando assim como uma
espécie de disco 78 rpm com lado A e lado B, sendo neste caso esta mazurca o
lado B pois é sabido que depois de 1927 ela caiu no esquecimento, ao contrário
do dobrado Silvino Rodrigues que se transformaria num clássico do
repertório marcial e até hoje é executado pelo Brasil.
A primeira revisão desta obra data de
outubro de 1927 quando foi acrescentada uma parte de 2º piston (na realidade, a
de bugle, hoje chamado de flugelhorn, já existente em 1911) e uma de baixo em
dó datada de 21 de outubro de 1927 grafada “Basso C” – à maneira italiana – e
assinada pelo então maestro Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho (Villa
Nova, atual Neópolis-SE, 17/10/1895 – Maceió-AL, 18/04/1960), sendo a única das
partes de tuba que sobreviveu.
A segunda revisão ocorreu em março de
1995 realizada por mim, onde foram refeitas as partes faltantes de 1º
clarinete, 1º piston, 2º trombone, 2ª trompa em mi bemol, bombardino, baixo em
si bemol e baixo em mi bemol e acrescentadas as partes de sax alto e sax tenor.
A terceira e mais recente foi também
realizada por mim em outubro de 2015, onde ampliei a orquestração acrescentando
as partes de flauta, 3º clarinete, sax barítono, 3º piston, 3º trombone e 3ª
trompa, além de novamente revisar as originais de 1911 que chegaram até aqui:
requinta, 2º clarinete, bugle (2º piston em 1927), 1º trombone (a única com
data, aqui transcrita textualmente: “17 de janneiro de 1911”), 1ª trompa em mi
bemol, barítono em si bemol e baixo em dó (também oriunda de 1927), assim como
as de 1º clarinete, 1º piston, 2º trombone, 2ª trompa em mi bemol, baixo em si
bemol e baixo em mi bemol, bombardino, sax alto e sax tenor da revisão de 1995.
Finalmente, após 107 anos desde as
primeiras cópias, apresentamos a edição definitiva, resultado do meu trabalho em
parceria com Flávio Ventura[8].
Foram eliminados os tradicionais erros e enganos contumazes dos copistas da
época (principalmente na parte harmônica), realçando toda a beleza desta obra e
assim revivendo um gênero musical em voga há um século e hoje completamente
desaparecido.
São
Paulo, setembro de 2018.
♫
Referências
A Ideia: Orgão Litterario Noticioso e
Humoristico (AL). Pão de Açúcar, 12/06/1910. Disponível
em:<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=402060&pesq=Jos%C3%A9%20Emiliano&pasta=ano%20191>
Acesso em: 17 de agosto de 2018.
Barros, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário
Biobibliográfico, Histórico e Geográfico das Alagoas. [PDF]. Edições do
Senado Federal: Brasília, 2005. p. 233.
Encyclopaedia Britannica. Mazurka –
Dance. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/mazurka>
Acesso em: 27 de agosto de 2018.
Glossário de termos e expressões
musicais. Mazurka. Disponível em:
<https://www.meloteca.com/dicionario-musica.htm > Acesso em: 10 de maio
de 2018.
Mendonça, Aldemar de. Pão de Açúcar -
História e Efemérides. 2a. edição, revista e ampliada por Amorim, Etevaldo
Alves. Maceió AL: Ecos, 2004.
Sadie, Stanley (org.). Grove
Dictionary of Music and Musicians, s/d. [Word]. p. 1622.
Sant’Ana, Moacir Medeiros. Efemérides Alagoanas. Maceió: Instituto
Arnon de Mello, 1992.
Wikipedia, a enciclopédia livre. Mazurca. Disponível em: <https:\\pt.wikipedia.org\wiki\Mazurca> Acesso em: 23 de maio de 2018.
Wikipedia, a enciclopédia livre. Mazurca. Disponível em: <https:\\pt.wikipedia.org\wiki\Mazurca> Acesso em: 23 de maio de 2018.
[1] Glossário de termos e expressões musicais. Mazurca.
Disponível em: <https://www.meloteca.com/dicionario-musica.htm > Acesso
em: 10 de maio de 2018.
[2] Encyclopaedia
Britannica. Mazurka – Dance. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/mazurka>
Acesso em: 27 de agosto de 2018.
[3]
Publicada em 12/06/1910 em A Ideia, jornal de propriedade de Álvaro
Machado (1886-1956) que circulou em Pão de Açúcar entre 1909 e 1911.
[6]
Teatro da época — homenagem ao engenheiro, geógrafo, jornalista, poeta, cronista, romancista e dramaturgo alagoano José Maria Goulart de Andrade (Porto de Jaraguá, Maceió,
06/04/1881 — Rio de Janeiro, 19/12/1936).
[7]
Alfredo da Rocha Vianna Jr. nasceu, viveu e morreu no Rio de Janeiro-RJ.
Compositor, arranjador, maestro e instrumentista. Considerado o maior
compositor de choro de todos os tempos.
[8]
Nascido em Paulo Afonso-BA em 1978. Pesquisador e músico na Filarmônica Mestre
Elísio da cidade de Piranhas-AL
[i]
BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de
Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na
adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na
profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo
Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e
regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone)
e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de
arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com
David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na
qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em
junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: <http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php>)