segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Dobrado Américo C. Barbosa (1919) — por Benedicto Raymundo da Silva

Revisto e atualizado em 27 de agosto de 2020 às 12h24min


(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

Américo Castro Barbosa
(1903-1967)
Por Billy Magno[i]

"Em Pão de Açúcar todo mundo é músico". A frase atribuída ao magistrado e músico Dr. Antônio Arecippo de Barros Teixeira (1868-1928), que chegara a cidade em 1910 e lá viveria até 1922, não era um exagero e sim uma constatação.
Naquele início de século XX a plaga de Jaciobá segundo o escritor Aldemar de Mendonça (1911-1983) era despertada por suas duas bandas de música: a Sociedade União e Perseverança — regida em épocas distintas pelos maestros Livino de Paiva Mazoni, conhecido como Livino Bahia (1880-1940) em 1905, Abílio Mendonça (1879-1963) em 1910, Emídio Bezerra Lima (1865-1931) em 1915 e Manoel Victorino Filho (1895-1960) a partir de 1917 — e a Euterpe de Pão de Açúcar regida por Abílio Mendonça em 1911, cada uma contribuindo para que em pouco tempo a cidade se convertesse num centro musical pronto a exportar músicos para os mais distintos e distantes pontos do país.
Foi nesse cenário que anos antes em 3 de dezembro de 1903 veio ao mundo Américo Castro Barbosa, fruto da união do casal Manoel Victorino Barbosa — um guarda de linha que anos depois, em 1917, seria um dos poucos sobreviventes do naufrágio da lancha Moxotó que afundara devido à forte tempestade no rio São Francisco[1] — e a senhora Olympia Castro Barbosa.
Tinha como irmãos o já citado Manoel Victorino Filho, chamado na juventude de Nozinho (ou Nouzinho) do guarda e que se tornará ao longo do tempo o Mestre Nozinho, incansável fazedor de músicos a partir de 1917, José Castro Barbosa, conhecido como Duda (1901-1969) e Genny Castro Barbosa, que mesmo não exercendo a profissão também era copista.
Todos tinham sólida formação musical e como instrumento comum o violino, sendo que cada um, com exceção de Genny, também se destacava num instrumento de sopro: Nozinho era executante de pistom, Duda tocava trombone e também bombardino, enquanto Américo (chamado de Mimi) se dedicava ao clarinete e a requinta.
Ele, ao que tudo indica, ingressara na banda Sociedade União e Perseverança ainda muito jovem, por volta de 1914.
Já em 1917 é fotografado ao lado dos irmãos numa das primeiras formações da banda que contava ainda com o escultor e fotógrafo João Lisboa (1900-1990) tocando helicon (instrumento hoje em desuso) e em 1919 constava como executante de requinta, além do clarinete.
Nesse mesmo ano se torna copista, passando para a pauta uma infinidade de valsas, maxixes e dobrados, muitos deles de autoria do notório compositor alagoano Benedicto Raymundo da Silva (1859-1921) e outros de autores desconhecidos.
Ainda nesse ano, junto com os irmãos e outros músicos como o clarinetista José Bento Lima, o maestro Abílio Mendonça e músicos diletantes como Álvaro Melo (1891-1963), o tabelião Josué Duarte de Albuquerque (1893-1975), o comerciante e poeta José Mendes Guimarães (1899-1968) e vários outros, formam um grupo denominado A Batuta, que interpretavam valsas, sambas e choros brejeiros, além de outros gêneros em voga na época.
O trabalho como copista e músico de banda permanece até mais ou menos 1922 quando se transfere para Maceió.
Na capital do estado passa a assinar Américo Castro suprimindo o Barbosa e sobrevive tocando em pequenas orquestras e jazz bands que atuam principalmente em cinemas como o Cine Floriano, Capitólio, Odeon, Delícia e Ideal. Nessas orquestras terá a companhia do pianista e compositor Antônio Paurílio (1906-1972) e de conterrâneos como o violinista e artista plástico Zaluar Sant’Ana (nascido em 1904), seu colega de infância e Manoel Passinha (1908-1993), multi-instrumentista, futuro compositor e maestro, chegado à capital em 1924 e que no ano seguinte integrará as fileiras da banda de música do 20º B.C., sendo licenciado pouco depois, mas que de 1933 a 1959 integrará novamente o quadro de músicos, assumindo a batuta em meados dos anos 1940 e tendo seu nome definitivamente ligado a banda do 20.
Américo, em pouco tempo se torna um profícuo e versátil compositor, escrevendo marchas, dobrados, valsas, maxixes, tangos, foxes e choros.
Em 1929, tem a valsa Sentimentos do Coração, com letra do poeta Fernandes da Costa, editada; forma sua própria orquestra, a A.C. Jazz Band e compõe Miss Alagoas — uma valsa jazz (jazz waltz) — por ocasião do festejado concurso patrocinado pelo Jornal de Alagoas, ocorrido em 20 de março na Academia do Comércio em que se sagrou campeã a bela Helena de Miranda Taveiros.
Em 1937, compõe para o carnaval, em parceria com Wandeck Lemos, uma marcha que chamou de Chamego; era a dupla Sabiá (Wandeck) e Curió (Américo).
Em 1938, fica em segundo lugar no concurso de marchas para o carnaval daquele ano promovido pelo Jornal de Alagoas com o frevo-canção "Eu fiz que não vi", música e letra suas e um grande sucesso pela Jazz Band Capitólio, vencendo o certame o compositor Aristóbulo Cardoso (1889-1945) com a marcha "Buena Dicha".
Desde o final de 37 Américo havia se transferido para o Rio de Janeiro. Na então capital federal e cultural do país é acolhido por seu irmão Duda que tinha chegado em 1921 e agora tocava seu trombone em orquestras de navios transatlânticos (abandonaria a profissão em 1945 passando a exercer a advocacia). Breve arranjaria emprego com outro alagoano, Octaviano Romeiro[2], chegado uma década antes e agora conhecido como o famoso chefe de orquestra Fon-Fon, que o contrata, agora como contrabaixista.
Américo então passa a excursionar com a orquestra e a gravar com regularidade e em 1941 sai em turnê pela argentina, permanecendo um ano. Na volta, a orquestra é contratada pela Odeon, ficando encarregada de acompanhar as gravações dos artistas da gravadora.
De 1942 a 1947 Américo, como membro regular da orquestra que tinha músicos excepcionais — como o clarinetista Aristides Zacarias (1911-2000), o trompetista Pernambuco (Ayres da Costa Pessoa, nascido em 1918), o pianista Fats Elpídio (1913-1975) e o baterista Moisés Friedman, entre outros —, participa de gravações com os grandes cartazes da época: Francisco Alves (1898-1952), Ataulpho Alves (1909-1969), Aracy de Almeida (1914-1988), Dircinha Batista (1922-1999), Emilinha Borba (1923-2005) e as duplas Jararaca (1896-1977) e Ratinho (1896-1972) e Joel (1913-1993) e Gaúcho (1911-1970) entre outros.
Em 1946, tem seu choro "Aguenta a Mão" gravado com sucesso pela orquestra na Continental e no ano seguinte segue com Fon-Fon em turnê pela Europa onde gravam um disco pelo selo London em 1950: Fon-Fon et la musique du Brésil ironicamente nunca seria editado no Brasil.
Com o falecimento do maestro em plena turnê, retorna ao Brasil e passa a integrar a orquestra do maestro Carioca (Ivan Paulo da Silva, 1910-1991) então contratada da rádio Tupi do Rio de Janeiro e no ano seguinte tocam em Montevideo no Uruguai com bastante sucesso.
Em 1954 participa de um conjunto formado somente para gravações sob liderança de Juca do Acordeom[3] que registra pela gravadora Sinter o seu Corridinho n.º 100 em parceria com Ary Vieira e em julho tem a sua composição Baião da despedida, também com Ary lançada em selo Columbia pela cantora Claudete Soares (nascida em 1937), então iniciando carreira.
Não encontramos nenhuma informação sobre suas atividades nos últimos doze anos até falecer em 1967 deixando várias composições, muitas ainda inéditas.




Dobrado Américo Castro Barbosa
De Benedicto Raymundo da Silva (1919)
                                                          
O Acervo Antônio Melo Barbosa é a rica fonte que embasa as edições que realizamos desde fevereiro de 2018 e tornamos públicas em banco de partituras on-line. As partituras têm revelado mais do que simplesmente um repertório de época, mais do que o processo de criação de uma peça musical de finalidade didática ou para um evento específico, uma data festiva do calendário municipal. Revelam, por exemplo, que no ano de 1919, um adolescente de 15 anos, músico recém-iniciado e copista da banda recém-criada por seu irmão mais velho, teve a honra de dar seu nome a um produto musical de nada mais nada menos que o maior compositor de música para bandas já nascido em Alagoas, o extraordinário Benedicto Raymundo da Silva (1859-1921).
Sabemos que, em Maceió, o compositor, nessa época com 60 anos de idade, já em fim de carreira, vendia sua produção para subsistência da família e, aparentemente, não mantinha controle para fins de levantamento do patrimônio musical a partir do momento em que entregava sua peça para o comprador. O fato é que o dobrado Américo Castro não se encontra listado entre as obras de Benedicto Silva no livro Benedito Silva e sua época (1966) do pesquisador Moacir Medeiros de Santana. 
A presença do magistrado-músico Antônio Arecippo de Barros Teixeira (1868-1928) na cidade de Pão de Açúcar no período 1910-1922, provavelmente explica a ocorrência de várias obras de Benedicto Silva no acervo pão-de-açucarense.
Vindo da cidade de São José da Laje, a 100 km de Maceió, para assumir o posto de juiz titular de Pão de Açúcar, dr. Arecippo frequentava a capital nas férias e possivelmente gozava da amizade do compositor maceioense desde a década de 1880, época de sua formação intelectual e musical, do Colégio Bom Jesus e do Liceu Alagoano, e ainda colaborador de jornais.
O compositor e regente, então conhecido por Benedicto Piston, vivia o auge de sua carreira e mereceria homenagem de seu admirador de São José da Laje que ao criar em 1904 sua própria banda nomeou-a Benedicto Silva ou Beneditina. Pelo menos é o que deduzimos quando entramos em contato com essas partituras centenárias e, somando ao testemunho dos contemporâneos (que escreveram sobre a cidade e os citadinos) mais as informações recolhidas na tradição oral, reconstruímos os passos dos personagens que as nomeiam, copiam, arranjam, enfim, subscrevem as partituras, revelando o ambiente que as produziram mais do que pode sugerir apenas a notação das frequências sonoras e símbolos num pentagrama.
 Portanto, o dobrado Américo Castro Barbosa surge nesse momento em que a cidade de Pão de Açúcar vivia o processo de efervescência musical com a atuação dos maestros Livino Mazoni, Abílio Mendonça, Emídio Bezerra Lima e Manoel Victorino Filho[4] — que preparam o ambiente mais tarde reconhecido como celeiro de grandes músicos.
Por enquanto, interessa-nos o período de formação musical do copista Américo nesta localidade no sertão de Alagoas às margens do Rio São Francisco, outrora conhecida pelo poético nome “Jaciobá - Espelho da Lua”, como a chamavam os índios Uramaris na época do descobrimento.
No início do século XX os Castro Barbosa viviam sua primeira geração de família de músicos violinistas que também dominavam instrumentos de sopro: os irmãos Manoel, José, Américo e Genny.
Manoel se tornaria um ícone da música nesta região do Baixo São Francisco, o grande Mestre Nozinho, formador de mais de uma centena de músicos que fizeram nome nas orquestras e bandas militares Brasil afora; José, que em Pão de Açúcar era chamado de  “Duda”, revela-se mais tarde, no Rio de Janeiro, bandleader em navios transatlânticos até 1945, quando troca a música pela advocacia e passa a atender como o Dr. José Barbosa; Genny, a despeito de seu talento, não exercia música profissionalmente (e era a única a não tocar instrumento de sopro), já Américo marcará presença no cenário nacional como compositor e contrabaixista, coadjuvando na banda de outro alagoano célebre, o maestro Fon-Fon[5].
Em 1919, o jovem clarinetista Américo auxiliava o irmão mestre de banda quando, em 31 de outubro, iniciou a cópia do dobrado Américo Castro Barbosa pelas partes de requinta, 1.º clarinete, 1.º pistom, barítono, bombardino, baixo em si bemol e bateria; em seguida, 2.º clarinete e 2.º pistom, no dia 1.º de novembro. Desse dia há ainda cópias para trombones e helicon não assinadas que, pela análise da grafia, reputamos ao Mestre Nozinho. A escrita dele difere da de Américo na extensão das hastes (bem mais longas), colchetes à esquerda e nas notas das linhas suplementares o traço não atravessa a cabeça da nota ou haste, seguindo sempre do centro para a direita (de quem vê). O traço de Mestre Nozinho é caracteristicamente mais econômico, o que, obviamente, resulta numa partitura com menos manchas.
Ajuntada à cópia de Américo chegou a nós partes extras com datas variadas e copistas não identificados (um deles deixou somente as inicias M F S), como uma nova parte para o segundo pistom escrita na década de 1940 (provavelmente, 1945) por Gilda Melo Castro (1927-1960), filha do maestro; parte reduzida para 4 trompas com data de 12 de novembro de 1923, baixo em dó datada de 13 de agosto de 1926 e baixo si bemol de 18 de agosto de 1928; estas três últimas copiadas por Mestre Nozinho que, posteriormente, em 18 de junho de 1945, acrescenta uma parte para saxofone alto. Aliás, a introdução dos saxofones na banda de Pão de Açúcar ocorreu somente em 1931 com a chegada do saxofone alto e mais ou menos 35 anos depois das primeiras cópias desses arranjos encontrados no acervo de Tonho do Mestre chegaria o saxofone tenor. A instrumentação padrão constituía-se de requinta, clarinetes, pistons, trombones, saxhornes alto (trompa em mi bemol) e barítono em si bemol, bombardino, helicon, caixa, bombo e prato a 2.
Na forma padrão A-B-A-C, o dobrado Américo Castro Barbosa apresenta-se na tonalidade de Lá bemol maior. Após uma breve introdução, a seção A se desenvolve do compasso 10 ao 31, quando para a seção B modula no tom da dominante para retornar ao compasso 26 e fazer o salto para a Coda (compasso 74).  Curiosamente, não há ritornelos nas seções A-B e o retorno se dá para a segunda parte da seção A (compasso 26) e não como é mais comum para o compasso inicial da seção. Um interlúdio (compassos 74-92) em que os tenores e baixos em uníssono são acompanhados pelos altos num ostinato ritmo característico antecede a preparação para o Trio no tom da subdominante. Uma frase sincopada soa no baixo seguida pelo tuttipreparando a seção C (o Trio), ambiente em que os trompetes em uníssono entoam a melodia principal simultaneamente à contramelodia das madeiras que se movimentam em sentido oposto.
Para além desse serviço de recuperação de um acervo musical, mais do que restaurar partituras antigas, pretendemos com essas edições contar a história das bandas (da cidade de Pão de Açúcar, em particular) através da assimilação desse repertório, seus usos nas datas capitais para a cultura local e como elas resistiram ao tempo e aos humores dos colecionadores particulares até sua redescoberta e o processo de recuperação e disponibilização para a banda atual. Resgatando o ambiente histórico e personagens envolvidos, adaptamos as peças para a banda moderna, o que implica acrescentar instrumentos que não eram comuns na banda de origem, para a qual foram arranjadas — como, por exemplo, flauta e saxofones alto, tenor e barítono.
Resgatamos, assim, mais uma obra do compositor fundamental para a história das bandas em Alagoas, restaurada e disponibilizada para as bandas no tempo exato em que se comemora 160 anos de seu nascimento — maestro Benedicto Raymundo da Silva.



Benedicto Raymundo da Silva

Cronologia

 

1859 – Filho de Francisco Antônio da Silva e Luiza Romana da Conceição[6], Benedicto Raymundo da Silva nasce a 31 de agosto na cidade de Maceió.

1870 – Destaca-se, aos 11 anos, como jovem instrumentista iniciado pelo pai que desde muito cedo, mesmo antes de o filho ter vida escolar, encarrega-se de sua educação musical.                                                                                          
1877 – Integra a Banda dos Artistas, da Sociedade Recreio Filarmônico Artístico (fundada em 15 de agosto de 1876), do notável maestro Valério de Farias Pinheiro (185? -1895). Pistonista virtuoso, passa a ser conhecido pelo nome artístico de Benedicto Piston.

1884 – Assume a regência da Filarmônica dos Artistas, substituindo o maestro Valério Pinheiro que mudara sua residência para a cidade do Pilar, onde dirige a Euterpe Pilarense (fundada em 1880).
                                                                                       
1885 – Transfere-se para a Sociedade Filarmônica Minerva (fundada em 1.º de novembro de 1885), conduzindo essa corporação até 15 de março de 1887[7].

1887 – Readmitido pela Sociedade Filarmônica Minerva, protagoniza (em outubro), junto com o maestro Valério Pinheiro, da mais célebre batalha musical já travada por duas bandas alagoanas. É a partir deste ano que seu nome passa a aparecer nos jornais com maior frequência, tanto por mérito artístico quanto pelo episódio com o professor Valério que havia regressado a Maceió e conduzia, na ocasião, a Filarmônica dos Artistas na Festa dos Martírios.

1888 – Inspirado na abolição da escravatura, compõe o que hoje é uma das suas mais antigas produções impressas, a grande valsa para piano O Brasil Livre.

1889 – É impressa a polca Cysne Maceioense pela Tipographia e Lytographia Norte (Maceió).
10 de setembro: envolve-se em nova contenda quando a Banda de Música Minerva e a Filarmônica dos Artistas “estiveram na iminência de se encontrarem e decidirem-se por meio de armas de que cada uma estava melhor provida", segundo notícia publicada no jornal O Liberal do dia seguinte e em parte contestada dias depois pela diretoria da "Minerva". (SANT’ANA, 1966)

1890 – É regente da Banda de Música da Escola Central, educandário fundado em 1887 pela Sociedade Libertadora Alagoana, inicialmente destinado à educação dos escravos e de menores abandonados e dirigida – sem nenhuma remuneração – pelo professor Francisco Domingues da Silva, grande abolicionista alagoano. 

1892 – De seu casamento com Odorica Augusta da Silva, nasce às 14 horas do dia 4 de outubro, na Rua Barão de Maceió, o filho Benedicto.

1893 – Conduz a Sociedade Filarmônica Minerva na abertura da temporada de concertos, em 30 de julho, no jardim da Praça da Matriz. Ainda neste ano, passa a reger a Banda de Música da Sociedade Beneficente Euterpe Alagoana, substituindo Pedro Adolpho Diniz Maceió (maestro e clarinetista falecido em 1906).

1894 – Vence a concorrência pública para a escolha da música do hino oficial do estado de Alagoas. Foram apresentadas, perante comissão julgadora e público numeroso, 9 composições, no dia 27 de maio. Apesar da aclamação popular obtida pela composição de Benedicto Silva, o governador Gabino Besouro (1851-1930)[8] aguardou o juízo da comissão especialmente formada e, no dia 6 de junho de 1894, assina o decreto-lei que institui a música do maestro Benedicto Raymundo da Silva e versos do bacharel e poeta Luiz Mesquita (1861-1918) como hino oficial do Estado de Alagoas.

1895 – Dirige a banda da Sociedade Beneficente Euterpe Alagoana. No dia 4 de novembro, nasce seu filho Carlos.

1896 – A 22 de outubro nasce João, seu terceiro filho da união com dona Odorica.

1898 – É mencionado por O Orbe — que notifica a popularidade de sua obra, na edição de 30 de setembro — com um inusual prenome composto, nos seguintes termos: “Os discursos eram seguidos da execução do bello hymno do Estado das Alagoas, composição do maestro Benedicto Hippolyto Raymundo da Silva”. Em 24 de dezembro, nasce-lhe o quarto filho, Manoel.

1899 – Conduz a Banda da Escola de Aprendizes Marinheiros, onde vem ser seu aluno o jovem João Ulysses Moreira[9], tocando pistom.

1900 – Em 2 de fevereiro à rua Pedro Paulino, então residência do casal Silva, Odorica dá à luz Maria, conhecida mais tarde por Marieta.

1901 – No dia 9 de março, nasce Elysio Rodrigues da Silva, o sexto filho.

1903 – Em Recife, é rescindido seu contrato de ensaiador do 40.º Batalhão de Infantaria[10]. No estado do Amazonas, é saudado pelo jornal manauense O Debate, que o felicita por proporcionar à comunidade a execução de rico repertório[11].
De volta a Maceió, em 20 de setembro, é contratado para reger a banda do batalhão policial (hoje banda de música da PM-AL) pelo seu comandante, o tenente-coronel Salustiano Sarmento, onde permanecerá até 28 de agosto do ano seguinte.

1904 – É impressa pela Casa Préalle & Cia (Recife) a valsa As Proezas de Ataíde.

1906 – Publica pela primeira vez uma composição num veículo de circulação nacional. A valsa O Malho sai na edição n.º 200 do dia 14 de julho da revista homônima carioca. É a primeira publicação de uma série que alternadamente se manterá até 1917.

1908 – Colabora com o autor teatral Manuel Rodrigues de Melo (1876-1946)[12] na revista de costumes Maceió na Rua, estreada com grande sucesso em 13 de fevereiro no antigo Teatro Maceioense[13].

1909 – Publica na edição do dia 29 de maio da revista O Malho (Rio de Janeiro) a valsa Álvaro Craveiro. Antes, em abril, compõe o Hino do Tiro Alagoano.
         11 de outubro: a Ordem do dia N.º 22 que incorpora o Tiro Alagoano (criado em 1908) à Confederação Brasileira de Tiros de Guerra, também inclui o maestro Benedicto Silva no efetivo, como músico, no posto de 2.º tenente da 1.ª Companhia, do 1.º Batalhão (o 20.º B.C.).

1911 – Na edição de 11 de março de O Malho, apresenta a valsa Pedro Taveiros.
15 de abril: estreia, no recém-inaugurado Teatro Deodoro, a nova revista de Rodrigues de Melo Maceió Moderno, para a qual compôs 22 músicas.
13 de maio: é publicada n’O Malho mais uma valsa de sua autoria: José Soares dos Prazeres

1912 – Com a extinção da Banda do Batalhão de Polícia, onde era maestro contratado, tem por encerrada sua carreira de regente de banda.

1916 – Na edição n.º 710 de 22 de abril de O Malho, apresenta a valsa Nina Taveiros.
Antes, em março, no domingo de carnaval, o Clube do Sururu desfila entoando sua canção composta por Benedicto Silva em parceria com o dr. Virgílio Guedes[14]. “Para musicar suas canções, o Sururu pagou ao Benedicto Silva a quantia de 50$000 [50 mil réis], uma pequena fortuna para a época. ” (LIMA JUNIOR, 1953)

1917 – Compõe a marcha Gabino Besouro.
            Na edição n.º 750, de 27 de janeiro de 1917, da revista O Malho, apresenta o schottisch X.X., classificado no concurso musical organizado pela revista, em 1916, sob o n.º 40 do grupo II. Esta é a última vez que uma obra sua é publicada pela revista carioca, encerrando assim um ciclo de 11 anos.
            16 de setembro: em evento cívico no Teatro Deodoro, é executado o Hino do Centenário (da emancipação política de Alagoas), composto especialmente para esta data, com letra de Jaime de Altavila[15].

1920 – Compõe neste ano o que será uma de suas últimas obras, o dobrado Regresso do 20.º B.C. a Alagoas, quando da volta deste batalhão da viagem à Bahia para onde seguira com o intuito de abafar uma revolução.

1921 – Falece no dia 14 de maio. A câmara de vereadores de Maceió o homenageará postumamente, conferindo a uma rua no bairro de Bebedouro o nome do grande maestro alagoano.

1922 – Através de um projeto de lei do deputado José Avelino Silva, é concedida pela câmara de deputados de Alagoas uma pensão vitalícia a viúva Odorica Augusta da Silva.

1947 – Em 28 de novembro, é concedido o prêmio Benedicto Silva ao melhor valor artístico dos calouros de 1946. Oferecido pela direção do colégio Guido de Fontgalland, o prêmio é conquistado pelo estudante Geraldo de Majela Melo Fortes[16].

1957 – O Hino do Estado de Alagoas, composto há 63 anos, é gravado pela Banda da Polícia Militar de Pernambuco.

1966 – O pesquisador Moacir Medeiros de Sant’Ana[17] publica estudo biobibliográfico inédito, intitulado Benedito Silva e sua época, em que avalia o maestro como “o mais brilhante e fecundo talento musical de Alagoas, (...) um indisciplinado que rompeu com alguns esquemas da música popular em voga, assim como as convenções da sociedade da época”. (SOARES, 1999. p. 72)

1978 – Os maestros Regis e Rogério Duprat, em pesquisas realizadas para a série Três séculos de música brasileira – valsas e polcas, gravam para a Copacabana discos as valsas Francisco Calheiros (Francisca na anotação de Moacir Medeiros de Sant’Ana), de 1893, e Ferreira D’Almeida (na pesquisa realizada por eles, datada de 1904).

1983 – A Banda de Música da FENABB (Federação nacional das associações atléticas Banco do Brasil) registra no LP Banda de Música de ontem e de sempre o schottisch Os Boêmios.
           Numa ação conjunta da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Arquivo Público de Alagoas (APA) e Secretaria de Cultura (SEC) é publicado o livro Benedito Silva – Valsas – Polcas – Schottisch, contendo algumas de suas composições para piano.
            
1991 – A Banda de Música da FENABB registra no LP Banda de Música de ontem e de sempre Vol. II a polca José e Ritinha brincando – composição de 1913.




REFERÊNCIAS


ABC DAS ALAGOAS on-line. Disponível em: <http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php> Acesso em: 29 de novembro de 2018.

BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário Biobibliográfico, Histórico e Geográfico das Alagoas. Edições do Senado Federal: Brasília, 2005. PDF. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1104> Acesso em: 2 de maio de 2018.

DEBATE: ÓRGÃO POPULAR (AM), O. Ano 1903. Edição 0001. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/716618/7> Acesso em: 14 de dezembro de 2018.

DICIONÁRIO CRAVO-ALBIN. Fon-Fon. Disponível em: < http://dicionariompb.com.br/fon-fon> Acesso em: 30 de agosto de 2019.

LIMA JUNIOR, Félix. Carnaval de 1903 em Maceió. Diário de Pernambuco, Recife, 15 fev. 1953. 2ª seção, Edição 00039. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/029033_13/14675> Acesso em: 2 de dezembro de 2018.

LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando amor e tradição – As bandas de música em Alagoas. Maceió: Editora Viva, 2016.

MANGIONE – 80 Anos de Música Brasileira. Américo de Castro Barbosa (Américo Castro). Disponível em: <http://mangionemusicas.com/catalogo.asp?searchBy=6&searchValue=Am%E9rico%20de%20Castro%20Barbosa> Acesso em: 30 de agosto de 2019.

MOCIDADE: REVISTA PARA A MOCIDADE ESTUDIOSA (AL). Ano 1948. Edição 00011. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/761648/367> Acesso em: 02 de dezembro de 2018.

PROVÍNCIA: ÓRGÃO DO PARTIDO LIBERAL (PE), A. Ano 1903. N.º 173. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/128066_01/13803> Acesso em: 02 de dezembro de 2018.

SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Benedito Silva e sua época. Maceió: SENEC/Arquivo Público de Alagoas, 1966.

SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA-AL. Hino de Alagoas. Disponível em: <http://www.cultura.al.gov.br/politicas-e-acoes/pro-bandas/hino-de-alagoas> Acesso em: 24 de agosto de 2017.

SOARES, Joel Bello. Alagoas e seus músicos. Brasília: Thesaurus, 1999.




[1] A localização exata do naufrágio ocorrido em 10 de janeiro é em frente ao morro do Belmonte, no povoado de Bom Sucesso, estado de Sergipe.
[2] Santa Luzia do Norte - AL *31/01/1900 (ou 1903, 1905, ou ainda 1908, o ano é incerto assim como seu nome) - Atenas-GR +10/08/1951.
[3] Nascido Abdalla Chalub no estado de Minas Gerais em 03/12/1927, foi criado no Rio de Janeiro e faleceu em Brasília-DF em 1969.
[4] O escritor Wilson Lucena (1956-2019) ainda cita como maestro Lucilo Melo. Não conseguimos maiores informações sobre Lucillão, como era conhecido, mas existem indícios de que se trata de Lucillo Lopes de Mello, nascido em 1889. Segundo o padre Reginaldo Soares de Melo em seu livro "Belo Monte, subsídios para a história", ele regeu uma banda de música na cidade de Belo Monte (AL) por volta de 1910 junto com Livino de Paiva Mazoni (1880-1940) e tinha um filho chamado Germano.
Outro músico pioneiro que merece menção honrosa é o clarinetista, maestro e compositor Álvaro Pereira Simas (nascido em 1880) que ocasionalmente também regeu nessa época e em 1960, por ocasião do funeral de Mestre Nozinho.
[5] MONTEIRO, Otaviano Romero dito FON-FON (Santa Luzia do Norte AL 31/1/ 1908 - Atenas Grécia 10/8/1951) Compositor, regente arranjador e instrumentista. (BARROS, Francisco Reynaldo Amorim de. ABC das Alagoas - Dicionário Biobibliográfico, Histórico e Geográfico de Alagoas. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005. Vol. 62-B. Tomo II G-Z. p. 292)
[6] Contrariamente ao que escreve Moacir Medeiros de Sant’Ana no livro Benedito Silva e sua época (1965), e em conformidade com a recente pesquisa de Billy Magno, que localizou os registros de nascimento dos primeiros filhos do casamento de Benedicto R. da Silva com Odorica Augusta — Benedicto (1892), Carlos (1895), João (1896), Manoel (1898), Marieta (1900) e Elysio (1901) —, revimos o nome da mãe do Maestro, que na edição anterior, anexada à partitura do Dobrado Nº 2 (disponível em http://bit.ly/2KewuXA ), consta como “Ana Maria da Conceição”. Segundo Sant’Ana, a informação fora extraída do alistamento para o Exército publicado n’O Liberal de novembro de 1878, embora tivesse conhecimento de que o deputado Avelino Silva em seu projeto de pensão para Odorica (após a morte do Maestro, em 1921) afirma ser o nome da matriarca “Luiza” e não “Ana Maria”.
[7] Seu desligamento foi noticiado na edição nº 58 do jornal Gutenberg de 18 de março: “A Sociedade Filarmônica Minerva faz ciente a todos os seus consórcios, e ao público em geral, que por motivos não estranhos a todos estes, deixou de amestrar esta filarmônica o professor Benedicto Raymundo da Silva desde 15 do corrente. Maceió 16 de março de 87”. (GUTENBERG, 1887)
[8] Gabino Suzano de Araújo Besouro (Penedo-AL, 22/06/1851 - Rio de Janeiro-DF, 31/01/1930). Governador, deputado federal, engenheiro e militar veterano da guerra do Paraguai. (Fonte: ABC das Alagoas on-line, 2018)
[9] João Ulysses Moreira (São Miguel dos Campos, 11/06/1882 – Maceió, 15/07/1955). Este revelar-se-á grande músico e compositor, exercendo cargos de relevância em várias instituições, como a direção musical da Companhia de Fiação e Tecidos Alagoana, na década de 1940. Dentre os alunos mais destacados do professor João Ulysses, destaca-se o pianista, professor e pesquisador Joel Bello Soares.
[10] PROVÍNCIA: ÓRGÃO DO PARTIDO LIBERAL (PE), A. Ano 1903. Nº 00173 (1). Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/128066_01/13803> Acesso em: 02 de dezembro de 2018.
[11] DEBATE: ÓRGÃO POPULAR (AM), O. Ano 1903. Edição 0001. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/716618/7> Acesso em: 14 de dezembro de 2018.
[12] MELO, Rodrigues de (...) Teatrólogo, jornalista, compositor, cantor sacro, deputado estadual, promotor público, advogado. (ABC das Alagoas, 2005. Vol. 2, p. 251)
[13] O Teatro Maceioense funcionou de 1846 a 1911.
[14] GUEDES, Virgílio ... Correia Lima (Maceió-AL, 2/1/1884 – Maceió-AL, 18/1/1940) Poeta, professor, jornalista, funcionário público, advogado. (ABC das Alagoas, 2005. Vol. 2, p. 43)
[15] ALTAVILA, Jaime de - nome literário de Anfilófio de Oliveira Melo (Maceió-AL, 16 ou 17/10/1895 – Maceió, 26/3/1970). Professor, escritor, poeta, promotor público, juiz federal e político. (ABC das Alagoas, 2005. Vol. 1, p. 60)
[16] MOCIDADE, 1948. p. 22.
[17] SANT’ANA, Moacir Medeiros de (Maceió AL 25/9/1932). Historiador, professor, bacharel em ciências jurídicas e sociais. (...) Membro da AAL onde ocupa a cadeira 29. Sócio do IHGA (...).  Sócio honorário da AML. (ABC das Alagoas, 2005. Vol. 2, p. 516)


[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: <http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php>)


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

JPMB 2019


10.ª Jornada Pedagógica para Músicos de Banda



De 23 a 26 de outubro, ocorre na cidade de Penedo a X Jornada Pedagógica para Músicos de Banda (JPMB). Promovida pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e parceiros, o evento reúne "músicos, professores e pesquisadores com formação em vários países e universidades, vindos de Portugal e de várias localidades do Brasil (...) numa programação com palestras, concertos, recitais, retretas de bandas, oficinas, fóruns, publicações de livros e revista científica e mesas-redondas".

​Nesta edição, a Filarmônica Mestre Elísio estará presente no concerto de encerramento, a partir das 15 horas do sábado (26).

Mais informações:

PROGRAMAÇÃO






segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Trio Ybyrá apresenta-se em Piranhas

Atualizado em 17 de outubro de 2019 às 12:02:00.



Sábado, 19 de outubro, o Trio Ybyrá realizará em Piranhas oficina com o naipe de madeiras (flauta transversal, clarineta e saxofone) da FME, a partir das 14h, na sede da filarmônica — à Avenida Antônio Rodrigues Pereira, Centro Histórico. Logo após, às 19h, produz concerto público na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Saúde. 

Ainda este mês, o Ybyrá será atração na 10.ª Jornada Pedagógica para Músicos de Banda, a ser realizada em Penedo nos dias 23 a 26.



"Criado em 2018, o Trio Ybyrá fez sua estreia em dezembro de 2018, durante a Semana da Música da Universidade Federal de Alagoas. É formado pelos professores da Ufal Kleber Dessoles (saxofone - ETA), Ziliane Teixeira (flauta) e Flávio Ferreira (clarineta), da licenciatura em Música. Tem como um dos objetivos difundir composições para madeiras e palhetas inserido no repertório camerístico."




domingo, 25 de agosto de 2019

Dobrado Capitão Cassulo/Canção do Soldado — um caso de autoria controversa

Atualizado em 27 de agosto de 2019


No acervo da FME havia pelo menos três versões do dobrado Capitão Cassulo: Canção do Soldado, Capitão Caçula (das Edições Abreu) e uma legada pelo maestro Walmir Fonseca de Souza, à época dirigente da Filarmônica Santa Cecília (de Água Branca - AL) e eventual tubista da Filarmônica Mestre Elísio, em meados dos anos 1990. Recentemente, o maestro Luiz Carlos Sandes Paranhos nos enviou uma quarta versão, intitulada Canção do Exército, única em que o compositor Ismael Euclides da Costa Maranhão é atribuído. A cópia do maestro Walmir indica T. de Magalhães como o autor
A versão conferida no vídeo acima tem origem na cidade de Pão de Açúcar. É a mais antiga, com data aproximada ao ano de composição. Foi-nos disponibilizada para edição por Billy Magno, multi-instrumentista e pesquisador, que teve acesso irrestrito ao valioso acervo de Antônio Melo Barbosa (1932-2019), o Tonho do Mestre, no final do ano passado, do qual extraiu o arranjo que motiva esta postagem, além de várias peças musicais raras e exclusivas.
 Em 1919, entre os dias 6 e 13 de maio, um copista de 15 anos de idade chamado Américo Castro Barbosa[1], irmão do mestre da banda (Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho), incumbiu-se de copiar o dobrado Capitão Cassulo, produzindo partes cavadas do arranjo na tonalidade de Lá bemol maior para clarinetes, pistons, trompas, trombones e tubas. De suas práticas, que observamos em outras cópias de material original, reconhecemos o zelo do copista em notar o nome do compositor da obra. Não é o caso de Capitão Cassulo, que fez fama sem que o autor fosse considerado. (Somente na década de 1940 um músico paraense viria reclamar para si a autoria, conseguindo registro e uma pensão vitalícia do governo federal)
Seis anos antes da cópia de Américo, a Casa A Elétrica do Rio de Janeiro produziu um 78 rpm do dobrado que, em 1916, receberia letra com o título “Da Pátria Guardas” e, mais tarde, seria conhecido pelos nomes de Amor febril, Capitão Caçula, Canção do Soldado ou Canção do Exército.
Em 1949, o autor dos versos Da Pátria Guardas, o tenente coronel Alberto Augusto Martins, revoltou-se com a apropriação indevida feita pelo maestro paraense Teófilo de Magalhães (24.07.1885 – 25.06.1968)[2] e publicou artigo na Revista Militar em que expôs o caso do dobrado original do músico militar pernambucano Ismael Euclides da Costa Maranhão dedicado ao capitão Antônio Cassulo de Melo, ajudante de ordens do governo do estado do Pará no início do século 20.
A partitura autógrafa de Euclides Maranhão foi encontrada em Pernambuco com data de 1909, enquanto que Teófilo indicava 1911 como ano certo da composição.
Apesar dos protestos da família do pernambucano quanto à pensão dada pelo Governo Federal ao compositor paraense pelo mérito de ter produzido a canção do Exército brasileiro, nada mudou e 70 anos depois ainda se considera Teófilo Dolor Monteiro de Magalhães, patrono da Academia Paraense de Música, cadeira n.º 21, como o autor original de Capitão Cassulo — confirmado inclusive pelo importante escritor e musicólogo Vicente Salles[3]vide: Retreta Paraense - Coleção Vicente Salles - Bandas de Músicas do Pará -Vol. I.
Tal como o tradicional dobrado Saudades de Minha Terra — ora atribuído ao sargento gaúcho Luiz Evaristo Bastos, ora ao paraense Isidoro de Castro —, o dobrado Capitão Cassulo é mais um exemplo de como o processo contínuo de cópia, assimilação do repertório e compartilhamento indiscriminado vai ao longo do tempo negligenciando a autoria de forma a perder-se sua referência mais importante: a origem.
A seguir, arquivo anexado com texto do escritor e pesquisador Ciro Correia França[4]  sobre a controversa origem do dobrado Capitão Cassulo. Publicado originalmente na Gazeta do Povo de Curitiba, foi reproduzido no site Jornal de Poesia como réplica ao excelente texto de Rubens Ricupero na Folha de São Paulo (de 21/11/2004). Dizia Ricupero do seu entusiasmo com a apresentação da Banda Mantiqueira no SESC Pinheiros (SP) que naquela oportunidade introduzira o show com a Canção do Soldado
Antes, vejamos a transcrição de matéria publicada no jornal O Dia de 10 de julho de 1949, intitulada “Apropriou-se indevidamente da música da Canção do Soldado — Declaração do cel. Alberto Augusto Martins, autor da letra”:

Mais um escândalo musical. Este importa, porém, no recebimento indevido de uma pensão de Estado, concedida ao autor da música da “Canção do Soldado”. O fato chegou-nos ao conhecimento por intermédio de um leitor prestimoso, seguido de informação que coronel Alberto Augusto Martins autor da letra da conhecida canção militar, talvez, pudesse-nos adiantar algo sobre tão discutida autoria.

O AUTOR É OUTRO

De posse dos dados e da residência do tenente coronel Alberto Augusto Martins rumou a reportagem carioca para lá, tendo sido atendido pelo ilustre poeta, da época da campanha dos tiros militares e do recrutamento.
Esclarecida a razão da nossa visita, o coronel Augusto Martins disse-nos que a “Canção do Soldado” foi composta pelo falecido sargento Ismael Maranhão, da Polícia Militar de Pernambuco. Entretanto, acrescentou, o sr. Teófilo de Magalhães, depois de muitos anos, conseguiu registrá-la como de sua autoria, recebendo por isso uma pensão de mil cruzeiros que lhe foi concedida pelo Congresso Nacional.

HISTÓRIA DA CANÇÃO

Historiando o aparecimento da “Canção do Soldado”, o coronel Alberto Martins cita a campanha desenvolvida em prol da instituição do serviço militar obrigatório para todos os brasileiros, que foi iniciada em 1916, e que contou com a colaboração dos mais destacados intelectuais, jornalistas e poetas da época, inclusive do grande bardo Olavo Bilac. Nessa ocasião, nos diversos corpos de tropa do Exército surgiram as canções sobre motivos patrióticos que empolgavam os jovens conscritos.
Uma dessas canções, a hoje denominada “Canção do Soldado”, tornou-se famosa em todo o país e é de autoria do tenente Alberto Augusto Martins, que a publicou em 1916, e que foi musicada pelo sargento Ismael.

ESBULHO À OBRA DO FALECIDO COMPOSITOR

O tenente coronel Augusto Martins estranha que o sr. Teófilo Magalhães esteja usufruindo uma situação a que não faz jus, pois, até o presente momento não apresentou provas suficientes que convençam ser de sua autoria a composição musical “Canção do Soldado”, e mesmo porque, os herdeiros do falecido Ismael emprestaram uma ação contra o ato de registro concedido ao sr. Teófilo.
As canções militares surgiram em 1916, e eram executadas por ocasião da incorporação dos conscritos. Todos os corpos de tropa procuravam receber condignamente os novos soldados, que atendendo a voz do grande poeta Olavo Bilac acorriam entusiasmados ao apelo da Pátria. Nessa época, servindo na qualidade de 2º sargento do 1º Batalhão de Engenharia da Vila Militar, compus três canções, sendo uma delas a “Da Pátria a Guarda”, hoje denominada de “Canção do Soldado”, cuja parte musical foi realizada pelo sargento Ismael Maranhão, da Polícia de Pernambuco.
“Ultimamente, num dos programas da Rádio Clube do Brasil, com o fim de obter prêmios, o sr. Teófilo de Magalhães apresentou-se como sendo o autor da música que acompanha a canção. Convidado a apresentar provas, prometeu fazer em outra oportunidade, e não mais voltou àquela emissora.
Em consequência do fato, os filhos e parentes de Ismael Maranhão, que foi o autor da música, protestaram durante os seguintes programas da referida emissora. Em face do sucesso alcançado pela patriótica canção, visando interesse pecuniário, Teófilo Magalhães, no período 1944-1946, registrou a canção em seu nome, e desenvolveu tal campanha em seu benefício que conseguiu obter uma pensão de mil cruzeiros, votada pelo Congresso. É de se estranhar que essa pensão tenha sido concedida na ocasião em que o filho de Ismael havia encaminhado um protesto ao presidente da República, que mandou abrir o competente inquérito e cujo resultado ainda está pendente de conclusão”. (O DIA, 1949)









[1] Américo Castro Barbosa (1903-1967) nasceu na cidade Pão de Açúcar (AL). Mais tarde, revelou-se grande músico de projeção nacional como contrabaixista da orquestra do maestro Fon-Fon.
[2] Theophilo Dolor Monteiro de Magalhães ou simplesmente “Theóphilo de Magalhães” (Belém do Pará, 1885-1968) era pianista e flautista exímio, tornando-se extremamente popular nos salões da “gostosa Belém”, porque gostava de improvisar Tangos, Polkas, Valsas, Marchas e Dobrados. (REINATO, José Campos. Música Ao Seu Alcance. Campinas: Edição do Autor, 2014. Vol. 2. p. 175.
[3] Vicente Juarimbu Salles foi um dos maiores pesquisadores e difusores da história e da cultura amazônicas. Nascido em 1931, na Vila de Caripi, Município de Igarapé-Açu, a 117 km de Belém, capital do Pará, formou-se em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia. Destacou-se pelos estudos da presença negra na Amazônia e publicou vinte e dois livros e cinquenta e uma micro edições (livretos artesanais feitos por ele) em diversas áreas — música, folclore, literatura, teatro. (Fonte: Fonte: MORIM, Júlia. Vicente Salles. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 20 ago. 2019)
[4] Ciro Correia França nasceu em Ponta Grossa, no Paraná, em 7 de maio de 1944. Contribuiu com resenhas e críticas literárias em jornais de Curitiba, nas décadas de 60 e 70. (...). Contribuiu com resenhas e críticas literárias em jornais de Curitiba, nas décadas de 60 e 70. Foi pintor e desenhista (...). Apaixonado por literatura, poesia e linguística, tinha estreita ligação com a música e a poesia popular. (...) Faleceu em Curitiba, em 14 de julho de 2011. (In: O Gaúcho Martin Fierro <http://www.ogauchomartinfierro.com.br/team/ciro-correia-franca/)





segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Centenário de Luiz Gonzaga da Silva (1919-2006)


Comemoramos nesta semana o centenário de Luiz Gonzaga da Silva, notável violonista alagoano nascido na cidade de Piranhas em 9 de agosto de 1919. Egresso da cultura de bandas de música — foi bombardinista na banda do maestro João Ribeiro da Companhia Agro Fabril Mercantil na cidade de Delmiro Gouveia —, mais tarde, ao trocar o sertão de Alagoas pelo ambiente profissionalmente próspero da metrópole, elevou sua arte para outro patamar, tornando-se destacado violonista, radicado no Rio de Janeiro a partir de 1945.


Postamos há dois anos matéria sobre nosso ilustre conterrâneo e complementamos agora com textos de autoria do pesquisador, mestre em práticas interpretativas, bacharel em violão com licenciatura plena em música, professor e camerista Wagner Meirelles Silveira (1973), que extraímos de publicação original no blog O Violão do Gonzaga.
Wagner tem se dedicado há mais de 20 anos em manter viva a memória de Gonzaga da Silva na história do violão nacional, editando, gravando e difundindo sua obra. Em 2016, publicou o livro Gonzaga e o violão - Do cangaço à universidade. Antes, em 1998, gravou pelo selo Niterói Discos o CD Wagner Meirelles - O Violão Brasileiro com 5 faixas dedicadas às composições de L. Gonzaga da Silva: Aprazível, Choromingo III, Orangotango, Samba Sincopado Nº 1 e Samba Sincopado Nº 2. Em 2000, integrou o disco Fazendo Música - 8 violonistas interpretam Luiz Gonzaga da Silva com as 2 primeiras faixas Sonata Brasil-Espanha e Aprazível.




No ano de 2008, a EdUFF publicou o álbum Luiz Gonzaga da Silva - 20 peças para violão solodo qual extraímos a seguinte avaliação assinada pelo Prof. Francisco Frias (Coordenador do Laboratório de Produção e Investigação Cultural ProMusic UFF):

“A diversidade cultural de nosso país construiu um universo de significados e expressões particulares de grande força, que se traduzem na essência de nossa própria brasilidade. A riqueza das migrações internas no Brasil, no momento histórico da cidade do Rio de Janeiro como capital federal, proporcionou o desenvolvimento de diversas manifestações estéticas e culturais singulares, num cenário intercultural. Nesse contexto surge a figura do músico alagoano Luiz Gonzaga da Silva, que escolhe o Grande Rio como foco do desenvolvimento de uma trajetória iniciada na infância e adolescência no coração do interior do Nordeste, que exerceu fortes influências sociológicas e antropológicas que enriqueceram seu trabalho como compositor, professor e artesão. Luiz Gonzaga se estabelece no Rio de Janeiro, onde expande o seu fazer musical através de estudos de harmonia e contraponto, de performances em diferentes formações e do ensino do violão em diversas instâncias acadêmicas. Nesse caldeirão de forças, influências e miscigenações, desenvolve uma linguagem particular na composição para o instrumento, que se soma a todo um movimento de enriquecimento da tradição brasileira, que tem o violão como símbolo primeiro de sua expressão musical. A Universidade Federal Fluminense faz no alvorecer do terceiro milênio o resgate histórico da constituição dessa expressão de nossa nacionalidade. A presente edição oferece vinte peças selecionadas de um acervo de mais de quinhentas obras, na certeza de estar contribuindo para a difusão de um dos criadores e instrumentistas mais representativos da história musical brasileira contemporânea".

(...)


— A Fábrica de "Pedra"

Por Wagner Meirelles

Aos 9 anos [Luiz Gonzaga da Silva] teve as primeiras noções de música, com o maestro João Ribeiro, que era freguês de sua mãe, uma das lavadeiras do local. No ano seguinte ganhou um violão e começou a tocá-lo sozinho. Seu pai, que era marceneiro, ensinou-lhe o trabalho com madeira. Assim, aos 12, além de ajudar a construir móveis, já tocava violão popular, tuba e bombardino na banda da cidade, banda esta patrocinada pela fábrica de linhas Agro Fabril Mercantil que usava a marca Padre Cícero.
Participou como violonista-mirim nas apresentações do grupo teatral Marquise Branca, que passou pela cidade; convidado a seguir com o grupo, não pode fazê-lo, devido a sua pouca idade.
Em uma das festas da companhia, estando o menino Luiz perto da banca da roleta, um homem de roupa cinza e chapéu azul pediu-lhe para comprar cigarros e, pra isto, lhe deu gorjeta. Quando chegou à casa, ouviu de seu pai que aquele homem era o cangaceiro Lampião, que por ali passava, acompanhado dos comparsas Corisco e Gato.
Em toda a sua adolescência observava os músicos locais tocando frevos, baiões, maracatus etc. e tentava imitá-los. Aos 15 anos iniciou-se na arte da luthieria com o construtor José Peba, que fazia violinos, violas e rabecas.
Gonzaga contava que, quando descobriu o artesão, começou a rodear-lhe a oficina; ao luthier não agradava a presença daquele garoto curioso que gostava tanto de madeiras e de instrumentos de cordas; mas, com o tempo o menino adquiriu-lhe a confiança e foi convidado a entrar para aprender o ofício. Depois de dominar os rudimentos do que viria a ser uma de suas paixões na vida, fez o primeiro violão, que não deu muito certo; mas em uma segunda tentativa o resultado foi razoável.
Fez também um cavaquinho para o cavaquinista Índio, seu futuro companheiro de trabalho no conjunto de música popular Seis Diabos, grupo formado por Gonzaga ao violão, Índio ao cavaquinho, um trombonista, um percussionista e o cantor/comediante Gordurinha. O grupo se apresentou em muitas cidades, como Mata Grande, Sobralzinho, Água Branca, Floriano Peixoto (antiga Piranhas), Jatobá (atualmente Petrolândia).
No fim de 1944, estando em Pedra, Gonzaga adoeceu: suas pernas começaram estranhamente a ganhar volume e a doer. Procurou tratamento no Hospital de Aracaju. Mas os médicos trataram a doença como se fosse sífilis, e, não se obteve resultado no tratamento. Gonzaga pensou até que iria morrer por causa da enfermidade, depois identificada como uma infecção causada por um micróbio da carne de porco. 
Este fato provocou uma guinada em sua vida: vendeu o pouco que tinha, dividiu o dinheiro com a família, e viajou para o Rio de Janeiro, hospedando-se inicialmente na Gávea, na casa de parentes de um amigo com quem viajou de Alagoas para o Rio de Janeiro. Durante três meses tratou-se no Hospital Miguel Couto. Curado, resolveu ficar no Rio, e foi morar em Inhaúma.
A partir de então, começa a história de Luiz Gonzaga da Silva e sua música, no Rio de Janeiro.


Fábrica da Pedra, Delmiro Gouveia (AL).














Playlist:





domingo, 4 de agosto de 2019

Semana de práticas interativas


No último dia 26 de julho, por ocasião da abertura do seminário Sertão Cangaço, a FME realizou um concerto especial com a presença dos colegas Daniel Santos (trompete) e Caio César (trombone).

Estudantes do Conservatório de Tatuí, ambos desenvolveram um trabalho de preparação e assimilação do repertório especialmente proposto: as peças Aubade (composta por Phillip Sparke para bombardino solo, na década de 1980, e dedicada a Aud Melhus-Hansen, principal euphonium da Stavanger Brass Band) e Ode for trumpet, obra-prima do compositor Alfred Reed, dedicada ao notável trompetista Don Jacoby "Jake" (1920-1992).

Em Aubade o solo de bombardino ficou a cargo do maestro Leléo, com a banda conduzida por Daniel que, logo após, realizou o solo da peça de A. Reed, cara ao repertório de concertistas:
"desenvolvida em forma de variação livre de um tema de oito compassos. Depois de uma breve introdução, este tema aparece pela primeira vez. Existem três variações com um interlúdio curto após a primeira variação, o tema reaparece em sua forma original antes que o interlúdio retorne para formar a coda. As melodias em Solo Trumpet e orquestra se entrelaçam como um diálogo, amplo e cantado." (Adaptação da Nota de Programa de Alfred Reed, 1956).
Iniciado na Mestre Elísio, Daniel saiu em 2014 para estudar no conservatório onde já havia outro egresso da banda de Piranhas, o clarinetista Jonas Santos.

Recentemente, projetou essa semana de práticas musicais com o intuito de dividir conosco o que tem aprendido como estudante numa instituição de referência em educação musical, compartilhando o conhecimento técnico específico adquirido nos últimos anos.

A Filarmônica Mestre Elísio agradece o trabalho realizado por esses dois jovens músicos promissores: Caio César (trombone) e Daniel Santos (trompete).

































terça-feira, 30 de julho de 2019

GMAP e o legado de Egildo Vieira

Atualizado em 15 de janeiro de 2020 às 00h40min.

Mestre Egildo Vieira (1947-2015)

Há exatamente 4 anos falecia nosso mestre maior Egildo Vieira do Nascimento — flautista, compositor, pesquisador, luthier nascido na cidade de Piranhas a 20 de julho de 1947, filho de dona Alaíde Vieira com o sr. Antônio Balbino do Nascimento.

Artista multifacetado retornou à cidade natal há 10 anos com o objetivo de reformar a educação musical dos conterrâneos e mais: fazer desta parte do sertão — através da pesquisa que desenvolvera com materiais como taquaras e cabaças, etc. — referência em confecção artesanal e prática de instrumentos de cordas, sopro e percussão (rústicos) para os quais havia composto um repertório exclusivo de temática armorial, inédita na região. Ilustra muito bem esse projeto o trio que desenvolveu para o SESC - Sonora Brasil de 2007, onde junto com os músicos Jean Elton (contrabaixo) e Aglaia C. Ferreira (violino e rabeca) excursionou pelo Brasil apresentando repertório original para vários instrumentos de sua própria confecção, como o ariano, o pirrabecaço, o marimpífano e o violão basso, além de pífanos variados com sua assinatura.




Assim, Sônia Guimarães, para o catálogo do Sonora Brasil 2007, testifica sobre Egildo Vieira e sua arte:
Pouca diferença separa o menino de cinco anos que, contente por chover no sertão de Piranhas, Alagoas,comemorava cantando os solfejos de Alex Garaudé e o menino de 59 que hoje inventa, com materiais como cabaça, bambu e taquara, instrumentos que atendam ás necessidades da música que de si deságua.
O menino Egildo começou a tocar seu primeiro instrumento, a flauta de canudo de mamoeiro, criado por seu pai Demésio
[sic] Teixeira, clarinetista com quem iniciou os primeiros estudos de teoria e solfejo; aos sete anos ingressou na banda de música do município tocando clarinete e mais tarde participou de folguedos como o Reisado e Marujada, seguindo sua verve criadora fundando bandas de pífanos nos Colégios Diocesano de Penedo e o Estadual Liceu Alagoano de Maceió.
O homem Egildo foi aprofundando e reinventando o traço musical de quando foi convidado por Ariano Suassuna em 1972 a participar do Movimento Armorial em Recife 
 Pernambuco, onde constam vários registros de sua autoria. Não foi difícil para Egildo Vieira, perceber a ideia de Música Armorial, pois ela já era parte integrante de sua criação, através de suas experiencias com a música escrita e a música produzida pelos cantadores, emboladores, cantadores de coco e rezadeiras. Amante da musica brasileira chegou a criar vários conjuntos de choro juntamente com Canhoto da Paraíba entre outros. No recife, cursou a Escola de Belas Artes da UFPE e continuou a sua pesquisa sobre instrumentos musicais.
Um dos fatos que apontam para a contemporaneidade da produção musical de Egildo Vieira é a pesquisa e produção de instrumentos para a sua execução. Nesta produção transparece, embalada no modalismo peculiar tanto da tradição quanto da música contemporânea, manifestações já diluídas na prática do fazer musical da região nordeste do Brasil. Como tais, suas formas variam de duas e trés partes, com mudança de andamentos e modulações que por serem instrumentais, abrigam um espaço sutil para tratamentos musicais de origem acadêmica, fundamentando a busca original de sonoridades advindas dos materiais que utiliza em sua pesquisa como Luthier.
Assim é que a produção musical de Egildo Vieira se destaca pela utilização de recursos idiomáticos novos, viabilizados através de instrumentos musicais inventados por ele mesmo, resultando aspecto de inusitada criatividade. Numa perspectiva de tradição contemporânea, nos mesmos moldes empreendida por músicos da tradição moderna, Egildo Vieira parte de elementos estabelecidos para criar, de forma inovadora, um conjunto de recursos novos voltados para a interpretação de materiais musicais, especialmente rítmico-melódicos, que reportam ao nordeste do Brasil, produzindo resultado de grande originalidade. (In: Nova Organologia Egildo Vieira e Conjunto. Sonora Brasil. SESC, 2007)



(...)

Em Piranhas, sob a tutela do mestre Nemésio Teixeira (1904-1978), Egildo Vieira deu os primeiros passos na arte musical em meados da década de 1950; em seguida integrou, tocando clarinete, a banda do Mestre Elísio José de Souza (1911-1978) e, mais tarde, em Maceió, com o saxofone, orquestras de baile até a um ponto da carreira (no início da década de 1970) em que optou pelo trabalho exclusivo com a flauta e migrou para o Recife onde integrou vários grupos musicais. Graduou-se em Música pela UFPE, passando a lecionar em cursos de extensão até aposentar-se, retornando mais tarde, em 2009, para a cidade do interior das Alagoas que lhe dera "régua e compasso", como diria certo poeta.

Sua morte, 6 anos depois, abalou o projeto de maneira profunda, porém ainda se pode ouvir os acordes do último grupo que ele criou naquela primeira semana de agosto de 2010 e liderou até pouco tempo antes de ser vencido pela doença fatal no dia 30 de julho de 2015.

Desde então, o GMAP resiste com Farney (flauta, pífano e ariano), Jadeilton (flauta e pífano), Cícero (violão), Maciel (trompete) e os percussionistas Dalvo Lima, Marcelo e Ronildo Lobo, todos sob a liderança do último secretário do maestro Egildo Vieira, Gisfle Fernando (o Giso do Trombone), com apresentações como estas recentes que ilustram a postagem.
Ao final, conferimos o making of de momento único registrado em dezembro de 2013 quando para propaganda oficial do governo de Alagoas foram reunidos esses dois expoentes da música alagoana, Eliezer Setton (Maceió, 1957) e Egildo Vieira (Piranhas, 1947-2015) com o GMAP — dois extremos geográficos do Estado unindo arte regional do litoral ao sertão.