terça-feira, 8 de maio de 2018

Guiomar (Valsa) — Agérico Lins (1862-1935)


(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)


Guiomar

Uma linda valsa para banda

Por Billy Magno¹


Esta é uma das três obras escritas para banda de música pelo compositor Agérico Lins que
Guiomar Pinheiro Machado (c.1935),
a inspiração.
foram preservadas na sua integridade, sendo as outras duas: Laura Figueiredo (valsa) e Chocolate (maxixe) . Ambas, em cópia de 1933, encontram-se no arquivo da Sociedade Musical Amor à Arte, em Florianópolis-SC, enquanto a valsa Guiomar encontra-se no arquivo pessoal de Antônio Melo Barbosa, filho do maestro Manoel Victorino Filho (1895-1960). Provavelmente o próprio homenageado tenha entregue a partitura para ser executada por Mestre Nozinho na banda de música da Sociedade União e Perseverança (SUP).

Conheci esta valsa quando estive na casa de Tonho  pela primeira vez em maio de 1995 pesquisando outras obras, mas, somente em abril de 1997, quando lá estive novamente, ela chegaria em minhas mãos. 

Escrita em 1915, esta obra demonstra a maturidade artística do compositor numa simples e dolente melodia bem ao gosto da época, mas em tonalidade tecnicamente difícil (mi bemol menor) e não muito usual para instrumentos de sopro. 

Em 1944, ela passaria por uma primeira revisão feita por Mestre Nozinho, que em 30 de junho refez a parte de piston e acrescentou, em 7 de julho, a parte de sax alto, enquanto seu aluno Racine Bezerra Lima (1926) copiou a parte de baixo em dó. A segunda revisão foi feita por mim em setembro de 1997 quando acrescentei partes de 3º clarinete e 3º piston, ampliando a orquestração. 

Dedicada a Augusto de Freitas Machado (1895-1987), na época um jovem de 20 anos que trabalhava como auxiliar do comércio em Maceió, a peça foi batizada com o nome de sua esposa, Guiomar Pinheiro Machado (quando solteira, Guiomar Lessa Pinheiro). 

A ligação entre o compositor Agérico Lins e o homenageado Augusto Machado, parece se dar muito mais pela esposa deste e se baseia na hipótese de que, sendo o maestro tenente da Polícia Militar, (certamente) conhecia o capitão José Pinheiro da Silva, pai de Guiomar, noiva de Augusto. Não se sabe de quem partiu a intenção de escrever a valsa, se do compositor, por supostamente conhecê-la desde criança e ser amigo de seu pai, ou do próprio noivo que teria encomendado a música para impressionar a futura esposa, num gesto típico do romantismo dos bons e velhos tempos. Não foi possível apurar, mas a julgar pela dedicatória  da capa original da partitura, parece mais uma nobre atitude do maestro para com os noivos, um digno presente de casamento, portanto.

Não seria demais arriscar que esta valsa poderia ter sido composta para ser executada pela banda de música da Polícia Militar sob regência do próprio compositor no enlace de Augusto e Guiomar ocorrido em 15/07/1915, talvez na própria igreja, fato esse que, por falta de fontes, permanece como mera especulação.

Na revisão feita para esta edição, foram eliminados os costumeiros erros ou enganos dos copistas da época e acrescentadas as partes de flauta, sax tenor e sax barítono, mantidas as de sax alto e baixo em dó da revisão de 1944, assim como as de 3º piston e 3º clarinete da revisão de 1997, nenhuma delas constante da orquestração original de 1915.

Hoje, 103 anos depois de ter sido escrita, temos finalmente a 1ª edição da bela valsa Guiomar, para que enfim se faça justiça à memória do pioneiro maestro alagoano Agérico Pontes de Azevedo Lins.

Augusto de Freitas Machado

O homenageado



De ilustre e tradicional família, nasceu Augusto em Pão de Açúcar-AL em 06/01/1895, filho
Augusto de Freitas Machado (c.1940).
(Arquivo Aldemar de Mendonça)
do Cel. Manoel Antônio de Freitas Machado (nascido em 1855) e Rosa Maria Machado, sendo seus avós José de Freitas Machado e Maria Pastora Machado. 

A família Machado, de origem portuguesa, se notabilizou por ser um celeiro de personalidades com destaque em várias vertentes. Seu pai foi prefeito de Pão de Açúcar de 1913 a 1917, além de grande fazendeiro como seus tios: Miguel de Freitas Machado (1851-1935) e Francisco de Freitas Machado (1859-1938). Seus primos José de Freitas Machado (1881-1955), Álvaro de Freitas Machado (1886-1956) e Antônio de Freitas Machado (1895-1970) se destacaram no campo da ciência e das letras respectivamente. O professor Freitas Machado, como era conhecido Zeca, seria um dos fundadores e 1º diretor da Escola Nacional de Química; Álvaro Machado, seria um dos pioneiros do jornalismo em Pão de Açúcar editando em 1909 o jornal A Ideia, (que no futuro se tornaria uma importante fonte de pesquisa sobre a cidade e sua gente naquele início de século XX), seria ainda dono de farmácia e coletor federal enquanto o professor Totonho Machado como era chamado, fundaria e seria diretor por muitos anos do Ginásio Dom Antônio Brandão. 

Sem falar no seu irmão, o industrial José de Freitas Machado (1885-1958). Zuza Machado, como era conhecido, era um empreendedor visionário, adquirindo em janeiro de 1923 o primeiro automóvel da cidade, causando grande alvoroço na população que nunca tinha visto um até aquele dia e mais tarde, em novembro de 1926, inaugurando a 1ª empresa de luz elétrica da qual dependeria a cidade até 1963. Foi durante muitos anos o maior industrial e o cidadão mais abastado de Pão de Açúcar.

Augusto fez as primeiras letras em sua cidade natal e no começo da adolescência partiu para Recife, cidade onde estudavam os filhos das famílias mais abastadas de Pão de Açúcar, completando sua educação . 

Nas férias escolares, entre dezembro de 1909 e janeiro de 1910, junto com alguns parentes e amigos, organiza o que seria o primeiro time de futebol em Pão de Açúcar, o Sport Club, baseado na agremiação do mesmo nome existente em Recife.

Cinco anos depois, na capital do estado, trabalhando como auxiliar do comércio, casa-se com Guiomar Lessa Pinheiro (feita Guiomar Pinheiro Machado), filha do capitão da Polícia Militar José Pinheiro da Silva, em cerimônia ocorrida em Maceió em 15/07/1915 e celebrada por outro tio: o monsenhor José de Freitas Machado (1857-1928).

Dotado de grande sensibilidade humana, inicia-se na política em 1932, tornando-se prefeito da cidade de Pão de Açúcar-AL, principiando o mandato em 9 de junho e concluindo em 11 de setembro de 1934. 

Foi ainda prefeito na mesma cidade de 18/06/1941 a 14/01/1947, de 31/01/1966 a 30/01/1970 e, finalmente, de 01/02/1973 até 31/01/1977. Segundo Aldemar de Mendonça (1911-1983), seus quatro mandatos foram caracterizados principalmente pelo equilíbrio e tranquilidade social. Foi ainda deputado estadual em três legislaturas (1947-1950, 1951-1954 e 1955-1958), exercendo entre elas as funções de vice-presidente da Assembleia Legislativa e líder do governo Muniz Falcão (1956-1961). Em abril de 1959 torna-se ministro do Tribunal de Contas de Alagoas, onde se aposentou.

Às 14:30 da tarde de 18/01/1987, falece em sua casa situada no nº 53 da rua Barão de Anadia no centro de Maceió, sendo sepultado no Memorial Parque das Flores (Guiomar, sua fiel companheira de toda uma vida já havia partido anos antes). Saía de cena o homem que tanto lutou por sua gente, entrando definitivamente para a história de Alagoas.

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Agérico Lins 

O compositor



Genuíno dos Prazeres Pontes Lins  e Idalina Pontes de Azevedo nasceram em Portugal. Ao chegarem ao Brasil já casados se fixaram em Passo de Camaragibe-AL, na época uma pequena vila e lá tiveram seus filhos sendo o primogênito, Agérico Pontes de Azevedo Lins, nascido em 1862.  

Único músico profissional da família, Agérico foi trompetista, trombonista, flautista,
Maestro Agérico Lins (1924).
compositor, maestro e segundo o escritor Raul Lima (1911-1985), primeiro regente da banda de música União Camaragibana, fundada em 30/10/1890.

Casou-se com Anysia Accioly Lins (nascida cerca de 1864 e falecida por volta de 1955) e tiveram 18 filhos, mas criaram-se apenas Odolino (1894-1973), Regina (1897-1937), José Maria (nascido cerca de 1900 e falecido por volta de 1959) e Idalina (1907-1936).

Por decreto do Ministério da Justiça de 30/09/1895, é nomeado 2º tenente da 3ª bateria do 7º batalhão de artilharia de posição, na comarca de Camaragibe, conforme publicação do Diário Oficial da União (DOU) em 05/10/1895.  Pouco depois, se muda com a família para o bairro da Levada em Maceió-AL.

Conforme o escritor Félix Lima Júnior (1901-1986)  foi maestro da banda de música da Polícia Militar do Estado de Alagoas, embora seu prontuário não tenha sido encontrado, por ser anterior a 1919, data da organização do fichário geral. 

Segundo Fernandina Caldas Farias (1915-2013), foi maestro desse batalhão durante vários anos.

Vasculhando os jornais da época, temos uma pista, pois seu nome aparece no Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), que em sua edição de nº 244 de 03/11/1907 publica: 

"Hontem, dia consagrado à memória dos mortos, a Sociedade Auxiliadora dos Christãos depositou uma grinalda de saudades no tumulo do saudoso conego Octavio Costa , executando a banda de musica da policia e a do Monte Pio dos Artistas uma marcha funebre da lavra do professor Agérico Lins, a qual tem o nome daquelle sacerdote alagoano."

O mesmo jornal noticiaria na edição nº 87 de 21/04/1908: 

"O collegio 16 de setembro, de propriedade e direcção do professor Almeida Leite, celebra ao meio dia, uma sessão civica commemoratica. Após a abertura da sessão presidida pelo sr. Dr. Guedes Lins, será entoado o Hymno a Tiradentes, lettra do Director e musica do sr. Professor Agérico Lins, pela senhorita Marily Leite."

Em 1912, é convidado a organizar e reger a banda de música do centro operário da fábrica
Edifício da Fábrica de tecidos União Mercantil do distrito de Fernão Velho,
em 1911, cuja direção da banda de música coube a Agérico no ano seguinte.
de tecidos da Companhia União Mercantil (da família Machado), localizada no então distrito de Fernão Velho, cujos diretores a partir de 1911, Antônio de Melo Machado e Arthur de Melo Machado, comandarão a empresa até 1938. 

Ainda segundo Fernandina, como a distância de Fernão Velho era de 10 ou 15 minutos, ele achou por bem levar a família para morar lá, trabalhando durante o dia em Maceió e indo à tarde para Fernão Velho. Encerrado o trabalho nesse distrito, rumou para a cidade do Pilar para reger a banda local, mas pouco se sabe sobre sua estadia naquela cidade. 

Em 09/11/1916, vamos encontrá-lo como correspondente do jornal Diário do Povo, no banquete oferecido pelo Partido Democrata ao (então vice-governador) Dr. Fernandes Lima (1868-1938) no (inaugurado poucos anos antes) Theatro Deodoro, conforme atesta dois dias depois o nº 149 da edição alagoana de O Semeador.

Nomeado comissário em comissão (o que, na prática, equivalia ao papel de delegado) em Palmeira dos Índios-AL, o jornal local O Índio, em sua seção intitulada Visitas na edição nº 37 de 09/10/1921 publica: 

"Deram-nos o prazer de suas visitas o Tenente Agérico Lins, recentemente nomeado  commissario em commissão deste municipio e o Sargento Candido Barbosa. Gratos."

Uma semana depois, o sargento Candido e outros subordinados eram denunciados por abuso de autoridade pelo mesmo jornal em artigo assinado por Idalino Araújo e datado do dia 10, intitulado Os Porcinos em Palmeira. É importante notar o prestígio de que gozava o maestro, pois mesmo numa situação como essa o artigo destaca:

"O illustre Sr. Tenente Agerico, homem calmo e conhecedor das necessidades do matuto sertanejo, desapaixonado como é, de certo voltará suas vistas para este grupo semelhante aos Porcinos, que envergonham a nobre farda da tradicional polícia de Alagôas."

A mesma edição também informa sobre a Festa do Sagrado Coração que ocorreria em 30 de outubro de 1921, cuja missa foi acompanhada por uma banda de música e um coro de vozes regido pelo tenente Agérico Lins auxiliado pelo maestro Homero Tomaz.
Já o escritor Ivan Barros (1943)  registra: 

"Em 21 de novembro do mesmo ano, em honra de Santa Cecília, na igreja da matriz em Palmeira dos Índios-AL, foi promovida uma linda festa pela Filarmônica Santa Cecília com tríduo solene e missa cantada, ensejo que brilhou a batuta do maestro Agérico Lins." (BARROS, 1969)

O jornal Diário de Pernambuco fornece mais uma pista de sua passagem pela banda da PM alagoana quando publica em edição nº 300 de 24/12/1922 que: 

"Do posto de 2º tenente do batalhão de Polícia Militar foi exonerado a pedido o sr. Agérico Lins, nomeado para substituir o 2º tenente graduado Antônio Medeiros Lins. E o jornal continua: O sr. Agérico Lins foi nomeado para exercer interinamente o cargo de amanuense  do Monte Pio dos servidores do Estado, o qual estava vago pela recente morte do Sr. Miguel Porto."

Esta manchete se refere ao fato dele ter deixado a farda para ir trabalhar no Tesouro Estadual em Maceió, onde se aposentou.

Banda da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de
Rio Largo em 01/05/1927. (Arquivo Floriano Queiroz)
Foi ele o primeiro regente da Banda dos Operários da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de Rio Largo (CAFT), conhecida como Música da Cachoeira, criada pelo comendador Gustavo Paiva (1892-1943) em 1926.

Conforme o escritor Moacir Medeiros de Sant'Ana, Agérico participou em 1929 da Jazz Band dos Meninos, ao lado do pintor e músico Zaluar de Sant’Ana (nascido em 1904) e em 1932, foi regente da orquestra da Consagração Mariana de Maceió. 

O professor Agérico era espírita, tendo sido presidente doutrinador do grupo (fundado em 23/12/1899) São Vicente de Paula. Faleceu em Rio Largo-AL, em setembro de 1935, vitimado pela tuberculose. 

Segundo Fernanda Anajas Caldas Farias (1948), acatando um conselho comum na época, de queimar todos os pertences do enfermo, sua esposa queimou grande volume de composições, restando apenas algumas melodias e apenas três obras completas para banda de música e outra para piano descobertas até agora.


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Referências

ANAJAS, Fernanda. Resgate Musical — Prof. Agérico Pontes de Azevedo Lins. Cadenza Editorações Musicais, s/d.
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário Biobibliográfico, Histórico e Geográfico das Alagoas. PDF. Edições do Senado Federal: Brasília, 2005. 2v. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1104> Acesso em: 02 de maio de 2018.
BARROS, Ivan. Palmeira dos Índios – Terra e Gente. São Paulo: Imprensa Metodista, 1969.
JUNIOR, Felix Lima. Pequena História da Polícia Militar de Alagoas. Maceió: 1ª edição 1990 – Cesmac: 2ª edição, 2017.
LIMA, Raul. O fio do tempo. Recife: Imprensa Universitária, 1970.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição – A Banda de Música em Alagoas. Vol. II. Maceió: Viva editora, 2016.
MEMÓRIAS DA VOVÓ DINA, Diário da Dona Gorda – Parte 12. Disponível em: <https://diariodadonagorda.wordpress.com/tag/infancia/page/2/> Acesso em: 02 de maio de 2018.
MENDONÇA, Aldemar de. Pão de Açúcar – História e Efemérides. Edição Independente, 1974.
REVISTA O MALHO. Rio de Janeiro: Edição nº 446, 1911. Disponível em: <http://omalho.casaruibarbosa.gov.br> Acesso em: 02 de maio de 2018.
SANT'ANA, Moacir Medeiros de. Zaluar, um homem de muitas artes. Maceió: Sergasa, 1987.
TICIANELI, Edberto. Gustavo Paiva, o comendador dos operários de Rio Largo. Disponível em: <http://www.historiadealagoas.com.br/gustavo-paiva-o-comendador-dos-operarios-de-rio-largo.html> Acesso em: 02 de maio de 2018.

Jornais:

Diário de Pernambuco, edição nº 300 de 24/12/1922.
Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), edição nº 244 de 03/11/1907 e nº 87 de 21/04/1908. 
O Índio, edição nº 37 de 09/10/1921 e nº 38 de 16/10/1921.
O Semeador, edição nº 149 de 11/11/1916.
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[1] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)



sexta-feira, 27 de abril de 2018

Sonhador (Dobrado) — Oswaldo P. Cabral




(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)


Sonhador

Dobrado de Oswaldo Cabral (1900-1991)

Por Billy Magno[i]

Uma das composições de Oswaldo Cabral da chamada 1ª fase, anterior a 1942, quando o maestro se dedicava a compor obras de caráter unicamente militar. Vemos nesta peça um compositor já maduro, utilizando elementos típicos da marcha militar, mas flertando com outras formas como a habanera, o pasodoble espanhol e a música erudita, criando assim uma peça rica em textura e variedade timbrística e de concepção pessoal. Diferente do dobrado tradicional, onde a percussão desempenha um importante papel de impulso à marcha da tropa nos quartéis, em Sonhador isso não acontece, permanecendo ela calada por 32 compassos que repetidos se transformam em 64, tornando esse dobrado mais apropriado às salas de concerto, devendo também a isso ser chamado de dobrado sinfônico.
Este dobrado já existia no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL desde a época do maestro Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho (1895-1960), sendo sua filha, Gilda Melo Castro, uma dos copistas, escrevendo praticamente todo o dobrado, pois encontramos sua caligrafia nas seguintes partes: requinta, 1º clarinete (em 28/12/1943), 2º clarinete, sax soprano, barítono, bombardino, 1º e 2º trombones, 1ª trompa, 2ª trompa (em 05/01/1944), tuba Bb, tuba Eb e a parte de bombo e pratos (em 06/01/1944). O segundo copista é Manoel Pereira da Costa, o Manezinho Pereira (provavelmente, de Bom Conselho-PE), que também copiou as mesmas partes, sendo a de bombardino a única onde assinou nome, data e procedência[1]. Nas suas cópias não foram encontradas as partes de sax soprano, barítono, tuba Bb e bombo e pratos, mas existem partes que não constam das cópias de Gilda como: 1º e 2º pistons, 3ª trompa e um guia de regência em si bemol, que foram reconhecidos pela análise da sua caligrafia, assim como as cópias de Gilda, que também não assinou seu nome em todas.
No arquivo da Filarmônica Mestre Elísio, em Piranhas, ainda foram encontradas as partes de tuba Bb e barítono (essa constando o nome do autor) copiadas por Mestre Nozinho, que mesmo sem assiná-las foi reconhecido pelo mesmo processo. Sem data, as duas partes parecem ter sido escritas posteriormente, já na década de 1950.
Como dito anteriormente, o dobrado Sonhador seria o lado A de um 78 rpm, pois era sempre lembrado, ao contrário do seu verso, a valsa Haidée, do maestro Silva Novo (1889-1970). Este dobrado esteve por mais de 10 anos no repertório da Sociedade Musical Guarany na época do maestro Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Não havia solenidade entre o começo dos anos 1970 e fim dos anos 1980 em que não fosse ouvido nas ruas. O dobrado Sonhador foi tão executado por Bubu que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1º clarinete, uma delas.
Ele só seria resgatado em março de 1998, quando da minha viagem a Piranhas, ocasião em que também "repatriei” algumas outras peças do antigo repertório da Guarany.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente.
No início deste ano estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo para ir restaurando aos poucos sempre que houvesse tempo, quando, uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura[2]. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele, que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Mandei para ele as partes originais de Sonhador (com Haidée no verso) e a minha revisão de 1998 para que finalmente editasse o material.
Decorridos exatos 20 anos desde a minha ida à Piranhas, temos hoje a 1ª edição oficial desta obra do maestro, compositor e professor Oswaldo Passos Cabral. A obra foi totalmente restaurada e revisada pelo próprio Flávio, sob minha supervisão, num trabalho que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época sem prejuízo do material original. Também foram revisadas e mantidas as partes de sax alto (da revisão de 1979), sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone (da revisão de 1998), assim como foram acrescentadas na presente edição partes para flautim, flauta, oboé e clarone, reforçando o caráter sinfônico da peça e que não faziam parte da orquestração original da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, abril de 2018.

Oswaldo Passos Cabral

[Professor, Compositor e Maestro]



Nascido em Taperoá, pequena cidade ao sul do estado da Bahia, em 05 de fevereiro de 1900, inicia sua trajetória musical aos 8 anos de idade tocando trompa na Filarmônica Braz, na sua cidade natal.
Aos 18 anos, integrando as fileiras da Banda do 1º Corpo da Força Pública da Bahia, já se distinguia como auxiliar direto do regente, o Capitão Vanderlei, conceituado maestro de seu tempo.
Buscando ampliar sua experiência, muda-se para o Rio de Janeiro em 1925 e logo se matricula na Escola Nacional de Música, tendo o maestro José Siqueira (1907-1985) como professor de Harmonia, Contraponto e Fuga[3]. Seus estudos lhe dão aprovação nos exames finais dessas matérias e lhe abrem as portas para o ingresso na Universidade do Brasil na mesma escola, diplomando-se nos cursos de Regência, Composição, Instrumentação, História da Música e Folclore.
Em 1929, como violetista[4], entra para a Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro[5]. Anos depois seria membro da diretoria e bibliotecário, estabelecendo os primeiros contatos com Antônio Francisco Braga (1868-1945), à época também professor de música das bandas militares da Marinha.
Em 1933, por ato do ministro da Marinha Protógenes Pereira Guimarães, depois de obter o primeiro lugar em disputado concurso, sob selecionada banca que reunia os maiores valores musicais da época, como os maestros Nicolino Milano (1876-1962), Agostinho de Gouveia (?-1941), Orlando Frederico, Lorenzo Fernández (1897-1948) e Antão Soares (1894-1948); nas funções de professor e ensaiador,  assume Cabral o cargo que antes fora de Francisco Braga, realizando o primeiro concerto a 28 de julho e permanecendo na função por 37 anos[6].
Consolida a sua experiência com o magistério e regência em uma instituição militar, sendo, neste caso, um funcionário civil e já com tarefas relacionadas não só à preservação do patrimônio musical como também de culto aos símbolos e à identidade nacional, como indicado no Diário Oficial de 19 de fevereiro de 1937, ao designá-lo membro da Comissão de Hinos, para fixar os diversos hinos, entre os quais o da Independência e o da Bandeira. (DIÁRIO OFICIAL, 1937, p.3281).
Em 1942, sua trajetória musical dá uma nova guinada. É um ano considerado divisor de águas, onde ele volta sua produção à música erudita, iniciando com o poema sinfônico Riachuelo.
Entre 1958 e 1971 grava vários discos com a Banda dos Fuzileiros Navais, registrando neles algumas de suas composições, deixando a regência da instituição em 1970.
Em 1972, continuava ele ativo, como professor de Canto Coral e Teoria Musical, com aulas ministradas na sede da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Marinha, no bairro do Méier.
Em 1980, sob sua regência, finalmente estreia no Rio de Janeiro sua ópera Siloé, escrita em 1943, com libreto de Leôncio Correia e Silveira Neto, baseado em A Aia de Eça de Queirós, permanecendo mais de um ano em cartaz no Teatro João Caetano. Segue ativo até o fim dos anos 1980, tendo apresentado de 1979 a 1987 o oratório O Mártir do Calvário, no salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, no então Teatro do BNH (extinto Banco Nacional de Habitação) e, parcialmente, na Igreja dos Sagrados Corações, no bairro da Tijuca.
Falece a 1º de agosto de 1991, sendo sepultado no Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, deixando viúva sua esposa Maria da Glória Pinheiro Santos Cabral e vultosa obra que vai de (cerca de 160) hinos, marchas e dobrados a peças eruditas, exercitando formas como poema sinfônico, oratório e ópera. Iza Queiroz Santos[7] dizia de Cabral: "Oswaldo Cabral, modesto e tímido, de uma timidez que chega a parecer humildade".
Entre suas composições conhecidas estão os dobrados Alvorada, Flamengo, Salve Fuzileiros, Sebastopol, Exaltação à Pátria, Batuta e Sonhador, a canção Como é bom sonhar, os poemas sinfônicos Riachuelo (1942) e Exaltação à Vida (1955); o oratório O Mártir do Calvário (de 1929, mas reformulado e concluído anos depois) e a ópera em três atos Siloé (1943).
Era detentor das medalhas do Mérito Tamandaré e do Mérito Naval. Na Academia Nacional de Música ocupou a cadeira nº 41 (admitido em 07/04/1970) cujo patrono é Antônio Assis Republicano (1897-1960). Em 1977, inspirou a criação da Sociedade Oswaldo Cabral.





[1] “Manoel Pereira da Costa – Bom Concelho, 2 de setembro de 1945.” Nota: Concelho = grafia primitiva da palavra “conselho”, oficialmente em vigor até 1943.
[2] Nascido em Paulo Afonso-BA (1978), é músico da Filarmônica Mestre Elísio desde o ano de fundação. Atualmente realiza trabalho de recuperação e divulgação dessa história com a editoração do acervo da banda e pesquisa para a publicação do Álbum Histórico da Filarmônica Mestre Elísio.
[3] Revista Marítima Brasileira vol. 121 nº 10/11 Out./Dez./2001 (Rio de Janeiro: Centro de Documentação da Marinha).
[4] Executante de Violeta, outra denominação para viola de arco ou sinfônica (mais comum em Portugal).
[5] Fundada em 1912 pelo professor Francisco Nunes, catedrático de clarinete do Instituto Nacional de Música, chegou a ter 120 figuras e foi regida até 1935 pelo maestro Francisco Braga, apresentando mais de 200 concertos.
[6] Anderson de Rieti Santa Clara dos Santos - Pós-graduando em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduando em História Militar Brasileira pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
[7] (1890-1965) Professora, pianista e biógrafa de Francisco Braga



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)



segunda-feira, 26 de março de 2018

Haydée — Silva Novo (1889-1970)



(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

Haidée

  • - Valsa de Silva Novo -

 Por Billy Magno

A história da obra aqui apresentada tem origem no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL. Num tempo em que encontrar papel de música era coisa rara, ainda mais numa cidade do longínquo sertão nordestino, como Pão de Açúcar, os maestros e copistas tinham por hábito reutilizar o papel, escrevendo, às vezes, uma segunda obra no verso de um dobrado, por exemplo. Considero esse processo muito parecido com os velhos discos de cera em 78 rpm onde se tinha uma música de cada lado, sendo muitas vezes a música de sucesso no lado A e a música complementar no lado B.
O processo é o mesmo no que diz respeito à música escrita, tendo-se muitas vezes um dobrado bastante executado num lado e, no outro, um dobrado ou uma valsa que, de tão pouco executada, acabava caindo no esquecimento. Foi assim, por exemplo, com o dobrado Silvino Rodrigues e a mazurca Risonha, ambos com cópia de janeiro de 1911.
Se fosse um disco, Silvino Rodrigues seria o lado A, enquanto Risonha seria o lado B. Silvino Rodrigues passou para a história como um dos dobrados mais populares do Brasil, mesmo sendo de autoria desconhecida, enquanto a mazurca Risonha, também de autoria anônima, não teve a mesma sorte, passando despercebida, e, só não se perdeu na poeira dos anos, porque os originais, ainda que em frangalhos, permitem recuperar a orquestração. Outros exemplos são os dobrados Temporada/Alonso de Oliveira (1920), Olyntho Mattos/Santa Cruz (1928), Antônio Augusto (dobrado de Manoel Leite)/Experiência (dobrado de Antônio de Castro Passinha), ambos também de 1928, o dobrado Sonhador (Osvaldo Passos Cabral) e a valsa Haidée (Silva Novo). É dela que vamos falar.
Escrita no verso do dobrado Sonhador, de Osvaldo Cabral (1900-1990), esta valsa com cópia datada de 06 de julho de 1942 por Manezinho Costa (Manoel Pereira da Costa ― possivelmente da cidade de Bom Conselho-PE), foi provavelmente pouquíssimo executada na época de Mestre Nozinho (Manoel Victorino Filho, 1895-1960) até ser completamente esquecida na época de outro maestro: Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Em compensação, Sonhador, que está escrito no verso da parte, era tão executado por Bubu nos anos 1970 e 1980 que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1.º clarinete, uma delas.
Quando comecei a trabalhar no arquivo da banda, em abril de 1994, minha primeira providência foi organizar tudo em pastas, separando parte por parte, música por música; feito isso, logo iniciei a segunda etapa do trabalho: separar obras completas das que estavam incompletas; a terceira etapa foi fazer um levantamento geral do que havia no arquivo, das primeiras décadas do século XX até o final dos anos 1980, e tentar recuperar o máximo de obras que conseguisse. Algumas, simplesmente, sumiram; muitas estavam num estado de conservação que não permitiam mais o manuseio, o que empreendeu um verdadeiro trabalho arqueológico em prol da restauração completa. Para isso, eram necessárias horas e horas de verificação, comparação de partes e identificação até resultar numa nova cópia  ainda manuscrita, pois eu ainda não dispunha dos modernos softwares para escrever música (só fui ter um em julho de 1998). Outras partituras consegui em arquivos dentro e fora da cidade (Arquivos de Antônio Melo Barbosa, o Tonho do Mestre, nascido no ano de 1932, em Pão de Açúcar), bandas de música da PM de Alagoas e 59.º BIMtz (antigo 20.º BC) em Maceió, PM de Sergipe, em Aracaju, e Base Aérea de Salvador.
Numa das conversas que tive com antigos músicos sobre o patrimônio da banda, explicando a situação, alguns deles me disseram que quando Bubu se mudou para Piranhas, levou com ele parte do arquivo, de modo que alguns dobrados e marchas, muito executados anteriormente, não mais existiam no arquivo. Combinei com Eberval Almeida Brandão de Souza (1970), na época clarinetista da banda, para irmos a Piranhas ver o que o que Bubu tinha levado para lá; ele era amigo de Damião Ferreira Lima, ex-trombonista da Guarany, que autorizou nossa viagem. No período 1997-98, Damião exerceu em Piranhas o cargo de maestro da Filarmônica Mestre Elísio. 
Uma tarde, em março de 1998, fomos encontrar Damião na banda de música e, assim que chegamos, ele nos mostrou o que tinha sido levado: os dobrados Padre Medeiros Neto/José Pinto de Barros, Ricardo Morais (Domingos Queiroz)/De Paris a Londres (1928), Mão de Luva, de Joaquim Naegele (1899-1986)  que Paulo Henrique Lima Brandão (1971), na época professor na Sociedade Musical Guarany, tinha trazido da banda da Escola Técnica Federal de Alagoas, quando passou por lá, em 1987 , a marcha de procissão Natalina (em cópia de 1917) com a valsa Nazinha Oliveira no verso, Hino Nacional, Hino Alagoano e: Sonhador. Anos depois vi que nem todas as partes de Sonhador tinham retornado comigo.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3.º clarinete, 3.º piston e 3.º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente. Nesse meio tempo, ninguém lembrava da música escrita no verso. A valsa Haidée, mais uma vez, passara despercebida.  
Em 2015, o músico e pesquisador Flávio Ventura (1978) fez uma edição da valsa com as partes de que dispunha até então, mesmo faltando algumas partes principais como a de 1.º trombone, a vontade de ver a obra restaurada era maior; porém, somente quando estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo é que se deu o grande acontecimento. Uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Na troca de correspondência, mandei para ele as partes que eu tinha da valsa Haidée e juntando com as que ele tinha, completou-se assim a orquestração.
Hoje, decorridos 20 anos, finalmente temos a bela valsa Haidée, do grande maestro santanense Euclides da Silva Novo (1889-1970), em sua 1.ª edição completa, totalmente restaurada, num trabalho de revisão realizado por Flávio Ventura, que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época, sem prejuízo do material original. Também foram acrescentadas partes de sax alto, tenor e barítono, 3.º clarinete, 3.º piston, e 3.º trombone, que não faziam parte da orquestração da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, março de 2018.


BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php).


Euclides da Silva Novo[1]

Cronologia

1889 — Nasce na cidade de Santana do Ipanema/AL, no dia 15 de agosto. Filho de Antônio da Silva Novo e Tereza Maria da Conceição.

1899 — Sua mãe falece na cidade de Bom Conselho/PE, onde residia com os filhos (Euclides e Maria Esterfânia) desde a morte do marido, Antônio da Silva Novo, havia cerca de oito anos.

1901 — Aos 12 anos, tutelado por um alfaiate/músico natural de Floresta/PE, compõe sua primeira música: uma valsa para a banda de Bom Conselho.

1907 — Senta praça no 33.º BC, em Maceió, sendo transferido para o II Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro.

1909 — Como sargento músico, faz curso de flauta no Instituto Nacional de Música, concluindo com distinção. Também conclui o curso secundário. É mestre da Banda de Realengo.

1913 — Estuda regência, harmonia, contraponto e instrumentação com o professor Antônio Francisco Braga (1868-1945), consagrado autor do Hino à Bandeira.

1916 — Recebe a medalha de ouro do concurso de melhor intérprete de instrumentos de sopro, promovido pelo Instituto Nacional de Música.

1917 — Após 10 anos de bons serviços prestados ao Exército Nacional, é condecorado com medalha de bronze.

1919 — Em Fortaleza, é nomeado mestre de música do Colégio Militar do Ceará. Convidado pelo maestro Henrique Jorge, Silva Novo leciona na recém-fundada Escola de Música Alberto Nepomuceno.

1920 — Casa-se com Maria Teixeira, natural de Itapipoca, com quem terá oito filhos: Viçoso, Euclides, Terezinha, José, Mário, Margarida, Ismênia e Maria de Lourdes.

1928 — É convidado pelo diretor Edgar Nunes Freire para lecionar na recém-inaugurada Escola de Música Carlos Gomes, onde funda uma orquestra.

1929 — Organiza, por ocasião da inauguração da estátua de José de Alencar, um orfeão de 8.309 participantes, cinco bandas com 160 músicos, além da Orquestra da Escola de Música Carlos Gomes.

1935 — Na Rádio Clube do Ceará, recebe convite para atuar como diretor artístico.

1936 — Por ocasião do Centenário de Carlos Gomes, rege no Teatro José de Alencar o Orfeão Carlos Gounod, do Colégio Cearense, fundado em 1913.

1938 — Tendo atuado com brilhantismo durante 19 anos, deixa o cargo de Mestre do Colégio Militar do Ceará.

1942 — De volta ao Rio de Janeiro, passa a lecionar na Escola Nacional de Música, dirigida pelo compositor Heitor Villa Lobos (1887-1959).

1943 — Reside em Niterói. Dedica-se às atividades de educação musical nos principais estabelecimentos de ensino do Rio de Janeiro.

1952 — Recebe a medalha de ouro "Honra ao Mérito" na Rádio Nacional.

1962 — Novamente é homenageado, recebendo a medalha de prata por ocasião do congresso de surdos e mudos, na Guanabara, como educador do respectivo instituto.

1969 — No dia 21 de agosto, recebe o título de Cidadão Cearense, outorgado pela Câmara Municipal de Fortaleza.

1970 — Falece no Rio de Janeiro, em 1.º de março, aos 80 anos de idade. Em 30 de outubro, sob patrocínio do Instituto Cylleno, é organizado um grande concerto da Banda de Música da Polícia Militar do Estado da Guanabara, em homenagem ao maestro
alagoano.

Euclides da Silva Novo
(Foto: Acervo Wilson José Lisboa Lucena)

       “O alagoano, feito cearense, torna-se um ilustre semeador e disseminador da cultura musical no Ceará. Sua operosidade expande-se, regendo bandas de música civis e coros, fundando institutos de música, organizando orquestras, exercendo cargos de direção artística e, sobremodo, dinamizando o ensino de música e canto orfeônico em inúmeros e diversificados estabelecimentos educacionais.” (LUCENA, p. 95)
        “Segundo o seu filho, Euclides Silva Novo Junior, quando numa regência daquela corporação militar [Banda de Música da Polícia Militar da Guanabara], [Silva Novo] promoveu um magistral show individual de flauta. Conta, ainda, que o pai, já aposentado, quando visitava uma filha na Bélgica, estendia a excursão à cidade de Hamburgo, na Alemanha, onde extasiava os germanos tocando cavaquinho. Produziu numerosas canções, arranjos corais e orfeônicos de melodias populares e folclóricas, peças para flauta, piano e banda de música,  além de ofícios religiosos.”  (LUCENA, p. 96)

Ed.: F. Ventura




[1] ANDRADE, F. Alves de. “Uma Rua Maestro Silva Novo”. In: Revista do Instituto Ceará, 1972. p. 300-304. PDF. Disponível em: <https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1972/1972-UmaRuaMaestroSilvaNovo.pdf> Acesso em: 20 de março de 2018.
COSTA, Marcelo Farias. Era Uma Vez Um Grêmio: O Teatro Musical de Carlos Câmara e a Construção do Teatro Cearense, 2013. PDF. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/JSSS-9GGG49/marcelo_tese_final_para_deposito_1_12.pdf?sequence=1> Acesso em: 20 de março de 2018.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Maceió: Editora Viva, 2016. vol. 2. p. 95-96.
MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Música no Ceará: Construção Intertextual à Luz do Arquivo da Banda de Música da Polícia Militar. PDF. Disponível em: <http://www.academia.edu/20202622/M%C3%BAsica_no_Cear%C3%A1_constru%C3%A7%C3%A3o_intertextual_%C3%A0_luz_do_arquivo_da_banda_de_m%C3%BAsica_da_Pol%C3%ADcia_Militar> Acesso em: 20 de março de 2018.
O POVO ON-LINE. Volteios da história, 2012. Disponível em: <https://www20.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2012/12/01/noticiasjornalvidaearte,2963725/2012-011212va01100-bb.shtml> Acesso em: 22 de março de 2018.