(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)
Guiomar
Uma linda valsa para banda
Por Billy Magno¹
Esta é uma das três obras escritas para banda de música pelo compositor Agérico Lins que
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Guiomar Pinheiro Machado (c.1935), a inspiração. |
foram preservadas na sua integridade, sendo as outras duas: Laura Figueiredo (valsa) e Chocolate (maxixe) . Ambas, em cópia de 1933, encontram-se no arquivo da Sociedade Musical Amor à Arte, em Florianópolis-SC, enquanto a valsa Guiomar encontra-se no arquivo pessoal de Antônio Melo Barbosa, filho do maestro Manoel Victorino Filho (1895-1960). Provavelmente o próprio homenageado tenha entregue a partitura para ser executada por Mestre Nozinho na banda de música da Sociedade União e Perseverança (SUP).
Conheci esta valsa quando estive na casa de Tonho pela primeira vez em maio de 1995 pesquisando outras obras, mas, somente em abril de 1997, quando lá estive novamente, ela chegaria em minhas mãos.
Escrita em 1915, esta obra demonstra a maturidade artística do compositor numa simples e dolente melodia bem ao gosto da época, mas em tonalidade tecnicamente difícil (mi bemol menor) e não muito usual para instrumentos de sopro.
Em 1944, ela passaria por uma primeira revisão feita por Mestre Nozinho, que em 30 de junho refez a parte de piston e acrescentou, em 7 de julho, a parte de sax alto, enquanto seu aluno Racine Bezerra Lima (1926) copiou a parte de baixo em dó. A segunda revisão foi feita por mim em setembro de 1997 quando acrescentei partes de 3º clarinete e 3º piston, ampliando a orquestração.
Dedicada a Augusto de Freitas Machado (1895-1987), na época um jovem de 20 anos que trabalhava como auxiliar do comércio em Maceió, a peça foi batizada com o nome de sua esposa, Guiomar Pinheiro Machado (quando solteira, Guiomar Lessa Pinheiro).
A ligação entre o compositor Agérico Lins e o homenageado Augusto Machado, parece se dar muito mais pela esposa deste e se baseia na hipótese de que, sendo o maestro tenente da Polícia Militar, (certamente) conhecia o capitão José Pinheiro da Silva, pai de Guiomar, noiva de Augusto. Não se sabe de quem partiu a intenção de escrever a valsa, se do compositor, por supostamente conhecê-la desde criança e ser amigo de seu pai, ou do próprio noivo que teria encomendado a música para impressionar a futura esposa, num gesto típico do romantismo dos bons e velhos tempos. Não foi possível apurar, mas a julgar pela dedicatória da capa original da partitura, parece mais uma nobre atitude do maestro para com os noivos, um digno presente de casamento, portanto.
Não seria demais arriscar que esta valsa poderia ter sido composta para ser executada pela banda de música da Polícia Militar sob regência do próprio compositor no enlace de Augusto e Guiomar ocorrido em 15/07/1915, talvez na própria igreja, fato esse que, por falta de fontes, permanece como mera especulação.
Na revisão feita para esta edição, foram eliminados os costumeiros erros ou enganos dos copistas da época e acrescentadas as partes de flauta, sax tenor e sax barítono, mantidas as de sax alto e baixo em dó da revisão de 1944, assim como as de 3º piston e 3º clarinete da revisão de 1997, nenhuma delas constante da orquestração original de 1915.
Hoje, 103 anos depois de ter sido escrita, temos finalmente a 1ª edição da bela valsa Guiomar, para que enfim se faça justiça à memória do pioneiro maestro alagoano Agérico Pontes de Azevedo Lins.
Augusto de Freitas Machado
O homenageado
De ilustre e tradicional família, nasceu Augusto em Pão de Açúcar-AL em 06/01/1895, filho
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Augusto de Freitas Machado (c.1940). (Arquivo Aldemar de Mendonça) |
do Cel. Manoel Antônio de Freitas Machado (nascido em 1855) e Rosa Maria Machado, sendo seus avós José de Freitas Machado e Maria Pastora Machado.
A família Machado, de origem portuguesa, se notabilizou por ser um celeiro de personalidades com destaque em várias vertentes. Seu pai foi prefeito de Pão de Açúcar de 1913 a 1917, além de grande fazendeiro como seus tios: Miguel de Freitas Machado (1851-1935) e Francisco de Freitas Machado (1859-1938). Seus primos José de Freitas Machado (1881-1955), Álvaro de Freitas Machado (1886-1956) e Antônio de Freitas Machado (1895-1970) se destacaram no campo da ciência e das letras respectivamente. O professor Freitas Machado, como era conhecido Zeca, seria um dos fundadores e 1º diretor da Escola Nacional de Química; Álvaro Machado, seria um dos pioneiros do jornalismo em Pão de Açúcar editando em 1909 o jornal A Ideia, (que no futuro se tornaria uma importante fonte de pesquisa sobre a cidade e sua gente naquele início de século XX), seria ainda dono de farmácia e coletor federal enquanto o professor Totonho Machado como era chamado, fundaria e seria diretor por muitos anos do Ginásio Dom Antônio Brandão.
Sem falar no seu irmão, o industrial José de Freitas Machado (1885-1958). Zuza Machado, como era conhecido, era um empreendedor visionário, adquirindo em janeiro de 1923 o primeiro automóvel da cidade, causando grande alvoroço na população que nunca tinha visto um até aquele dia e mais tarde, em novembro de 1926, inaugurando a 1ª empresa de luz elétrica da qual dependeria a cidade até 1963. Foi durante muitos anos o maior industrial e o cidadão mais abastado de Pão de Açúcar.
Augusto fez as primeiras letras em sua cidade natal e no começo da adolescência partiu para Recife, cidade onde estudavam os filhos das famílias mais abastadas de Pão de Açúcar, completando sua educação .
Nas férias escolares, entre dezembro de 1909 e janeiro de 1910, junto com alguns parentes e amigos, organiza o que seria o primeiro time de futebol em Pão de Açúcar, o Sport Club, baseado na agremiação do mesmo nome existente em Recife.
Cinco anos depois, na capital do estado, trabalhando como auxiliar do comércio, casa-se com Guiomar Lessa Pinheiro (feita Guiomar Pinheiro Machado), filha do capitão da Polícia Militar José Pinheiro da Silva, em cerimônia ocorrida em Maceió em 15/07/1915 e celebrada por outro tio: o monsenhor José de Freitas Machado (1857-1928).
Dotado de grande sensibilidade humana, inicia-se na política em 1932, tornando-se prefeito da cidade de Pão de Açúcar-AL, principiando o mandato em 9 de junho e concluindo em 11 de setembro de 1934.
Foi ainda prefeito na mesma cidade de 18/06/1941 a 14/01/1947, de 31/01/1966 a 30/01/1970 e, finalmente, de 01/02/1973 até 31/01/1977. Segundo Aldemar de Mendonça (1911-1983), seus quatro mandatos foram caracterizados principalmente pelo equilíbrio e tranquilidade social. Foi ainda deputado estadual em três legislaturas (1947-1950, 1951-1954 e 1955-1958), exercendo entre elas as funções de vice-presidente da Assembleia Legislativa e líder do governo Muniz Falcão (1956-1961). Em abril de 1959 torna-se ministro do Tribunal de Contas de Alagoas, onde se aposentou.
Às 14:30 da tarde de 18/01/1987, falece em sua casa situada no nº 53 da rua Barão de Anadia no centro de Maceió, sendo sepultado no Memorial Parque das Flores (Guiomar, sua fiel companheira de toda uma vida já havia partido anos antes). Saía de cena o homem que tanto lutou por sua gente, entrando definitivamente para a história de Alagoas.
Agérico Lins
O compositor
Genuíno dos Prazeres Pontes Lins e Idalina Pontes de Azevedo nasceram em Portugal. Ao chegarem ao Brasil já casados se fixaram em Passo de Camaragibe-AL, na época uma pequena vila e lá tiveram seus filhos sendo o primogênito, Agérico Pontes de Azevedo Lins, nascido em 1862.
Único músico profissional da família, Agérico foi trompetista, trombonista, flautista,
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Maestro Agérico Lins (1924). |
compositor, maestro e segundo o escritor Raul Lima (1911-1985), primeiro regente da banda de música União Camaragibana, fundada em 30/10/1890.
Casou-se com Anysia Accioly Lins (nascida cerca de 1864 e falecida por volta de 1955) e tiveram 18 filhos, mas criaram-se apenas Odolino (1894-1973), Regina (1897-1937), José Maria (nascido cerca de 1900 e falecido por volta de 1959) e Idalina (1907-1936).
Por decreto do Ministério da Justiça de 30/09/1895, é nomeado 2º tenente da 3ª bateria do 7º batalhão de artilharia de posição, na comarca de Camaragibe, conforme publicação do Diário Oficial da União (DOU) em 05/10/1895. Pouco depois, se muda com a família para o bairro da Levada em Maceió-AL.
Conforme o escritor Félix Lima Júnior (1901-1986) foi maestro da banda de música da Polícia Militar do Estado de Alagoas, embora seu prontuário não tenha sido encontrado, por ser anterior a 1919, data da organização do fichário geral.
Segundo Fernandina Caldas Farias (1915-2013), foi maestro desse batalhão durante vários anos.
Vasculhando os jornais da época, temos uma pista, pois seu nome aparece no Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), que em sua edição de nº 244 de 03/11/1907 publica:
"Hontem, dia consagrado à memória dos mortos, a Sociedade Auxiliadora dos Christãos depositou uma grinalda de saudades no tumulo do saudoso conego Octavio Costa , executando a banda de musica da policia e a do Monte Pio dos Artistas uma marcha funebre da lavra do professor Agérico Lins, a qual tem o nome daquelle sacerdote alagoano."
O mesmo jornal noticiaria na edição nº 87 de 21/04/1908:
"O collegio 16 de setembro, de propriedade e direcção do professor Almeida Leite, celebra ao meio dia, uma sessão civica commemoratica. Após a abertura da sessão presidida pelo sr. Dr. Guedes Lins, será entoado o Hymno a Tiradentes, lettra do Director e musica do sr. Professor Agérico Lins, pela senhorita Marily Leite."
Em 1912, é convidado a organizar e reger a banda de música do centro operário da fábrica
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Edifício da Fábrica de tecidos União Mercantil do distrito de Fernão Velho, em 1911, cuja direção da banda de música coube a Agérico no ano seguinte. |
de tecidos da Companhia União Mercantil (da família Machado), localizada no então distrito de Fernão Velho, cujos diretores a partir de 1911, Antônio de Melo Machado e Arthur de Melo Machado, comandarão a empresa até 1938.
Ainda segundo Fernandina, como a distância de Fernão Velho era de 10 ou 15 minutos, ele achou por bem levar a família para morar lá, trabalhando durante o dia em Maceió e indo à tarde para Fernão Velho. Encerrado o trabalho nesse distrito, rumou para a cidade do Pilar para reger a banda local, mas pouco se sabe sobre sua estadia naquela cidade.
Em 09/11/1916, vamos encontrá-lo como correspondente do jornal Diário do Povo, no banquete oferecido pelo Partido Democrata ao (então vice-governador) Dr. Fernandes Lima (1868-1938) no (inaugurado poucos anos antes) Theatro Deodoro, conforme atesta dois dias depois o nº 149 da edição alagoana de O Semeador.
Nomeado comissário em comissão (o que, na prática, equivalia ao papel de delegado) em Palmeira dos Índios-AL, o jornal local O Índio, em sua seção intitulada Visitas na edição nº 37 de 09/10/1921 publica:
"Deram-nos o prazer de suas visitas o Tenente Agérico Lins, recentemente nomeado commissario em commissão deste municipio e o Sargento Candido Barbosa. Gratos."
Uma semana depois, o sargento Candido e outros subordinados eram denunciados por abuso de autoridade pelo mesmo jornal em artigo assinado por Idalino Araújo e datado do dia 10, intitulado Os Porcinos em Palmeira. É importante notar o prestígio de que gozava o maestro, pois mesmo numa situação como essa o artigo destaca:
"O illustre Sr. Tenente Agerico, homem calmo e conhecedor das necessidades do matuto sertanejo, desapaixonado como é, de certo voltará suas vistas para este grupo semelhante aos Porcinos, que envergonham a nobre farda da tradicional polícia de Alagôas."
A mesma edição também informa sobre a Festa do Sagrado Coração que ocorreria em 30 de outubro de 1921, cuja missa foi acompanhada por uma banda de música e um coro de vozes regido pelo tenente Agérico Lins auxiliado pelo maestro Homero Tomaz.
Já o escritor Ivan Barros (1943) registra:
"Em 21 de novembro do mesmo ano, em honra de Santa Cecília, na igreja da matriz em Palmeira dos Índios-AL, foi promovida uma linda festa pela Filarmônica Santa Cecília com tríduo solene e missa cantada, ensejo que brilhou a batuta do maestro Agérico Lins." (BARROS, 1969)
O jornal Diário de Pernambuco fornece mais uma pista de sua passagem pela banda da PM alagoana quando publica em edição nº 300 de 24/12/1922 que:
"Do posto de 2º tenente do batalhão de Polícia Militar foi exonerado a pedido o sr. Agérico Lins, nomeado para substituir o 2º tenente graduado Antônio Medeiros Lins. E o jornal continua: O sr. Agérico Lins foi nomeado para exercer interinamente o cargo de amanuense do Monte Pio dos servidores do Estado, o qual estava vago pela recente morte do Sr. Miguel Porto."
Esta manchete se refere ao fato dele ter deixado a farda para ir trabalhar no Tesouro Estadual em Maceió, onde se aposentou.
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Banda da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de Rio Largo em 01/05/1927. (Arquivo Floriano Queiroz) |
Foi ele o primeiro regente da Banda dos Operários da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de Rio Largo (CAFT), conhecida como Música da Cachoeira, criada pelo comendador Gustavo Paiva (1892-1943) em 1926.
Conforme o escritor Moacir Medeiros de Sant'Ana, Agérico participou em 1929 da Jazz Band dos Meninos, ao lado do pintor e músico Zaluar de Sant’Ana (nascido em 1904) e em 1932, foi regente da orquestra da Consagração Mariana de Maceió.
O professor Agérico era espírita, tendo sido presidente doutrinador do grupo (fundado em 23/12/1899) São Vicente de Paula. Faleceu em Rio Largo-AL, em setembro de 1935, vitimado pela tuberculose.
Segundo Fernanda Anajas Caldas Farias (1948), acatando um conselho comum na época, de queimar todos os pertences do enfermo, sua esposa queimou grande volume de composições, restando apenas algumas melodias e apenas três obras completas para banda de música e outra para piano descobertas até agora.
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Referências
ANAJAS, Fernanda. Resgate Musical — Prof. Agérico Pontes de Azevedo Lins. Cadenza Editorações Musicais, s/d.
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário Biobibliográfico, Histórico e Geográfico das Alagoas. PDF. Edições do Senado Federal: Brasília, 2005. 2v. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1104> Acesso em: 02 de maio de 2018.
BARROS, Ivan. Palmeira dos Índios – Terra e Gente. São Paulo: Imprensa Metodista, 1969.
JUNIOR, Felix Lima. Pequena História da Polícia Militar de Alagoas. Maceió: 1ª edição 1990 – Cesmac: 2ª edição, 2017.
LIMA, Raul. O fio do tempo. Recife: Imprensa Universitária, 1970.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição – A Banda de Música em Alagoas. Vol. II. Maceió: Viva editora, 2016.
MENDONÇA, Aldemar de. Pão de Açúcar – História e Efemérides. Edição Independente, 1974.
SANT'ANA, Moacir Medeiros de. Zaluar, um homem de muitas artes. Maceió: Sergasa, 1987.
Jornais:
Diário de Pernambuco, edição nº 300 de 24/12/1922.
Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), edição nº 244 de 03/11/1907 e nº 87 de 21/04/1908.
O Índio, edição nº 37 de 09/10/1921 e nº 38 de 16/10/1921.
O Semeador, edição nº 149 de 11/11/1916.
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[1] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno
Barbosa Fialho (Pão
de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na
adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na
profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo
Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e
regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone)
e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class
de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com
David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na
qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em
junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)