segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Chocolate (Agérico Lins)




(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

Chocolate

Maxixe por Agérico Lins (1862-1935)

E uma pequena história do maxixe em Alagoas


Por Billy Magno[i]


Na definição do pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão (*1928) o maxixe é uma “forma malandra e exagerada de dançar a polca-tango, que acabaria por fazer surgir o maxixe como gênero musical autônomo”.
No livro Maxixe – A Dança Excomungada, de 1974, Jota Efegê (1902-1987) afirma que a primeira citação ao ritmo apareceu na propaganda de um baile de carnaval que iria acontecer no Clube dos Democráticos no Rio de Janeiro, publicada no Jornal do Brasil, em fevereiro de 1883. O nome, tomado emprestado da hortaliça, faz uma associação irônica a seu pouco valor.
O teatro de revista, que fazia uma crítica acirrada aos costumes durante o período da Belle Époque, em breve se apropriaria do gênero. Escrita por Arthur Azevedo, A República estreou em 26 de março de 1890 e foi responsável por popularizar o primeiro grande sucesso do maxixe, intitulado As Laranjas da Sabina.
Apesar de as poucas músicas que chegaram a ser editadas se encontrarem sempre em forma de redução para piano, foi na Banda de Música que o maxixe encontrou o seu mais expressivo meio de execução. Antes mesmo das primeiras gravações e bem antes do rádio, eram as bandas (civis e militares) a forma mais popular de divulgação deste gênero, além de ser em muitos lugares o único meio disponível para se ouvir música. É certo que existiam os saraus com pequenas orquestras ou música executada ao piano, porém, eram formas restritas à elite da época, estando os coretos das praças para o povo como os teatros para os endinheirados.
            O maxixe parece ter chegado a Alagoas em meados da última década do século XIX. Uma das primeiras citações ao gênero, mas se referindo à dança e não à música – esta chegaria pouco depois e mesmo assim disfarçada de tango –, aparece em 07/12/1898 na edição nº 107 do jornal O Orbe, num conto denominado A cartola do tio:

Uma das bandas federaes executava um maxixe, e, em tudo que alli estacionava – cousas ou individuos, real ou apparentemente, havia um saracoteamento languido e voluptuoso ao passo d'aquella adoravel e diabolica tentação acustica.

           Seria ele colocado em prática no ano seguinte e, acredite se quiser, numa encenação de Fausto, de Goethe, como narra o crítico Aristobulo, do jornal Gutenberg:

Notamos o correcto valsar de Josephina Ely e Delphica de Araujo que n'um desmanchamento por demais dengoso machucaram n'uns requebros de maxixe, inadmissiveis no entrecho da obra de Goethe.

          É na virada do século, bem dentro da chamada Belle Époque alagoana que surgem ou se firmam compositores que cultivam o gênero em todo o estado, como veremos mais adiante, estando esses à altura dos melhores compositores da matriz carioca.
         Por ser sua dança considerada lasciva e de forte apelo sexual, logo o maxixe seria taxado de vulgar e chulo, considerado de mau gosto, despachado como música das classes mais baixas, perseguido e atacado pela elite moralista da época tendo a igreja católica na linha de frente, não sendo diferente em Alagoas como atesta o artigo intitulado Companhia Molasso, publicado na edição nº 165 de 01/12/1916 do jornal O Semeador:

Por mais que sem nenhum outro interesse, como é claro, que não pela moralidade dos nossos costumes, brademos contra os maus theatros, cada dia, num despreso e revolta, num desrespeito formal pelas nossas tradições de povo simples e honesto, os theatros como que de proposito procuram offender a dignidade da nossa gente. Assim é que hoje a Companhia Molasso vae apresentar espectaculos de maxixe e tango, e no grande theatro da terra. É muito triste! Dizem que quando a imprensa catholica protesta contra os maus theatros, a enchente é maior. Pouco nos importa isso. Cumprimos com o nosso dever. Demais conhecemos bem as nossas familias e por isso temos a certeza de que a apregoada enchente não será de pessoas pouco escrupulosas no que diz os bons costumes. O theatro Deodoro, hoje não deve ser frequentado, principalmente pelas nossas dignas familias tão respeitaveis pelas suas conhecidas virtudes, que não devem ser expostas aos perigos evidentes dos maus theatros.

 Os compositores, patrulhados, foram obrigados a escondê-lo sob a forma de outros gêneros sendo o mais comum o tango, que na sua forma brasileira parece ter como única semelhança com o irmão argentino o compasso binário. Outros que assinaram o gênero se esconderam sob pseudônimo ou ficaram propositadamente no anonimato e somente pouquíssimos assumiram o gênero e a identidade. As primeiras partituras a assumir o gênero só aparecem por volta de 1902/1903.
Jornais da época, como o Gutenberg, divulgavam espetáculos teatrais que tinham o ritmo como trilha sonora.
Os atores João de Deus e Esther Bergerat cantam em dueto a cançoneta "O Maxixe", na peça apresentada em 3 atos, com tradução de Lucio Pires, "Os maridos da viuva" de C. Grenet e Dancourt, apresentada em 1910 no recém inaugurado Theatro Deodoro e tendo a orquestra regida por Benedicto Silva (1859-1921), o versátil compositor alagoano.
O maestro Benedicto musicara as revistas de costumes de Manoel Rodrigues de Mello (1876-1946) "Maceió na rua" (1908)[1], encenada com grande sucesso no velho e modesto teatro Maceioense[2] e uma das primeiras peças encenadas no Theatro Deodoro: "Maceió moderno" (1911), do mesmo autor cujo score estava repleto de maxixes.
De 1911 é também o espetáculo Bella Zazá, que estreara em abril no cinema Helvética – inaugurado menos de dois meses antes do Deodoro – onde (como noticiado pelo Gutenberg de 12 de abril) na última cena era dançado o famoso maxixe "O corta-jaca", de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), em que a dançarina “com muita graça erguia os folhos[3] do saiote para que com maior liberdade os seus travessos pés dessem nas táboas do palco os ameudados[4] talhos característicos da cançoneta”.

La_Matchiche.  Fotografia de Édouard Stebbing
(c. 1910)

Um ano antes, em março e também no Helvética, num programa que exibia em sua primeira parte três filmes (comédias curtas) e na segunda parte números musicais, os atores Brandão Sobrinho e Aminta Circe cantam em dueto um número chamado "Maxixe Aristocrata".
A Maceió da Belle Époque não ficaria imune ao maxixe, nascido pelas mãos dos negros na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro, logo se espalhando por todo o país e depois pelo mundo.
Em Alagoas, os principais compositores incorporam o maxixe ao seu repertório: Valério de Farias Pinheiro, Benedicto Silva e Agérico Lins contribuem significativamente para a música brasileira ao comporem também o seu próprio material original – Agérico, com o maxixe Chocolate.
Ele aparece aqui restaurado à partir duma cópia de 1933, que provavelmente não é a data original da composição (que pode ter sido escrita na década de 1910) e foi encontrada no arquivo da Sociedade Musical Amor à Arte (fundada em 1897), da cidade de Florianópolis em Santa Catarina e preservada graças aos esforços e cuidados de Nélio Schimidt[5] e Jonathas B. Simas[6].
O copista J.S. Castro Silva iniciou os trabalhos numa quinta-feira, 25 de maio de 1933, copiando: requinta; 1º, 2º e 3º clarinetes; sax alto e os dois pistões. No dia seguinte, escreveu a parte do bombardino.
Só voltaria ao trabalho nove dias depois, escrevendo as partes de trombone no dia 13 de junho. No dia 15, escreve as partes de barítono, 1ª e 2ª trompa, deixando 3ª trompa e tuba em mi bemol para o dia seguinte.
Em 17 de junho, copia a parte de tuba em si bemol e encerra o trabalho na segunda-feira (19) com a parte da percussão. Haviam-se passados 25 dias desde a primeira cópia.
Não se sabe ao certo como essas obras foram parar num lugar tão distante do lugar de origem do seu compositor Agérico Lins (1862-1935), maestro que teve quase a totalidade de sua obra destruída após a morte, restando apenas – e até agora encontradas – quatro composições. Curiosamente, tanto nesse maxixe quanto na valsa Laura Figueiredo, copiada no verso e também de sua autoria, seu nome está grafado erroneamente como “Agério”. É estranho, mas não ilógico, pois o seu filho Odolino Accyoli Lins (1894-1973) residiu na cidade por longos anos, desde que fora transferido do 20º B.C. (em Maceió) e lá chegara ao que tudo indica em fins da segunda ou início da terceira década do século XX. Poderia ele ter levado a música para Florianópolis e esta ter chegado as mãos do maestro Pedro Pavão do Nascimento (falecido em 1940), então maestro da Amor à Arte, que a recebeu de presente do amigo Freire (como consta na capa: "Pertence a Pedro Pavão por presente do amigo Freire").
No que tange a sua musicalidade, Chocolate é um maxixe na tonalidade de si bemol maior, bem jocoso, buliçoso e alegre, bem ao gosto da época e ao mesmo tempo com características depois adotadas pelo choro como o uso da melodia nos instrumentos graves como o bombardino, a tuba e o desaparecido oficleide (recurso adotado pelo violão de 7 cordas nos modernos conjuntos regionais).
Num trabalho realizado por Flávio Ventura[7], sob minha supervisão, procurou-se eliminar as incoerências harmônicas e os eventuais erros dos copistas da época e ampliar a orquestração acrescentando nesta edição as partes de flauta (ou flautim), 3º piston, 3º trombone, sax tenor e sax barítono, que não constam da orquestração original, sem prejuízo do material original.
Agora, apresentamos uma nova edição totalmente revisada do maxixe Chocolate, 85 anos depois de copiadas as primitivas partes, com toda a sua graça e punjança rítmica e o melhor de tudo: sem o preconceito que tanto tolheu  a criatividade dos compositores da época.
Com esse trabalho, toda uma era se recompõe como que por encanto e assim também podemos fazer justiça à memória dos antigos compositores hoje tão injustamente esquecidos, aqui representados pelo grande professor e maestro Agérico Lins.


São Paulo, Agosto de 2018

                                                                                         


Agérico Lins

O compositor



Genuíno dos Prazeres Pontes Lins[8] e Idalina Pontes de Azevedo nasceram em Portugal. Ao
Maestro Agérico Lins (1924)
chegarem ao Brasil já casados se fixaram em Passo de Camaragibe-AL, na época uma pequena vila e lá tiveram seus filhos, sendo o primogênito, Agérico Pontes de Azevedo Lins, nascido em 1862. 
Único músico profissional da família, Agérico foi trompetista, trombonista, flautista, compositor, maestro e segundo o escritor Raul Lima (1911-1985)[9], primeiro regente da banda de música União Camaragibana, fundada em 30/10/1890.
Casou-se com Anysia Accioly Lins (nascida cerca de 1864 e falecida por volta de 1955) e tiveram 18 filhos, mas criaram-se apenas Odolino (1894-1973), Regina (1897-1937), José Maria (nascido cerca de 1900 e falecido por volta de 1959) e Idalina (1907-1936).
Por decreto do Ministério da Justiça de 30/09/1895, é nomeado 2º tenente da 3ª bateria do 7º batalhão de artilharia de posição, na comarca de Camaragibe, conforme publicação do Diário Oficial da União (DOU) em 05/10/1895.  Pouco depois, se muda com a família para o bairro da Levada em Maceió-AL.
Conforme o escritor Félix Lima Júnior (1901-1986)[10] foi maestro da banda de música da Polícia Militar do Estado de Alagoas, embora seu prontuário não tenha sido encontrado, por ser anterior a 1919, data da organização do fichário geral.
Segundo Fernandina Caldas Farias (1915-2013)[11], foi maestro desse batalhão durante vários anos.
Vasculhando os jornais da época, temos uma pista, pois seu nome aparece no Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), que em sua edição de nº 244 de 03/11/1907 publica:

Hontem, dia consagrado à memória dos mortos, a Sociedade Auxiliadora dos Christãos depositou uma grinalda de saudades no tumulo do saudoso conego Octavio Costa[12], executando a banda de musica da policia e a do Monte Pio dos Artistas uma marcha funebre da lavra do professor Agérico Lins, a qual tem o nome daquelle sacerdote alagoano.

O mesmo jornal noticiaria na edição nº 87 de 21/04/1908:

O collegio 16 de setembro, de propriedade e direcção do professor Almeida Leite, celebra ao meio dia, uma sessão civica commemoratica. Após a abertura da sessão presidida pelo sr. Dr. Guedes Lins, será entoado o Hymno a Tiradentes, lettra do Director e musica do sr. Professor Agérico Lins, pela senhorita Marily Leite.

Em 1912, é convidado a organizar e reger a banda de música do centro operário da fábrica de tecidos da Companhia União Mercantil (da família Machado), localizada no então distrito de Fernão Velho, cujos diretores a partir de 1911, Antônio de Melo Machado e Arthur de Melo Machado, comandarão a empresa até 1938.

Edifício da fábrica de tecidos União Mercantil no distrito de Fernão Velho, em 1911.
Ainda segundo Fernandina, como a distância de Fernão Velho era de 10 ou 15 minutos, ele achou por bem levar a família para morar lá, trabalhando durante o dia em Maceió e indo à tarde para Fernão Velho. Encerrado o trabalho nesse distrito, rumou para a cidade do Pilar para reger a banda local, mas pouco se sabe sobre sua estadia naquela cidade.
Em 09/11/1916, vamos encontrá-lo como correspondente do jornal Diário do Povo, no banquete oferecido pelo Partido Democrata ao (então vice-governador) Dr. Fernandes Lima (1868-1938) no (inaugurado poucos anos antes) Theatro Deodoro, conforme atesta dois dias depois o nº 149 da edição alagoana de O Semeador.
Nomeado comissário em comissão (o que, na prática, equivalia ao papel de delegado) em Palmeira dos Índios-AL, o jornal local O Índio, em sua seção intitulada Visitas na edição nº 37 de 09/10/1921 publica: "Deram-nos o prazer de suas visitas o Tenente Agérico Lins, recentemente nomeado commissario em commissão deste municipio e o Sargento Candido Barbosa. Gratos."
          Uma semana depois, o sargento Candido e outros subordinados eram denunciados por abuso de autoridade pelo mesmo jornal em artigo assinado por Idalino Araújo e datado do dia 10, intitulado Os Porcinos em Palmeira. É importante notar o prestígio de que gozava o maestro, pois mesmo numa situação como essa o artigo destaca:

O illustre Sr. Tenente Agerico, homem calmo e conhecedor das necessidades do matuto sertanejo, desapaixonado como é, de certo voltará suas vistas para este grupo semelhante aos Porcinos, que envergonham a nobre farda da tradicional polícia de Alagôas.

A mesma edição também informa sobre a Festa do Sagrado Coração que ocorreria em 30 de outubro de 1921, cuja missa foi acompanhada por uma banda de música e um coro de vozes regido pelo tenente Agérico Lins auxiliado pelo maestro Homero Tomaz.
Já o escritor Ivan Barros (1943)[13] registra:

Em 21 de novembro do mesmo ano, em honra de Santa Cecília, na igreja da matriz em Palmeira dos Índios-AL, foi promovida uma linda festa pela Filarmônica Santa Cecília com tríduo solene e missa cantada, ensejo que brilhou a batuta do maestro Agérico Lins.

O jornal Diário de Pernambuco fornece mais uma pista de sua passagem pela banda da PM alagoana quando publica em edição nº 300 de 24/12/1922 que:

Do posto de 2º tenente do batalhão de Polícia Militar foi exonerado a pedido o sr. Agérico Lins, nomeado para substituir o 2º tenente graduado Antônio Medeiros Lins. E o jornal continua: O sr. Agérico Lins foi nomeado para exercer interinamente o cargo de amanuense[14] do Monte Pio dos servidores do Estado, o qual estava vago pela recente morte do Sr. Miguel Porto.

Esta manchete se refere ao fato dele ter deixado a farda para ir trabalhar no Tesouro Estadual em Maceió, onde se aposentou.
Foi ele o primeiro regente da Banda dos Operários da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de Rio Largo (CAFT), conhecida como Música da Cachoeira, criada pelo comendador Gustavo Paiva (1892-1943) em 1926.


Banda da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos da cidade de Rio Largo, em 01/05/1927.
(Arquivo Floriano Queiroz)

Conforme o escritor Moacir Medeiros de Sant'Ana[15], Agérico participou em 1929 da Jazz Band dos Meninos, ao lado do pintor e músico Zaluar de Sant’Ana (nascido em 1904) e em 1932, foi regente da orquestra da Consagração Mariana de Maceió.
O professor Agérico era espírita, tendo sido presidente doutrinador do grupo (fundado em 23/12/1899) São Vicente de Paula. Faleceu em Rio Largo-AL, em setembro de 1935, vitimado pela tuberculose.
Segundo Fernanda Anajas Caldas Farias (1948)[16], acatando um conselho comum na época, de queimar todos os pertences do enfermo, sua esposa queimou grande volume de composições, restando apenas algumas melodias e apenas três obras completas para banda de música e outra para piano descobertas até agora.





Referências


ANAJAS, Fernanda. Resgate Musical — Prof. Agérico Pontes de Azevedo Lins. Cadenza Editorações Musicais, s/d.
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: Dicionário Biobibliográfico, Histórico e Geográfico das Alagoas. PDF. Edições do Senado Federal: Brasília, 2005. 2v. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1104> Acesso em: 02 de maio de 2018.
BARROS, Ivan. Palmeira dos Índios – Terra e Gente. São Paulo: Imprensa Metodista, 1969.
JUNIOR, Felix Lima. Maceió Antigo. Jornal de Alagoas, Maceió, nº 35, abril de 1952.
JUNIOR, Felix Lima. Pequena História da Polícia Militar de Alagoas. Maceió: 1ª edição 1990 – Cesmac: 2ª edição, 2017.
LIMA, Raul. O fio do tempo. Recife: Imprensa Universitária, 1970.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição – A Banda de Música em Alagoas. Vol. II. Maceió: Viva editora, 2016.
MACHADO, Sandra. O excomungado maxixe, 2015. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/1047-o-excomungado-maxixe> Acesso em: 11 de setembro de 2018.
MEMÓRIAS DA VOVÓ DINA, Diário da Dona Gorda – Parte 12. Disponível em: <https://diariodadonagorda.wordpress.com/tag/infancia/page/2/> Acesso em: 02 de maio de 2018.
MENDONÇA, Aldemar de. Pão de Açúcar – História e Efemérides. Edição Independente, 1974.
REVISTA O MALHO. Rio de Janeiro: Edição nº 446, 1911. Disponível em: <http://omalho.casaruibarbosa.gov.br> Acesso em: 02 de maio de 2018.
SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Benedito Silva e sua época. Maceió: Arquivo Público de Alagoas/SENEC, 1966.
SANT'ANA, Moacir Medeiros de. Zaluar, um homem de muitas artes. Maceió: Sergasa, 1987.
TICIANELI, Edberto. Gustavo Paiva, o comendador dos operários de Rio Largo. Disponível em: <http://www.historiadealagoas.com.br/gustavo-paiva-o-comendador-dos-operarios-de-rio-largo.html> Acesso em: 02 de maio de 2018.

Jornais:

Diário de Pernambuco, edição nº 300 de 24/12/1922.
Gutenberg (Órgão da Associação Typographica Alagoana de Socorros Mutuos), edição nº 181 de 26/08/1899, nº 244 de 03/11/1907, nº 87 de 21/04/1908, nº 259 de 01/12/1910, nº 51 de 10/03/1911 e nº 78 de 12/04/1911.
O Índio, edição nº 37 de 09/10/1921 e nº 38 de 16/10/1921.
O Orbe, nº 107 de 07/12/1898.
O Semeador, edição nº 149 de 11/11/1916 e nº 165 de 01/12/1916.




[1] Com a atriz Cândida Palácios no elenco.
[2] Localizado na Rua do Sol cujo prédio serviria depois ao cinema Delícia, sendo demolido em fins da década de 1940.
[3] Segundo o Aurélio, folhos “são adornos pregueados com que se guarnecem vestidos, toalhas, colchas etc.’’
[4] Ameudados: antiga grafia de “amiudados” = frequentes.
[5] Trompetista e presidente da Sociedade Musical Amor à Arte.
[6] Trombonista e arquivista da Sociedade Musical Amor à Arte.
[7] Nascido em 1978 na cidade de Paulo Afonso (BA), pesquisador e músico da Banda de Música Mestre Elísio José de Souza (1989), atual Filarmônica Mestre Elísio, da cidade de Piranhas/AL.
[8] Seu nome é encontrado na lista de eleitores de Passo de Camaragibe em 1880. Em 1891, administrava o trapiche Rego (armazém onde estão armazenadas as mercadorias destinadas à importação ou exportação). No mesmo ano, lecionava música na cidade o professor Manoel Fortunato de Paiva Sobrinho.
[9] (Lima, 1970).
[10] (Junior, 2017).
[11] Neta do compositor, em seu blog "Memória da Vovó Dina” (2009-2013).
[12] Cônego José Octavio de Farias Costa (Pão de Açúcar, 01/11/1866 – Maceió, 22/05/1907) Ordenado no Seminário de Olinda (1892), vigário de Maceió (1898), senador estadual e lente catedrático do Lyceu Alagoano (1904-1907).
[13] (Barros, 1969).
[14] Funcionário de repartição pública que fazia cópias, registros e cuidava da correspondência.
[15] (Sant'Ana, 1987).
[16] Bisneta do compositor, sem a qual muito desta pesquisa não teria sido possível.


[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores José Ramos dos Santos e Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) José Ramos de Souza (saxofone) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)




sábado, 25 de agosto de 2018

Experiência — Antônio de Castro Passinha (1894-1936)

Revisto e atualizado em 13 de agosto de 2020 às 21h16min.


(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

EXPERIÊNCIA

Dobrado de Antônio de Castro Passinha

Por Billy Magno[i]

 Se na primeira versão deste texto a percepção era de que poucas obras do hoje esquecido compositor haviam resistido ao tempo, não existindo até o momento uma análise da sua produção musical, o que impossibilita uma análise em termos quantitativos, ela começou a mudar depois das pesquisas realizadas em novembro de 2018 e janeiro de 2019 respectivamente nos arquivos de Antônio Melo Barbosa (1932-2019) e da Banda de Música do 59º BIMtz, antigo 20º B.C., somando-se ao arquivo da Sociedade Musical Guarany.

Se existia a indagação de que poderia ele, por exemplo, ter deixado obra consideravelmente numerosa, mesmo levando-se em consideração o fato de ter vivido apenas 41 anos e quase a totalidade dessa obra ter sumido na poeira do tempo, muito devido à má conservação dos originais, em mãos de assassinos memoriais ou simplesmente o próprio compositor ter se dedicado pouco ao exercício dessa arte, deixando apenas poucos exemplos da sua genialidade, essa mesma indagação pode ser respondida agora com a gratificante surpresa da descoberta de 20 obras no acervo da banda do 59º BIMtz e todas elas completas mais algumas encontradas no arquivo de Tonho do Mestre, como era então chamado Antônio Melo Barbosa. Ao todo chegou-se ao número de 26 composições assinadas pelo maestro Antônio Passinha (algumas delas são comuns em mais de uma fonte), um número bastante razoável que perfaz um período de pouco mais de uma década de criação (1922-1931) onde predominam os dobrados, mas que também privilegia valsas, hinos, samba e até um curioso fado-tango.

É sabido também que algumas de suas obras se espalharam pelo país, sendo encontradas em lugares tão díspares quanto afastados do centro de sua atuação, como é o caso de Florianópolis-SC, onde foram encontrados dois dobrados de sua autoria no arquivo da Sociedade Musical Amor à Arte (fundada em 1897) e cuja cópia de um deles, o dobrado Sargento Baptista, é de 1927.

O dobrado Tenente Portugal Ramalho[1], que homenageia distinta figura da capital alagoana, foi encontrado com cópia de 1943 na Sociedade Musical Carlos Gomes de Marechal Deodoro-AL, fundada em 1915, cuja proximidade com Maceió, cidade onde viveu e trabalhou o autor, explica a sua existência no arquivo.

Em Pão de Açúcar, cidade onde nasceu o compositor, encontravam-se no arquivo da Sociedade Musical Guarany (fundada em 1918) dois dobrados cuja data nas cópias não comprova o ano exato das composições, mas pode ser usada como uma estimativa.

O dobrado Tenente Nascimento, em cópia de 1926, é lembrado (pelos poucos músicos ainda vivos que o executaram) pela sua difícil tonalidade para banda de música, Mi bemol menor, que exige grande preparo técnico dos executantes. De todos os citados, é o que se encontra em pior estado de conservação dos originais, tendo mesmo que se fazer em algumas partes um verdadeiro trabalho de “arqueologia”, tal qual o fiz quando trabalhei na recuperação de algumas partes entre 1995 e 1996; no entanto, é de fácil recuperação, pois está praticamente completo. O segundo dobrado, chamado Experiência, tem a data de 1928 nas cópias mais antigas e, apesar de mais bem conservado, encontrava-se incompleto, sem as partes dos pistons. Com a pesquisa ele surgiu completo, mas numa cópia de 1954, porém mantivemos aqui a cópia primitiva de 1928 pegando emprestando o que estava faltando.

Dois copistas fizeram todo o trabalho. O primeiro, Davidson Pereira – que se suspeita que seja de Traipu (AL) –, algumas vezes estranhamente grafava seu nome ao contrário: “Nosdivad Arierep”. Copista experiente, foi responsável por colocar no papel outras peças encontradas no arquivo da Guarany, como os dobrados Olyntho Mattos[2], Ricardo Morais (Domingos Queiroz), De Paris a Londres (autor desconhecido) e Nº 155 (Lauro Carmo), todos no ano de 1928.

De acordo com as cópias de 1928 ainda existentes, percebe-se que ele começou a copiar de forma aleatória, sem obedecer a um esquema rígido de ordenamento, iniciando o trabalho pelos instrumentos tradicionalmente de contracanto.

Em 5 de outubro abriu os trabalhos com a primeira e única parte da orquestração escrita nesse dia: o barítono em si bemol, continuando no dia seguinte com a parte de bombardino, que é praticamente a mesma do barítono, somente alterando-se a clave de sol para clave de fá e a tonalidade, de Lá menor para Sol menor e então diversificou o trabalho escrevendo a parte da requinta, que toca em contracanto, contrapondo-se a melodia principal na primeira parte do dobrado e, por fim, foi para a harmonia, escrevendo numa única parte, como era costume na época, 1ª e 2ª trompas em mi bemol.

Não há registro do trabalho no dia 7, talvez por faltarem as partes originais de 1º e 2º clarinetes, 1º e 2º pistons, 1º e 2º trombones, as tubas em si bemol e mi bemol (na época, helicon) e a percussão, mas muito provavelmente pelo dia 7 ter caído num domingo, dia de descanso.

Prosseguiu no dia 8, copiando a parte do 3º clarinete, a única parte que sobrou da orquestração original. Sendo a única parte disponível deste dia de trabalho, tem-se a impressão de que as partes de 1º e 2º clarinete também foram copiadas nesse mesmo dia.

Concluiu o trabalho no dia 9 de outubro, escrevendo numa mesma parte a 2ª e 3ª trompas em mi bemol. As partes faltantes ou ausentes na orquestração de 1928 seriam anos depois refeitas e revistas por Mestre Nozinho, segundo copista deste dobrado.

Manoel Victorino Filho, o abnegado professor e maestro nascido em Neópolis (SE) em 17/10/1895, era filho de Manoel Victorino Barbosa (guarda da linha telegráfica nascido em 1870 e sobrevivente do naufrágio da lancha Moxotó, ocorrido em 10/01/1917) e de Olympia Castro Barbosa.

Aluno do maestro Emygdio Bezerra Lima (1865-1931), foi exímio executante de pistom, violão e violino e esteve à frente da banda de música em Pão de Açúcar (Sociedade União e Perseverança, Pão-de-assucarense e Guarany) por quase 45 anos, de 1917 até a sua morte ocorrida em Maceió em 18/04/1960.

Em 1944 ele faria uma revisão do dobrado, refazendo o que estava faltando e acrescentado novas partes para novos instrumentos como o saxofone alto, que só chegou na banda em 1931.

Em 25 de junho ele refez curiosamente no verso da parte da 2ª e 3ª trompas copiada por Davidson Pereira a parte de 2º clarinete, faltante no original de 1928 talvez já naquele ano.

Passada quase uma semana, em 1º de julho ele acrescenta uma parte para o sax alto, então inexistente na orquestração original.

A última revisão seria feita apenas em 1951, 23 anos após as primeiras cópias. Em 1º de setembro são refeitos numa única parte os trombones e no dia seguinte as partes da tuba em si bemol e tuba em mi bemol, provavelmente porque a esta altura as partes de 1928 já estavam perdidas.

A curiosidade a respeito desse dobrado começa com a data. 1928 é a data estabelecida unicamente porque as partes copiadas neste ano estão em maior número; entretanto, como foi dito no início, isto não comprova a data original, principalmente se levarmos em consideração a parte do baixo em dó[3], escrita por Mestre Nozinho no verso da única parte existente do dobrado Gallieni Ribeiro[4]. A parte do baixo em dó do dobrado Experiência não está datada, mas é uma das poucas que tem o nome completo do compositor, o que muito facilitou o trabalho de identificação, já a parte de Gallieni Ribeiro, no verso, tem data de 15/10/1927, o que gera duas perguntas:

1.      Teria Mestre Nozinho feito uma parte para baixo em dó do dobrado Experiência, e no verso uma parte do mesmo instrumento para o dobrado Gallieni Ribeiro no mesmo ano de 1928, no mesmo mês de outubro, com diferença de uma semana, depois da última cópia de Davidson Pereira e se enganado ao grafar 1927 em vez de 1928?

2.      Seria o dobrado Experiência anterior a 1928, tendo Mestre Nozinho escrito a parte de baixo em dó realmente em 1927, praticamente ao mesmo tempo em que escreveu no verso, o dobrado Gallieni Ribeiro?

Talvez nunca se saiba, mas o questionamento foi aberto porque o tipo de tinta usada para escrever tanto um como outro é igual, dando a impressão que as músicas foram escritas no mesmo período, quase sem espaçamento de tempo, assim como é curioso notar que algumas partes do dobrado Antônio Augusto (com algumas cópias também de 1928), do compositor Manoel Leite, mineiro da cidade de Elói Mendes e famoso pelo dobrado Baptista de Mello, foram mais tarde escritas no verso de Experiência, sendo a única exceção a de barítono em si bemol escrita em 23/09/1928 pelo próprio Mestre Nozinho assim como as partes de bombardino e tuba si bemol escritas em 29/11/1956 no verso das respectivas partes do dobrado Experiência.

Vale ainda ressaltar que em outubro de 1972 quase houve uma quarta revisão do dobrado Experiência feita pelo maestro Afrânio Menezes Silva (1936-1991), àquela altura maestro da Sociedade Musical Guarany, chegando ele a escrever as partes de bombardino e 1ª e 2ª trompas (desta vez separadas), mas o trabalho foi interrompido no início da parte de 1º e 2º trombones e não seguiu adiante.

O dobrado Experiência é um autêntico lado B, pois é fácil apostar que de 1951 a 1972 na quase revisão de Bubu[5] e de lá até a presente data ele não voltou a ser executado, enquanto Antônio Augusto, do mesmo ano e escrito no verso se impôs naturalmente como o lado A, graças a Bubu, que continuou a executá-lo nas procissões e solenidades da Pão de Açúcar dos anos 1970 e 1980 e mesmo depois de sua morte, na fase mais recente da banda nos anos 1990, devido a minha revisão feita em 1997.

O mesmo acontece agora com o dobrado Experiência, revisto e ampliado por mim em fevereiro de 2016, foi dos que menos deu trabalho pois praticamente não havia os tradicionais erros de harmonia ou enganos dos copistas. Na atual revisão foram refeitas as partes que viraram pó de 1º e 2º pistons, revisadas as partes das revisões anteriores e acrescentadas as partes de flautim, sax tenor, sax barítono, 3º pistom e 3º trombone, inexistentes na orquestração original.

Num trabalho de Flávio Ventura (1978), eis que surge agora para as novas gerações, às vésperas de completar 90 anos desde a primeira parte escrita naquela longínqua sexta-feira de outubro, a 1ª edição oficial deste dobrado tão característico dos áureos tempos da produção musical para banda no Brasil, esperando assim que possamos reviver e fazer jus à memória do extraordinário compositor, músico e maestro Antônio de Castro Passinha.

 

São Paulo, julho de 2018[6]


Antônio de Castro Passinha[7]

(1894-1936)

 

Muito é dito sobre o famoso maestro alagoano Manoel Passinha (1908-1993), entretanto, poucos se lembram que ele tinha um irmão músico, o também genial Antônio de Castro Passinha.

O segundo dos quatro filhos[8] do fabricante de tamancos João Euzébio de Castro (nascido em Pão de Açúcar-AL em 1868) e sua esposa, a costureira Maria Luiza de Castro (nascida no termo de Piaçabuçu-AL em 1867), nasceu em Pão de Açúcar-AL em 24/12/1894, tendo como avós paternos Carlos José Dias de Castro e Luiza Francisca de Assumpção e como avós maternos Manoel Ferreira de Barros e Maria das Dores de Barros.

Maestro Antônio de Castro Passinha
(Acervo Etevaldo Amorim)

Pouco se sabe da sua vida e carreira musical, havendo rumores de que tenha sido aluno do maestro Emygdio Bezerra Lima (1865-1931), porém isso não foi comprovado. No relato do maestro Manoel Leandro Simplício (1904-1995)[9], que o conheceu, ele também era multi-instrumentista, mas tinha o trombone como instrumento referencial e é como executante desse instrumento que ele aparece fotografado em 14 de outubro de 1917 como membro da banda recém formada por Manoel Victorino Filho e subsidiada pelo padre José Soares Pinto (1884-1939), também apoiador do teatro amador local.

Banda de música recém-criada por Manoel Victorino Filho, em 14 out. 1917, à frente da Igreja do Bonfim.
(Acervo Antônio Melo Barbosa)


O Nozinho do guarda como era então chamado era então um jovem músico de 22 anos que embora tivesse certa experiência (desde pelo menos 1910) como executante de pistom, violino e violão, era nessa altura (1917) um iniciante na arte da condução e contava com a colaboração de músicos que no futuro se revelariam excepcionais como o próprio Antônio e seu irmão Manoel (então com apenas 9 anos e iniciando longa e prestigiosa carreira); Américo Castro (1903-1967), que depois de uma estadia de 15 anos em Maceió alçaria voo para o Rio de Janeiro onde faria auspiciosa carreira como compositor, arranjador e contrabaixista em orquestras famosas, primeiro com a do maestro Fon-Fon (1900-1951), alagoano de Santa Luzia do Norte e a partir de 1952 com a de Ivan Paulo da Silva (1910-1991), o famoso maestro Carioca; José de Castro Barbosa (1901-1969), que depois de deixar Pão de Açúcar em 1921 por conta de uma desavença com Zé Maia[10] quando era atirador do Tiro de Guerra nº 656, fixou residência no Rio de Janeiro onde foi chefe de orquestra em navios transatlânticos até trocar a música pela advocacia, que exerceu até a sua morte em 1969 e somente retornaria a Pão de Açúcar numa rápida visita em 1949. Ele e Américo eram irmãos do jovem maestro e tocavam respectivamente trombone e clarinete, mas podiam também tocar bombardino e requinta sempre que era necessário. Entre os fiéis estavam Francisco Antônio dos Santos, conhecido como Mestre Chiquinho (1900-1970), que entre outras coisas vivia da arte de fabricar fogos de artifício usados principalmente nas festas juninas e religiosas em geral, sendo por isso também chamado de Chiquinho Fogueteiro. Sua permanência na banda se dá pouco antes de 1917 e vai além da morte de Mestre Nozinho em 1960, chegando ele próprio a reger por um curto período em 1961, mesmo sem ter muita paciência[11]. Inicialmente tocando trompa, passaria na década seguinte a executante do instrumento pelo qual ficaria associado até os seus últimos dias, o bombardino, embora tocasse também trombone. Merece ainda menção os nomes de João Damasceno Lisboa (1900-1990), mais conhecido como pintor, escultor e célebre fotógrafo, autor da famosa fotografia das cabeças de Lampião e seu bando realizada na escadaria de Piranhas em 1938. Tocando trompa em 1917, seria fotografado em 1927 ainda fazendo parte da banda, mas responsável pelo helicon (espécie de tuba em mi bemol, hoje em desuso), e o lendário violonista (dono de um humor impagável) Antônio Marsiglia (1894-1927) tocando pratos.

Assim como seu irmão Manoel, Antônio serviu ao Exército Brasileiro no 20º Batalhão de Caçadores em Maceió, onde ao que parece, inaugurou o batalhão e sua banda de música surgidos em 1920. Até agora, sua ficha funcional não foi localizada nos arquivos do hoje 59º BIMtz, o que revelaria muito da sua trajetória no antigo 20º B.C., mas uma pesquisa realizada no arquivo da banda de música da corporação em janeiro de 2019 revelou rastros deixados nas partituras encontradas. Por elas soube-se que ele já estava na banda em 1922 e que era músico de primeira classe e contramestre em 1927 e que, ao contrário do que se pensava até então, ele não fora transferido para o Rio de Janeiro no início dos anos 1930. Em 1934 permanecia em Maceió e teve o nascimento de sua filha noticiado pelo Diário de Pernambuco em sua edição nº 68 de 25 de março na coluna Notícias de Alagoas: “Está de parabéns o lar do sr. Antônio Passinha, mestre da banda de música do 20º B.C., e de sua senhora d. Silvanira Passinha, com o nascimento de sua filhinha Geovana, fato ocorrido a 11 do corrente”.

Quartel do 20º B.C. em 2 abr. 1934
(Acervo Edberto Ticianeli - História de Alagoas)

Seu posto, conforme o Diário Oficial da União (DOU) de 17/08/1938, era o de sargento ajudante (também chamado de brigada, equivalente depois de 1945 a função de 1º sargento) quando faleceu aos 41 anos em sua casa na Avenida Santos Pacheco, bairro da Levada nº 348 as 13:00 horas de 02/08/1936. Numa época sem os recursos da medicina atual, matou-o uma nefrite crônica[12] e seu corpo foi sepultado no cemitério de São José, no Trapiche da Barra em Maceió. deixou viúva sua esposa Silvanira Barbosa de Castro e cinco filhos: José, Adelmar, Gicelda, Lenilda e Maria Luiza Barbosa de Castro[13]. A pequena Geovana não sobreviveu e por isso não consta da relação de filhos na sua certidão de óbito, cujo declarante foi seu irmão Manoel.

Por ter sido arrebatado da vida ainda muito cedo, o maestro Antônio Passinha não legou obra musical numerosa como a perpetuada por seu irmão, mas seu valor qualitativo é inquestionável e percebido através das partituras que sobreviveram ao tempo e chegaram aos dias atuais, estando a maioria no arquivo da banda de música do hoje 59º BIMtz (20 obras). Em Pão de Açúcar, restou no arquivo da Sociedade Musical Guarany os dobrados Tenente Nascimento (1926) e Experiência (1928), além do hino Deodoro (em homenagem ao marechal Manuel Deodoro da Fonseca, 1827-1892) com poema de Antônio de Freitas Machado (1895-1970), porém, este hino está impossibilitado de recuperação da orquestração pois somente foi encontrada a parte do flautim. No arquivo particular de Antônio Melo Barbosa (1932-2019), pesquisado em novembro de 2018, constam os dobrados Álvaro Mello Filho (1928), Antônio Machado (1927), Clementino Silva (1925), Gallieni Ribeiro (1928) e o (curiosamente classificado como um fado-tango) Fado das Lágrimas (1925); Já o dobrado Tenente Portugal Ramalho, escrito em 1927 em homenagem ao então tenente e anos depois general José Portugal Ramalho, nascido em Maceió-AL em 1895 e falecido em João Pessoa-PB em 1973, sobrevive no arquivo da Sociedade Musical  Carlos Gomes (1915), de Marechal Deodoro-AL, em cópia de 1943 e também na Sociedade Musical  Amor à Arte (1897), de Florianópolis-SC, onde também foi encontrado o dobrado Sargento Baptista, de 1927, bem como do mesmo ano é também o "sambinha" Sanhaço, citado pelo escritor Marcos de Farias Costa[14] em seu artigo "Aqui, Pixinguinha e outros chorões" para a revista Graciliano (p. 46)[15].

Maestro Manoel Passinha em foto da década de 1950.
(Acervo Edberto Ticianeli - História de Alagoas)

Um ano após o seu falecimento, foi homenageado por seu irmão, o maestro Manoel Passinha, com o dobrado Brigada Antônio Passinha, gravado pela banda de música do 20º B.C. em 1970.

Um dado curioso revelado pelo escritor Moacir Medeiros de Sant’Ana em seu livro Benedito Silva e sua época, de 1966: pouco depois do falecimento do maestro Benedito Silva em 1921, foi o maestro Antônio Passinha o depositário de todo o acervo do autor do Hino Alagoano, doado por sua filha Marieta Silva.

Aspecto de Pão de Açúcar em 1888 - Rua da Frente, atual A. Ferreira de Novaes.
(Foto: Adolpho Lindemann)


Banda do 20º B.C. com o maestro Manoel Passinha (ao centro), em 1970.
(Acervo Billy Magno)


A Avenida da Paz em dia festivo (Maceió, 1927).
(Acervo Iba Mendes)


 


Referências

COSTA, Marcos de Farias. Aqui, Pixinguinha e outros chorões. Revista Graciliano. CEPAL/Imprensa Oficial Graciliano Ramos, Maceió, ano IV, n. 9, p. 46, jun./jul. 2011.

LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Maceió: Editora Viva, 2016. vol. 2, p. 147-148.

NOTÍCIAS de Alagoas. Diário de Pernambuco, Recife, ano 109, n. 68, p. 4, 25 mar. 1934.

SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Benedito Silva e sua época. Maceió: Arquivo Público de Alagoas, Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Cultura, 1966.



[1] Nascido em 1895 e falecido em 1973 em João Pessoa-PB, chegaria ao generalato. Em Maceió, empresta seu nome a uma rua no bairro de Jatiúca.

[2] Autoria atribuída a Antônio Neves, de Traipu, segundo o maestro Antônio Basílio (1939-2010) em sua última entrevista, concedida ao maestro e pesquisador Nilton Souza (1975) uma semana antes de falecer.

[3] Tuba não transpositora usada na banda por cerca de 20 anos, entre 1926 e 1946.

[4] Encontrado no arquivo particular de Antônio Melo Barbosa (1932-2019) em novembro de 2018, mas em cópia de 1929. Posteriormente, em janeiro de 2019, depois de uma detalhada pesquisa no acervo da banda de música do 59º BIMtz essa e outras obras do compositor foram encontradas completas, inclusive Experiência (em cópia posterior, de 1954), Tenente Nascimento (cópia de 1927) e Tenente Portugal Ramalho (do mesmo período) citados aqui. Com tais descobertas e à luz de novas informações, o texto precisou ser refeito.

[5] Apelido pelo qual era conhecido o maestro Afrânio, em clara referência ao seu instrumento: A tuba.

[6] Texto revisto e atualizado em agosto de 2020. (N. do E.)

[7] À luz de novas evidências, este texto foi revisto e atualizado em agosto de 2020. (N. do E.)

[8] Além de Antônio, os outros filhos eram Olindina (a primogênita, nascida em 1892, Maria (conhecida como Mariquinha, 1907-1996) e Manoel, maestro durante muitos anos da banda do 20º B.C. e que seria conhecido em todo o Brasil, sendo autor de dobrados e frevos antológicos.

[9] Conhecido como Mestre Manuca, foi maestro da banda de música da Polícia Militar de Alagoas. Figura folclórica em Maceió, é muito lembrado por ter sido professor e maestro da banda de música da antiga Escola Técnica Federal de Alagoas (ETFAL), hoje Instituto Federal de Alagoas (IFAL) por muitos anos e responsável por formar três gerações de músicos.

[10] Notório pela violência, entre outros assassinatos foi considerado suspeito de mandar matar o próprio pai, o coronel Lamego Maia, brutalmente assassinado enquanto dormia na calçada de sua casa, um hábito comum em 1924. Irmão do ex-prefeito e ex-deputado Elísio Maia (1914-2001), tanto fez que acabou ele próprio morto em 1927.

[11] Conforme depoimento de Antônio Melo Barbosa (1932-2019) — filho do maestro e herdeiro do seu acervo — em 2 de dezembro de 2018 na casa da sua filha Sheyla Menezes em Maceió.

[12] Doença que afeta os rins fazendo com que o órgão em casos extremos leve o paciente a ser tratado por hemodiálise, mas que era fatal até os anos 1960.

[13] Até agora não foi possível obter informações sobre sua esposa e filhos.

[14] Nasceu em Maceió, Alagoas. Formado em Psicologia, nunca exerceu a carreira, preferindo optar pela poesia.  Fez cursos extracurriculares de tradução e língua alemã. Compositor bissexto, com prêmios e reconhecimentos.

[15] (Costa, 2011).



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)