sexta-feira, 27 de abril de 2018

Sonhador (Dobrado) — Oswaldo P. Cabral




(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)


Sonhador

Dobrado de Oswaldo Cabral (1900-1991)

Por Billy Magno[i]

Uma das composições de Oswaldo Cabral da chamada 1ª fase, anterior a 1942, quando o maestro se dedicava a compor obras de caráter unicamente militar. Vemos nesta peça um compositor já maduro, utilizando elementos típicos da marcha militar, mas flertando com outras formas como a habanera, o pasodoble espanhol e a música erudita, criando assim uma peça rica em textura e variedade timbrística e de concepção pessoal. Diferente do dobrado tradicional, onde a percussão desempenha um importante papel de impulso à marcha da tropa nos quartéis, em Sonhador isso não acontece, permanecendo ela calada por 32 compassos que repetidos se transformam em 64, tornando esse dobrado mais apropriado às salas de concerto, devendo também a isso ser chamado de dobrado sinfônico.
Este dobrado já existia no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL desde a época do maestro Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho (1895-1960), sendo sua filha, Gilda Melo Castro, uma dos copistas, escrevendo praticamente todo o dobrado, pois encontramos sua caligrafia nas seguintes partes: requinta, 1º clarinete (em 28/12/1943), 2º clarinete, sax soprano, barítono, bombardino, 1º e 2º trombones, 1ª trompa, 2ª trompa (em 05/01/1944), tuba Bb, tuba Eb e a parte de bombo e pratos (em 06/01/1944). O segundo copista é Manoel Pereira da Costa, o Manezinho Pereira (provavelmente, de Bom Conselho-PE), que também copiou as mesmas partes, sendo a de bombardino a única onde assinou nome, data e procedência[1]. Nas suas cópias não foram encontradas as partes de sax soprano, barítono, tuba Bb e bombo e pratos, mas existem partes que não constam das cópias de Gilda como: 1º e 2º pistons, 3ª trompa e um guia de regência em si bemol, que foram reconhecidos pela análise da sua caligrafia, assim como as cópias de Gilda, que também não assinou seu nome em todas.
No arquivo da Filarmônica Mestre Elísio, em Piranhas, ainda foram encontradas as partes de tuba Bb e barítono (essa constando o nome do autor) copiadas por Mestre Nozinho, que mesmo sem assiná-las foi reconhecido pelo mesmo processo. Sem data, as duas partes parecem ter sido escritas posteriormente, já na década de 1950.
Como dito anteriormente, o dobrado Sonhador seria o lado A de um 78 rpm, pois era sempre lembrado, ao contrário do seu verso, a valsa Haidée, do maestro Silva Novo (1889-1970). Este dobrado esteve por mais de 10 anos no repertório da Sociedade Musical Guarany na época do maestro Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Não havia solenidade entre o começo dos anos 1970 e fim dos anos 1980 em que não fosse ouvido nas ruas. O dobrado Sonhador foi tão executado por Bubu que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1º clarinete, uma delas.
Ele só seria resgatado em março de 1998, quando da minha viagem a Piranhas, ocasião em que também "repatriei” algumas outras peças do antigo repertório da Guarany.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente.
No início deste ano estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo para ir restaurando aos poucos sempre que houvesse tempo, quando, uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura[2]. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele, que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Mandei para ele as partes originais de Sonhador (com Haidée no verso) e a minha revisão de 1998 para que finalmente editasse o material.
Decorridos exatos 20 anos desde a minha ida à Piranhas, temos hoje a 1ª edição oficial desta obra do maestro, compositor e professor Oswaldo Passos Cabral. A obra foi totalmente restaurada e revisada pelo próprio Flávio, sob minha supervisão, num trabalho que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época sem prejuízo do material original. Também foram revisadas e mantidas as partes de sax alto (da revisão de 1979), sax tenor, sax barítono, 3º clarinete, 3º piston e 3º trombone (da revisão de 1998), assim como foram acrescentadas na presente edição partes para flautim, flauta, oboé e clarone, reforçando o caráter sinfônico da peça e que não faziam parte da orquestração original da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, abril de 2018.

Oswaldo Passos Cabral

[Professor, Compositor e Maestro]



Nascido em Taperoá, pequena cidade ao sul do estado da Bahia, em 05 de fevereiro de 1900, inicia sua trajetória musical aos 8 anos de idade tocando trompa na Filarmônica Braz, na sua cidade natal.
Aos 18 anos, integrando as fileiras da Banda do 1º Corpo da Força Pública da Bahia, já se distinguia como auxiliar direto do regente, o Capitão Vanderlei, conceituado maestro de seu tempo.
Buscando ampliar sua experiência, muda-se para o Rio de Janeiro em 1925 e logo se matricula na Escola Nacional de Música, tendo o maestro José Siqueira (1907-1985) como professor de Harmonia, Contraponto e Fuga[3]. Seus estudos lhe dão aprovação nos exames finais dessas matérias e lhe abrem as portas para o ingresso na Universidade do Brasil na mesma escola, diplomando-se nos cursos de Regência, Composição, Instrumentação, História da Música e Folclore.
Em 1929, como violetista[4], entra para a Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro[5]. Anos depois seria membro da diretoria e bibliotecário, estabelecendo os primeiros contatos com Antônio Francisco Braga (1868-1945), à época também professor de música das bandas militares da Marinha.
Em 1933, por ato do ministro da Marinha Protógenes Pereira Guimarães, depois de obter o primeiro lugar em disputado concurso, sob selecionada banca que reunia os maiores valores musicais da época, como os maestros Nicolino Milano (1876-1962), Agostinho de Gouveia (?-1941), Orlando Frederico, Lorenzo Fernández (1897-1948) e Antão Soares (1894-1948); nas funções de professor e ensaiador,  assume Cabral o cargo que antes fora de Francisco Braga, realizando o primeiro concerto a 28 de julho e permanecendo na função por 37 anos[6].
Consolida a sua experiência com o magistério e regência em uma instituição militar, sendo, neste caso, um funcionário civil e já com tarefas relacionadas não só à preservação do patrimônio musical como também de culto aos símbolos e à identidade nacional, como indicado no Diário Oficial de 19 de fevereiro de 1937, ao designá-lo membro da Comissão de Hinos, para fixar os diversos hinos, entre os quais o da Independência e o da Bandeira. (DIÁRIO OFICIAL, 1937, p.3281).
Em 1942, sua trajetória musical dá uma nova guinada. É um ano considerado divisor de águas, onde ele volta sua produção à música erudita, iniciando com o poema sinfônico Riachuelo.
Entre 1958 e 1971 grava vários discos com a Banda dos Fuzileiros Navais, registrando neles algumas de suas composições, deixando a regência da instituição em 1970.
Em 1972, continuava ele ativo, como professor de Canto Coral e Teoria Musical, com aulas ministradas na sede da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Marinha, no bairro do Méier.
Em 1980, sob sua regência, finalmente estreia no Rio de Janeiro sua ópera Siloé, escrita em 1943, com libreto de Leôncio Correia e Silveira Neto, baseado em A Aia de Eça de Queirós, permanecendo mais de um ano em cartaz no Teatro João Caetano. Segue ativo até o fim dos anos 1980, tendo apresentado de 1979 a 1987 o oratório O Mártir do Calvário, no salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, no então Teatro do BNH (extinto Banco Nacional de Habitação) e, parcialmente, na Igreja dos Sagrados Corações, no bairro da Tijuca.
Falece a 1º de agosto de 1991, sendo sepultado no Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, deixando viúva sua esposa Maria da Glória Pinheiro Santos Cabral e vultosa obra que vai de (cerca de 160) hinos, marchas e dobrados a peças eruditas, exercitando formas como poema sinfônico, oratório e ópera. Iza Queiroz Santos[7] dizia de Cabral: "Oswaldo Cabral, modesto e tímido, de uma timidez que chega a parecer humildade".
Entre suas composições conhecidas estão os dobrados Alvorada, Flamengo, Salve Fuzileiros, Sebastopol, Exaltação à Pátria, Batuta e Sonhador, a canção Como é bom sonhar, os poemas sinfônicos Riachuelo (1942) e Exaltação à Vida (1955); o oratório O Mártir do Calvário (de 1929, mas reformulado e concluído anos depois) e a ópera em três atos Siloé (1943).
Era detentor das medalhas do Mérito Tamandaré e do Mérito Naval. Na Academia Nacional de Música ocupou a cadeira nº 41 (admitido em 07/04/1970) cujo patrono é Antônio Assis Republicano (1897-1960). Em 1977, inspirou a criação da Sociedade Oswaldo Cabral.





[1] “Manoel Pereira da Costa – Bom Concelho, 2 de setembro de 1945.” Nota: Concelho = grafia primitiva da palavra “conselho”, oficialmente em vigor até 1943.
[2] Nascido em Paulo Afonso-BA (1978), é músico da Filarmônica Mestre Elísio desde o ano de fundação. Atualmente realiza trabalho de recuperação e divulgação dessa história com a editoração do acervo da banda e pesquisa para a publicação do Álbum Histórico da Filarmônica Mestre Elísio.
[3] Revista Marítima Brasileira vol. 121 nº 10/11 Out./Dez./2001 (Rio de Janeiro: Centro de Documentação da Marinha).
[4] Executante de Violeta, outra denominação para viola de arco ou sinfônica (mais comum em Portugal).
[5] Fundada em 1912 pelo professor Francisco Nunes, catedrático de clarinete do Instituto Nacional de Música, chegou a ter 120 figuras e foi regida até 1935 pelo maestro Francisco Braga, apresentando mais de 200 concertos.
[6] Anderson de Rieti Santa Clara dos Santos - Pós-graduando em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduando em História Militar Brasileira pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
[7] (1890-1965) Professora, pianista e biógrafa de Francisco Braga



[i] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (Fonte: http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)



segunda-feira, 26 de março de 2018

Haydée — Silva Novo (1889-1970)



(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

Haidée

  • - Valsa de Silva Novo -

 Por Billy Magno

A história da obra aqui apresentada tem origem no arquivo da Sociedade Musical Guarany de Pão de Açúcar-AL. Num tempo em que encontrar papel de música era coisa rara, ainda mais numa cidade do longínquo sertão nordestino, como Pão de Açúcar, os maestros e copistas tinham por hábito reutilizar o papel, escrevendo, às vezes, uma segunda obra no verso de um dobrado, por exemplo. Considero esse processo muito parecido com os velhos discos de cera em 78 rpm onde se tinha uma música de cada lado, sendo muitas vezes a música de sucesso no lado A e a música complementar no lado B.
O processo é o mesmo no que diz respeito à música escrita, tendo-se muitas vezes um dobrado bastante executado num lado e, no outro, um dobrado ou uma valsa que, de tão pouco executada, acabava caindo no esquecimento. Foi assim, por exemplo, com o dobrado Silvino Rodrigues e a mazurca Risonha, ambos com cópia de janeiro de 1911.
Se fosse um disco, Silvino Rodrigues seria o lado A, enquanto Risonha seria o lado B. Silvino Rodrigues passou para a história como um dos dobrados mais populares do Brasil, mesmo sendo de autoria desconhecida, enquanto a mazurca Risonha, também de autoria anônima, não teve a mesma sorte, passando despercebida, e, só não se perdeu na poeira dos anos, porque os originais, ainda que em frangalhos, permitem recuperar a orquestração. Outros exemplos são os dobrados Temporada/Alonso de Oliveira (1920), Olyntho Mattos/Santa Cruz (1928), Antônio Augusto (dobrado de Manoel Leite)/Experiência (dobrado de Antônio de Castro Passinha), ambos também de 1928, o dobrado Sonhador (Osvaldo Passos Cabral) e a valsa Haidée (Silva Novo). É dela que vamos falar.
Escrita no verso do dobrado Sonhador, de Osvaldo Cabral (1900-1990), esta valsa com cópia datada de 06 de julho de 1942 por Manezinho Costa (Manoel Pereira da Costa ― possivelmente da cidade de Bom Conselho-PE), foi provavelmente pouquíssimo executada na época de Mestre Nozinho (Manoel Victorino Filho, 1895-1960) até ser completamente esquecida na época de outro maestro: Afrânio Menezes Silva, o mestre Bubu (1936-1991). Em compensação, Sonhador, que está escrito no verso da parte, era tão executado por Bubu nos anos 1970 e 1980 que quando ele se mudou para a cidade de Piranhas-AL, em 1989, para assumir os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), levou com ele as partes, com a valsa Haidée escrita no verso, deixando no arquivo da Sociedade Musical Guarany somente duas ou três partes, sendo a de 1.º clarinete, uma delas.
Quando comecei a trabalhar no arquivo da banda, em abril de 1994, minha primeira providência foi organizar tudo em pastas, separando parte por parte, música por música; feito isso, logo iniciei a segunda etapa do trabalho: separar obras completas das que estavam incompletas; a terceira etapa foi fazer um levantamento geral do que havia no arquivo, das primeiras décadas do século XX até o final dos anos 1980, e tentar recuperar o máximo de obras que conseguisse. Algumas, simplesmente, sumiram; muitas estavam num estado de conservação que não permitiam mais o manuseio, o que empreendeu um verdadeiro trabalho arqueológico em prol da restauração completa. Para isso, eram necessárias horas e horas de verificação, comparação de partes e identificação até resultar numa nova cópia  ainda manuscrita, pois eu ainda não dispunha dos modernos softwares para escrever música (só fui ter um em julho de 1998). Outras partituras consegui em arquivos dentro e fora da cidade (Arquivos de Antônio Melo Barbosa, o Tonho do Mestre, nascido no ano de 1932, em Pão de Açúcar), bandas de música da PM de Alagoas e 59.º BIMtz (antigo 20.º BC) em Maceió, PM de Sergipe, em Aracaju, e Base Aérea de Salvador.
Numa das conversas que tive com antigos músicos sobre o patrimônio da banda, explicando a situação, alguns deles me disseram que quando Bubu se mudou para Piranhas, levou com ele parte do arquivo, de modo que alguns dobrados e marchas, muito executados anteriormente, não mais existiam no arquivo. Combinei com Eberval Almeida Brandão de Souza (1970), na época clarinetista da banda, para irmos a Piranhas ver o que o que Bubu tinha levado para lá; ele era amigo de Damião Ferreira Lima, ex-trombonista da Guarany, que autorizou nossa viagem. No período 1997-98, Damião exerceu em Piranhas o cargo de maestro da Filarmônica Mestre Elísio. 
Uma tarde, em março de 1998, fomos encontrar Damião na banda de música e, assim que chegamos, ele nos mostrou o que tinha sido levado: os dobrados Padre Medeiros Neto/José Pinto de Barros, Ricardo Morais (Domingos Queiroz)/De Paris a Londres (1928), Mão de Luva, de Joaquim Naegele (1899-1986)  que Paulo Henrique Lima Brandão (1971), na época professor na Sociedade Musical Guarany, tinha trazido da banda da Escola Técnica Federal de Alagoas, quando passou por lá, em 1987 , a marcha de procissão Natalina (em cópia de 1917) com a valsa Nazinha Oliveira no verso, Hino Nacional, Hino Alagoano e: Sonhador. Anos depois vi que nem todas as partes de Sonhador tinham retornado comigo.
Em agosto de 1998, fiz uma primeira revisão onde acrescentei sax tenor, sax barítono, 3.º clarinete, 3.º piston e 3.º trombone, além da parte de sax alto que Bubu já tinha acrescentado em 1979. Essa revisão foi colocada em uso e novamente voltamos a executar Sonhador, porém, por pouco tempo, pois logo ele foi recolhido ao arquivo novamente. Nesse meio tempo, ninguém lembrava da música escrita no verso. A valsa Haidée, mais uma vez, passara despercebida.  
Em 2015, o músico e pesquisador Flávio Ventura (1978) fez uma edição da valsa com as partes de que dispunha até então, mesmo faltando algumas partes principais como a de 1.º trombone, a vontade de ver a obra restaurada era maior; porém, somente quando estive em Maceió e trouxe uma parte do arquivo para São Paulo é que se deu o grande acontecimento. Uma noite, tentando descobrir alguma informação sobre essas obras na internet, descobri o blog da Filarmônica Mestre Elísio, de Piranhas, cujo organizador é Flávio Ventura. Vendo que ele tinha editado alguns títulos do arquivo da Sociedade Musical Guarany que também pertencem a banda Mestre Elísio, entrei em contato com ele que me falou do projeto e nos identificamos prontamente, pois ele faz o mesmo trabalho que fiz na banda em Pão de Açúcar de 1994 a 2000. Na troca de correspondência, mandei para ele as partes que eu tinha da valsa Haidée e juntando com as que ele tinha, completou-se assim a orquestração.
Hoje, decorridos 20 anos, finalmente temos a bela valsa Haidée, do grande maestro santanense Euclides da Silva Novo (1889-1970), em sua 1.ª edição completa, totalmente restaurada, num trabalho de revisão realizado por Flávio Ventura, que buscou eliminar os costumeiros erros cometidos pelos copistas da época, sem prejuízo do material original. Também foram acrescentadas partes de sax alto, tenor e barítono, 3.º clarinete, 3.º piston, e 3.º trombone, que não faziam parte da orquestração da época ou não foram localizadas, mas sempre procurando respeitar a essência da obra e a real intenção do compositor na orquestração original.

São Paulo, março de 2018.


BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php).


Euclides da Silva Novo[1]

Cronologia

1889 — Nasce na cidade de Santana do Ipanema/AL, no dia 15 de agosto. Filho de Antônio da Silva Novo e Tereza Maria da Conceição.

1899 — Sua mãe falece na cidade de Bom Conselho/PE, onde residia com os filhos (Euclides e Maria Esterfânia) desde a morte do marido, Antônio da Silva Novo, havia cerca de oito anos.

1901 — Aos 12 anos, tutelado por um alfaiate/músico natural de Floresta/PE, compõe sua primeira música: uma valsa para a banda de Bom Conselho.

1907 — Senta praça no 33.º BC, em Maceió, sendo transferido para o II Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro.

1909 — Como sargento músico, faz curso de flauta no Instituto Nacional de Música, concluindo com distinção. Também conclui o curso secundário. É mestre da Banda de Realengo.

1913 — Estuda regência, harmonia, contraponto e instrumentação com o professor Antônio Francisco Braga (1868-1945), consagrado autor do Hino à Bandeira.

1916 — Recebe a medalha de ouro do concurso de melhor intérprete de instrumentos de sopro, promovido pelo Instituto Nacional de Música.

1917 — Após 10 anos de bons serviços prestados ao Exército Nacional, é condecorado com medalha de bronze.

1919 — Em Fortaleza, é nomeado mestre de música do Colégio Militar do Ceará. Convidado pelo maestro Henrique Jorge, Silva Novo leciona na recém-fundada Escola de Música Alberto Nepomuceno.

1920 — Casa-se com Maria Teixeira, natural de Itapipoca, com quem terá oito filhos: Viçoso, Euclides, Terezinha, José, Mário, Margarida, Ismênia e Maria de Lourdes.

1928 — É convidado pelo diretor Edgar Nunes Freire para lecionar na recém-inaugurada Escola de Música Carlos Gomes, onde funda uma orquestra.

1929 — Organiza, por ocasião da inauguração da estátua de José de Alencar, um orfeão de 8.309 participantes, cinco bandas com 160 músicos, além da Orquestra da Escola de Música Carlos Gomes.

1935 — Na Rádio Clube do Ceará, recebe convite para atuar como diretor artístico.

1936 — Por ocasião do Centenário de Carlos Gomes, rege no Teatro José de Alencar o Orfeão Carlos Gounod, do Colégio Cearense, fundado em 1913.

1938 — Tendo atuado com brilhantismo durante 19 anos, deixa o cargo de Mestre do Colégio Militar do Ceará.

1942 — De volta ao Rio de Janeiro, passa a lecionar na Escola Nacional de Música, dirigida pelo compositor Heitor Villa Lobos (1887-1959).

1943 — Reside em Niterói. Dedica-se às atividades de educação musical nos principais estabelecimentos de ensino do Rio de Janeiro.

1952 — Recebe a medalha de ouro "Honra ao Mérito" na Rádio Nacional.

1962 — Novamente é homenageado, recebendo a medalha de prata por ocasião do congresso de surdos e mudos, na Guanabara, como educador do respectivo instituto.

1969 — No dia 21 de agosto, recebe o título de Cidadão Cearense, outorgado pela Câmara Municipal de Fortaleza.

1970 — Falece no Rio de Janeiro, em 1.º de março, aos 80 anos de idade. Em 30 de outubro, sob patrocínio do Instituto Cylleno, é organizado um grande concerto da Banda de Música da Polícia Militar do Estado da Guanabara, em homenagem ao maestro
alagoano.

Euclides da Silva Novo
(Foto: Acervo Wilson José Lisboa Lucena)

       “O alagoano, feito cearense, torna-se um ilustre semeador e disseminador da cultura musical no Ceará. Sua operosidade expande-se, regendo bandas de música civis e coros, fundando institutos de música, organizando orquestras, exercendo cargos de direção artística e, sobremodo, dinamizando o ensino de música e canto orfeônico em inúmeros e diversificados estabelecimentos educacionais.” (LUCENA, p. 95)
        “Segundo o seu filho, Euclides Silva Novo Junior, quando numa regência daquela corporação militar [Banda de Música da Polícia Militar da Guanabara], [Silva Novo] promoveu um magistral show individual de flauta. Conta, ainda, que o pai, já aposentado, quando visitava uma filha na Bélgica, estendia a excursão à cidade de Hamburgo, na Alemanha, onde extasiava os germanos tocando cavaquinho. Produziu numerosas canções, arranjos corais e orfeônicos de melodias populares e folclóricas, peças para flauta, piano e banda de música,  além de ofícios religiosos.”  (LUCENA, p. 96)

Ed.: F. Ventura




[1] ANDRADE, F. Alves de. “Uma Rua Maestro Silva Novo”. In: Revista do Instituto Ceará, 1972. p. 300-304. PDF. Disponível em: <https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1972/1972-UmaRuaMaestroSilvaNovo.pdf> Acesso em: 20 de março de 2018.
COSTA, Marcelo Farias. Era Uma Vez Um Grêmio: O Teatro Musical de Carlos Câmara e a Construção do Teatro Cearense, 2013. PDF. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/JSSS-9GGG49/marcelo_tese_final_para_deposito_1_12.pdf?sequence=1> Acesso em: 20 de março de 2018.
LUCENA, Wilson José Lisboa. Tocando Amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Maceió: Editora Viva, 2016. vol. 2. p. 95-96.
MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Música no Ceará: Construção Intertextual à Luz do Arquivo da Banda de Música da Polícia Militar. PDF. Disponível em: <http://www.academia.edu/20202622/M%C3%BAsica_no_Cear%C3%A1_constru%C3%A7%C3%A3o_intertextual_%C3%A0_luz_do_arquivo_da_banda_de_m%C3%BAsica_da_Pol%C3%ADcia_Militar> Acesso em: 20 de março de 2018.
O POVO ON-LINE. Volteios da história, 2012. Disponível em: <https://www20.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2012/12/01/noticiasjornalvidaearte,2963725/2012-011212va01100-bb.shtml> Acesso em: 22 de março de 2018.


sexta-feira, 16 de março de 2018

Oficina com Maestro Petrúcio Ramos


Filarmônica Mestre Elísio teve a honra, sempre grata satisfação, de receber hoje o ilustre trompetista, compositor, oficial da reserva da Aeronáutica Brasileira, maestro Petrúcio Ramos de Souza¹  que, acompanhado de Zé Ramos (tuba) e seu aluno Valério Romão (trombone), ministrou aula para os músicos na sede da banda, Centro Histórico de Piranhas, das 9h às 12h.

Agradecemos a Maestro Petrúcio por compartilhar conosco, além das informações técnicas (inerentes às atividades de profissional músico), também sua rica experiência de vida.

 
 
 
 
 




[1] SOUZA, Petrúcio Ramos de (Pão de Açúcar – AL 27/09/1946). Compositor, músico, maestro. Filho de Luiz José de Souza [1905-1965] e Izaura Ramos dos Santos [1911-1997]. Estou no Grupo Escolar Bráulio Cavalcante e Ginásio Dom Antônio Brandão. Teve iniciação musical com o mestre Nozinho, passando a tocar em 1954, quando tinha oito anos de idade, na Filarmônica Guarany de Pão de Açúcar (AL). Tocou: Percussão (1954), saxhorne (1956) e trompete (1957), além de outros. Em 1965, ingressa no 19° Batalhão de Caçadores de Salvador. Já em 01/08/1966, como 3° sargento ingressa na banda de música da Base Aérea de Salvador, assumindo, o comando da corporação musical no período de 1985 a 1996. Foi transferido para a reserva na patente de tenente. Em Salvador, assumiu a coordenação do conjunto musical da TV Itapoan. Fez parte da orquestra do Cassino Tabaris, atuou na Rádio Excelsior. Participou da orquestra do saxofonista Ivanildo dos Santos (saxofone de ouro). Com os irmãos formou orquestra carnavalesca, a Banda Bacana. Em 1988, foi responsável pela revitalização da Filarmônica Guarany, de Pão de Açúcar. Compôs: Benção ao Papa João de Deus e uma coletânea infantil. (Fonte: ABC das Alagoas. Disponível em: <http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php>. Acesso em: 16 de março de 2018.)



terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Temporada (Capim, 1920)

 
(Áudio ilustrativo produzido no programa Sibelius com o Noteperformer integrado)

TEMPORADA — Dobrado de autoria desconhecida
Por Billy Magno 
Restaurado a partir das antigas partes originais encontradas no arquivo da Sociedade Musical Guarany, da cidade de Pão de Açúcar/AL, o dobrado Temporada foi muito executado, sobretudo nos anos 70 e 80 do século passado, nas procissões que a banda acompanhava sob a regência do maestro Afrânio Menezes Silva (Pão de Açúcar, 03/01/1936 - 08/12/1991), o saudoso Bubu. Esse dobrado teria sido composto na cidade de Capim, atual Olivença, conforme dá a entender o que está grafado nas cópias originais, e teve três copistas: P. Abreu (que escreveu as partes de 1. clarinete, 2. clarinete, sax soprano, piston, barítono e bombardino) e Jovino Azevedo (requinta e flautim mi bemol, 1. trombone, 2. trombone, 1. trompa mi bemol, 2. trompa mi bemol e helicon – espécie de tuba em mi bemol muito usada na época) que copiaram as partes em 18 de junho de 1920, e ainda Américo Castro Barbosa, que copiou a parte de baixo (tuba) em si bemol já em 7 de agosto de 1920, provável data em que o dobrado chegou à cidade de Pão de Açúcar.
Segundo o músico pesquisador Flávio Ventura (1978), Jovino Azevedo teve posição de destaque nas bandas daquela região e foi maestro da Filarmônica Santanense, também chamada "Aratanha", criada em 1922 para os festejos do centenário da Independência. Na banda rival, chamada "Carapeba", atuava, nessa mesma época, Pedro de Abreu. É provável que seja o mesmo "P. Abreu" que também assina as cópias do dobrado Temporada.
Sobre o terceiro copista, Américo Castro Barbosa nasceu em Pão de Açúcar em 03 de dezembro de 1903. Era irmão caçula de Manoel Victorino Filho, o Mestre Nozinho (Neópolis/SE, 17/10/1895 – Maceió/AL, 18/04/1960), e tocava clarinete na banda União e Perseverança de Pão de Açúcar (atual Sociedade Musical Guarany), onde tinha o irmão como maestro. Ele começou a carreira ainda nos primeiros anos na década de 1910. Já estava na banda em 1917, conforme atesta uma fotografia do mesmo ano. Na década seguinte vai para Maceió e mantém sua própria orquestra, a Jazz Band A. Castro, que tem ao trombone o muito jovem e futuro maestro da banda do 20.º BC, Manoel Capitulino de Castro, que virá ser o famoso maestro Passinha (Pão de Açúcar/AL, 11/10/1908 ­ Maceió, 03/06/1993).
No final dos anos 1930, [Américo] ruma para o Rio de Janeiro, então capital da república, onde faz parte da orquestra do maestro Fon-Fon (Otaviano Assis Romeiro — n. Santa Luzia do Norte/AL, 31/01/1908 – Atenas/GR, 10/08/1951), como contrabaixista, tocava também violino, excursionando com ela pela Argentina em 1941 e Uruguai (Montevidéu), em 1953. Deixou registrado em disco o "Corridinho n. 100" e o choro "Aguenta a mão" em 1946. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1967.
Do dobrado Temporada, houve também revisões feitas pelo maestro Bubu (em 1972 e 1980, quando foi acrescentada a parte de sax alto) e por mim, em maio de 1997, quando foram acrescentadas as partes de 3. clarinete, 3. piston, 3. trombone, 3. trompa, sax tenor, sax barítono e percussão. Este dobrado também é muito popular na cidade de Piranhas, para onde foi levado pelo maestro Afrânio (Bubu) em 1989 quando este assumiu os trabalhos na Escola de Música Mestre Elísio José de Souza (atual Filarmônica Mestre Elísio), refundada em fevereiro daquele ano.
Nesta nova edição, feita por Flávio Ventura e supervisionada por mim, foram eliminados erros e incoerências harmônicas que perduravam há quase 100 anos e foram negligenciados nas revisões anteriores; foram revisadas as partes acrescentadas em 1997 que não faziam parte da orquestração original de 1920 e outras, como sax alto, que foi acrescentada em 1980, e 1. Piston, foram finalmente reescritas respeitando sempre a estrutura original da antiga orquestração.
Ainda não nos foi possível descobrir a autoria deste dobrado assim como de tantos outros da mesma época. Assim sendo, estamos abertos a qualquer informação e cooperação com outras bandas de música do estado e do Brasil sobre esta e outras obras que nos leve a saber a sua verdadeira autoria para que se lance luz para as novas gerações sobre o que foi a música na região do Baixo São Francisco e no Estado de Alagoas.

São Paulo, fevereiro de 2018


Da tradição santanense: Temporada

Flávio Ventura

Em 1918, Capim, atual município alagoano de Olivença — na época parte do território de Santana do Ipanema —, tem organizada uma pequena banda de música com 15 instrumentos pertencentes aos próprios integrantes músicos, entre os quais, Amabílio[1] e Miguel Bulhões[2], Jonas Aragão[3], Pedrinho Preto e Jovino Azevedo[4].
Desde 1914, existia em Santana uma banda denominada Carapeba.
Notório foi o sucesso da banda da povoação Capim quando convidada para se apresentar na sede do município, em 1920.
Em 1922, sob a regência de Jovino Azevedo, é criada (com músicos também selecionados entre os componentes da banda de Capim) a Filarmônica Santanense, popularmente conhecida por “Aratanha”. Ambas, Aratanha e Carapeba coexistem com algum ranço de rivalidade e cessam atividades, respectivamente, em 1924 e 1926.
Só 9 anos depois remanescentes das duas bandas são reunidos, sob regência do maestro Abílio Mendonça (Floresta do Navio/PE, 02/06/1879 - Pão de Açúcar, 30/12/1963)[5], para formarem a Santa Cecília, logo após dirigida por Miguel Bulhões e, nos anos 1940, pelo jovem maestro José Ricardo Sobrinho, morto em consequências trágicas no carnaval de 1947, aos 28 anos.
Dessa tradição musical santanense sobreviveu-nos um dobrado, preservado no acervo da cidade de Pão de Açúcar (núcleo catalisador da atividade musical nesta parte do Baixo São Francisco) e na Mestre Elísio pela consequente atividade de mestres dessa cidade em Piranhas.
De autoria desconhecida, o dobrado Temporada resiste em cópias de P. Abreu e Jovino Azevedo datadas de junho de 1920, produzidas na povoação de Capim. Entre elas há ainda, da mesma época, uma cópia de parte para baixo sib feita em Pão de Açúcar por Américo Castro (1903-1967)[6].
No início dos anos 1990 com cópias e adaptações de Mestre Bubu[7] e cerca de 10 anos depois, data da última cópia renovada, foi regularmente praticado pela banda de Piranhas.
Este ano, no que seria o centenário da banda de Capim, apresentamos a primeira edição do dobrado Temporada. Edição recentemente revisada por Billy Magno[8] que em maio de 1997 já o havia revisto e ampliado.



Fontes:




[1] Amabílio Bulhões seguirá carreira de militar músico no Rio de Janeiro.
[2] Miguel Bulhões será maestro da Banda Santa Cecília, criada na década de 1930.
[3] Jonas Aragão se destacará nacionalmente. Falece no Peru.
[4] Apelidado Jovino “Sebança”.
[5] Natural de Floresta do Navio, Pernambuco, maestro Abílio Mendonça dirige bandas nas cidades de Neópolis/SE, Santana do Ipanema e Pão de Açúcar.
[6] Um dos irmãos músicos de mestre Nozinho (Manoel Vitorino Filho, 1895-1960), Américo, clarinete e violino, viria a ser contrabaixista da orquestra de Fon-Fon, no Rio de Janeiro.
[7] Afrânio Menezes Silva (1936-1991), maestro da Filarmônica Mestre Elísio no período 1989-1991.
[8] BILLY MAGNO nome artístico de Williams Magno Barbosa Fialho (Pão de Açúcar-AL 05/07/1978). Músico multi-instrumentista e arranjador. Na adolescência, foi estudar orquestração e regência em Salvador (BA). Iniciou na profissão em 1984 e teve como professores Paulo Henrique Lima Brandão (teoria), Petrúcio Ramos de Souza (orquestração e regência), Maria Mercedes Ribeiro Gomes (piano) e Edvaldo Gomes (contraponto), tendo ainda participado de Master Class de arranjo com Cristóvão Bastos, harmonia com Nelson Faria e trilha sonora com David Tygel. Dedicou-se, ao longo do tempo, à causa da música instrumental na qual tem atuado com mais frequência, trabalhando no Brasil e na Europa. Em junho de 2004, passa a viver em São Paulo. (http://abcdasalagoas.com.br/verbetes.php)


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Mestre Elísio — por J. G. C. Fôlha




"Mestre Elízio"[1]
Por João Gilberto Cordeiro Fôlha[2]

    Como toda cidade interiorana e antiga, aliás uma tradição brasileira, Piranhas tinha, na década de 1960, sua bandinha de música, mantida, precariamente, pela Prefeitura Municipal.
        Em verdade, aquela tradicional bandinha, se sustentava pela abnegação de seus componentes e, dentre estes, se destacava a figura do Maestro Elízio, chamado carinhosamente por todos nós como Mestre Elízio que, com seus conhecimentos musicais, nos transmitia, com galhardia, as primeiras notas até a execução do famoso dobrado "O Guarani".
        Apesar de sua humildade, aquela figura, pela tenacidade e capacidade, impunha-nos um respeito ímpar, principalmente quando, perfilados, passávamos pelas antigas ruas de Piranhas, em qualquer solenidade, quer seja cívica, religiosa ou carnavalesca.
        Para se ter uma idéia de sua sensibilidade musical lembro-me de um episódio que comprova a minha assertiva. Face os seus poucos recursos financeiros, o Mestre Elízio, nas horas vagas, era também sapateiro. Estando ele em sua tenda, na própria sede da bandinha, pregueando o solado de um sapato, tentava eu executar o dobrado "Dois Corações, solfejando meu velho e saudoso bombardino. Durante a execução falhei, confesso, poucas vezes e estas poucas vezes foram detectadas, ao longe, pelo grande Mestre. Qualquer falha que dávamos na execução de nossas músicas era "in loco", observada por ele, até o velho bombo, sob a tutela de Afonsinho, quando não atentava para a partitura respectiva, a observação viria a seguir.
        Outras passagens interessantes poderíamos citar, mas recordo-me que, certa feita, o Mestre Elízio em uma das novenas da festa da nossa padroeira (...) não apareceu na igreja com as partituras sacras. Resolvemos, então, usando, como a gente diz vulgarmente, "de ouvido", eu, Egildo, Dorinho, Joãozinho[3] e as cantoras da igreja, capitaneadas por Cacilda[4], dar início àquela novena. Lá para as tantas, adentrava o Mestre no salão da igreja ressacado para valer e, imaginem, deu um verdadeiro "show" nos seus pupilos.
        Assim era o Mestre Elízio. Um bom pai, amigo, sapateiro de primeira linha, o grande maestro da bandinha de Piranhas.
Cursava eu o terceiro ano de Direito, na velha Faculdade de Direito de Alagoas, e, pelo fato de estar no exercício do cargo de Adjunto de Promotor, na Comarca de Piranhas, me deslocava todas as terças-feiras para ali, fazendo o percurso Maceió/Delmiro Gouveia e depois Piranhas. O percurso Maceió/ Delmiro era feito no ônibus "corujão", cognominação esta pelo seu horário, ou seja, sempre pela madrugada. Pois bem, uma dessas vezes, chegava em Delmiro às 3 horas da matina e, enquanto aguardava o transporte seguinte, ouvia, ao longe, o som perfeito de um piston que executava uma música pelo meu Mestre Elízio. Curiosamente, procurei encontrar o local de onde vinha aquele tão perfeito "acorde".
Vejam vocês me deparei, num pequeno barzinho, com a figura do meu grande Mestre que, (...) juntamente com mais dois companheiros, continuava, mesmo já no ocaso de sua existência, a mostrar o grande músico e o grande boêmio que era.
Ao sentir minha presença, não se conteve o velho Mestre. Nos abraçamos e juntos choramos. Procuramos lembrar os velhos tempos de bandinha. Sensibilizado ainda mais fiquei quando o Mestre Elízio voltou-se para os seus companheiros (...) e disse: "Vocês estão vendo o melhor músico de minha bandinha de Piranhas". E continuou: "Hoje você vai ser Doutor, mas para mim continua o menino que ensinei a tocar bombardino e trombone".
As palavras do Mestre mostravam apenas a bondade que detinha em seu coração. O respeito que tinha pelo ser humano e, acima de tudo, a postura do sertanejo, principalmente de Piranhas, que prima pela sinceridade e hospitalidade.
        Foi a última vez que nos encontramos. Veio, mais tarde, a perecer o meu velho e grande Mestre Elízio. Deus o quis levar para sua orquestra, talvez não para ser o Maestro, mas para ser um grande músico, que através de suas execuções, venha irradiar, em todos nós aqui, a paz, a felicidade e o amor.





[1] Transcrição do jornal O Cacto n.º XIV. Piranhas, fevereiro de 1985. (in: Piranhas  Retrato de uma Cidade. Rodrigues Cavalcanti, Rosiane. Maceió, Edições Catavento, 1999, p. 105.
[2] Advogado, residente em Maceió, filho de Seu Afrânio Cordeiro e dona Lili Fôlha.
[3] Egildo Vieira (1947-2015), Isidoro Cordeiro e João Batista.
[4] Cacilda Damasceno Freitas (in memoriam), tabeliã, cantora da igreja e patronesse de eventos culturais; mãe do desembargador Washington Luiz e do deputado, ex-prefeito da cidade de Piranhas e fundador da Escola de Música Mestre Elísio José de Souza, em 1989, Inácio Loiola Damasceno Freitas.