Dobrados — Pesquisa, restauração, arranjos e regência
Régis Duprat e Rogério Duprat
O
dobrado é um gênero musical interessantíssimo. Primeiramente, porque todo mundo
acha que conhece, principalmente os músicos; mas, na realidade, o dobrado é
pouquíssimo conhecido, fato constatado pelas escassas referências
bibliográficas sobre o gênero. O que todos sabem é que dobrados são músicas
tocadas por bandas militares. Os dobrados, portanto, têm algo a ver com a
atividade militar, mesmo que isso pareça uma afirmação meio sem nexo. Mas,
voltando no tempo, acharemos a lógica disso.
Desde
sua origem, as tropas militares marcham, a pé ou a cavalo. Dependendo da
ocasião ou da situação tática, a cadência da marcha varia; a marcação dessa
cadência sempre foi feita por bombos e tambores, acompanhados por pífanos,
flautins, trombetas e outros instrumentos. Ao longo do tempo, o
termo marcha passou a designar, além do deslocar-se a pé ou montado, a música
produzida pelo grupo que marcava a cadência.
As
cadências variam conforme as situações táticas; há basicamente três cadências
para os deslocamentos da infantaria: o passo de estrada, que é uma marcha lenta
e pesada, utilizada em percursos longos; o passo de parada ou passo dobrado,
marcha bem mais rápida, com andamento próximo ao dobro do anterior, utilizada
em desfiles, continências e paradas militares; e o passo acelerado, marcha de
ataque para a tomada de pontos do terreno.
As
três cadências, nas tropas de cavalaria, correspondem ao passo, ao trote e ao
galope. A marcação do tempo, no metrônomo, para as cadências, seria a seguinte:
68 a 76 bpm, para o passo de estrada; 112 a 124 bpm para o passo dobrado; e 160
bpm, para o passo acelerado ou galope. Com o
tempo, o termo "passo dobrado", que designava o andamento das marchas rápidas,
passou a designar todas as marchas das paradas, continências e desfiles.
O
passo dobrado é, musical e literalmente, o passo doppio dos italianos, o paso
doble dos espanhóis, o pas-redoublé
dos franceses ou simplesmente a march
de ingleses e alemães.
Em
todos os países, as marchas militares foram incorporando características
nacionais. Por exemplo, as marchas inglesas são mais rápidas do que as latinas,
que são também mais rápidas do que as norte-americanas. No Brasil, sendo as
marchas executadas em todo o território nacional, elas ficaram expostas às
influências de vários outros gêneros brasileiros. Lentamente, então, foi se consolidando
uma marcha brasileira, que recebeu a denominação genérica de dobrado.
O
dobrado brasileiro foi adquirindo características próprias, que o afastaram do
passo dobrado e de outras marchas europeias; desse modo, o dobrado foi se
tornando a marcha brasileira.
No
final do século XIX, o dobrado já possuía características melódicas,
harmônicas, formais e contrapontísticas que o distinguiam de outros gêneros
musicais, permitindo assim a sua inclusão no rol dos gêneros musicais
genuinamente brasileiros. Os dobrados, no Brasil, são tocados não somente por
bandas militares, mas por bandas de coretos com várias formações instrumentais.
Essas bandas são, historicamente, uma das principais escolas de instrumentistas
brasileiros, principalmente de sopro.
O
disco da postagem de hoje, produzido no final da década de 1970, resultou de
pesquisa realizada por Régis e Rogério Duprat, dois dos mais renomados
musicólogos do Brasil; embora tenha o selo da Copacabana, o disco foi produzido
por Marcus Pereira (que mais uma vez estava à frente de um trabalho realmente
importante para a música brasileira).
O
disco tem dobrados brasileiros típicos. Reparem que as primeiras músicas têm
andamento mais acelerado. Sobre isso, o próprio Régis Duprat explica na
contracapa: “o ritmo, então, torna-se mais cômodo, mais lânguido; fixa-se o seu
andamento por volta de 110 passos por minuto. Poderíamos explicá-lo por seus
conluios com a languidez do lundu, do tanguinho, do maxixe, e pela
tropicalização generalizada que os gêneros ganharam nestes Brasis.”
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